Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O desafio de ser mulher e jornalista na Somália

Era fevereiro de 2008 quando Bahjo Mohamud Abdi recebeu seu primeiro telefonema anônimo. Ela estava em um shopping center. Do outro lado da linha, uma voz masculina lhe pedia para confirmar sua identidade. Bahjo trabalhava então como apresentadora e correspondente da emissora de rádio estatal em Puntland, região semiautônoma da Somália. Após confirmar seu nome e desligar o telefone, ela não pensou mais no ocorrido. Duas horas mais tarde, recebeu uma nova ligação. Desta vez, o interlocutor afirmou que era o ‘Mujahadeen (guerreiro) somali’ e que a estava vendo no shopping.

Embora jovem e uma das poucas mulheres no jornalismo em Puntland, Bahjo já tem experiência suficiente para ser considerada veterana na profissão. Ela trabalhou para diferentes emissoras de rádio locais e, antes disso, atuou como repórter na capital Mogadício. A jornalista costumava cobrir ataques na região de Puntland e o grupo insurgente somali al-Shabaab não gostava da exposição negativa. O pior para os insurgentes, no entanto, era o fato de Bahjo ser mulher. O al-Shabaab desaprova mulheres que trabalham, mesmo em mercados informais ou organizações femininas. O único trabalho aceitável, para eles, é juntar-se à milícia.

Depois de receber o segundo telefonema, Bahjo entrou em pânico e chamou a polícia para ser escoltada até sua casa. Quando chegou, o celular tocou novamente – e ela o desligou. ‘Quando finalmente tive coragem de ligá-lo novamente, havia diversas mensagens dizendo que eu devia interromper meu trabalho como jornalista. Passei a detestar meu celular’, conta.

Após uma semana reclusa em casa, ela saiu de carro com uma amiga. As duas ouviram uma explosão e, em seguida, viram um homem correr na direção do veículo. Elas conseguiram acelerar para não ser alcançadas e, mesmo com um pneu furado, chegaram a um hotel, onde buscaram ajuda e foram levadas para um hospital – tinham estilhaços no rosto.

Prisão forçada

Por meses, a vida seguiu desta maneira. ‘A vida era horrível’, lembra ela, que acabou se enclausurando em casa. Em outubro de 2008, no entanto, quatro homens armados invadiram sua casa, matando duas pessoas. A jornalista conseguiu fugir e reconheceu um dos homens como sendo o que a perseguiu em seu carro. Ela trocou o número de celular, mas continuou recebendo as ligações com ameaças. Mudou-se para Mogadício por um tempo e, posteriormente, foi trabalhar em Galkayo, sua cidade natal. Sua mãe pedia que ela desistisse da profissão. Bahjo cansou das ligações ameaçadoras e acabou dando seu celular para o irmão mais novo. Ele, então, começou a receber as ameaças por ela. Certa vez, um telefonema informou que a jornalista seria a próxima vítima depois da morte de um funcionário do governo em Galkayo. Com medo, Bahjo deixou a família e foi morar em um campo de refugiados no Quênia. ‘Não conseguia trabalhar no campo e o al-Shabaab é muito ativo nos campos. Decidi ir para a cidade’, conta.

Como muitos refugiados somalis, ela acabou indo viver em uma parte caótica de Nairóbi, conhecida como Eastleigh. Ela largou o jornalismo e, embora com menor frequência, ainda recebe ameaças. Do outro lado da linha, homens dizem que sabem de seu paradeiro. ‘As circunstâncias em Nairóbi agora são muito semelhantes às da Somália’, diz. O Comitê para a Proteção dos Jornalistas dá assistência a Bahjo e a mais de 10 jornalistas somalis. Informações de Tom Rhodes [CPJ, 25/3/11].