Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

O jornalista que virou prisioneiro militar

Sami al-Haj é o único jornalista a ter vivido como prisioneiro na base militar americana de Gunatánamo, em Cuba. Funcionário da rede de TV al-Jazira, do Catar, o sudanês de 40 anos foi detido ilegalmente e passou sete anos preso pelos militares americanos. ‘Às vezes acordo e penso que ainda estou em Guantánamo’, diz, em entrevista concedida em Oslo ao jornal britânicoGuardian. ‘Acontece também quando eu ouço barulhos, vejo alguma luz, ouço [latido de] cachorros ou gritos. Fico mal quando escuto estas coisas. Mas com a ajuda do meu psicólogo, sinto que minha situação está melhorando. Espero que me torne normal em breve’.


Al-Haj trabalhava como cinegrafista da al-Jazira quando foi preso pela polícia do Paquistão, em dezembro de 2001, quando seguia para o Afeganistão. Da equipe que o acompanhava, ele foi o único detido, sob alegação de que havia irregularidades em seu passaporte. Depois de três semanas, foi enviado para as forças americanas e para a base aérea de Bagram. Os interrogatórios por que passou se concentravam em informações sobre seu empregador. ‘Eles me perguntavam constantemente sobre a al-Jazira e se o canal tinha ligação com Osama bin Laden e a al-Qaeda’, lembra.


O cinegrafista foi levado a Cuba em junho de 2002. De acordo com dados da Anistia Internacional, ele foi espancado por diversas vezes, além de ter sido maltratado, ter atendimento médico negado e ter sofrido racismo. Quando al-Haj começou, com outros detentos, uma greve de fome em 2003, foi levado para a solitária, na unidade mais dura de Guantánamo. Na base, diz, os prisioneiros não se sentem como seres humanos.


Depois de sua libertação, em maio de 2008, al-Haj ajudou a fundar uma organização chamada Centro de Justiça de Guantánamo, com sede internacional em Genebra e direção do ex-detento britânico Moazzam Begg. O objetivo do grupo é advogar em defesa dos detentos vítimas dos abusos e humilhações da ‘guerra contra o terror’ de George W. Bush. ‘Preciso que eles [Bush e outros oficiais americanos] sejam levados ao tribunal. Não queremos que o que aconteceu conosco aconteça novamente’, afirma.


Cobertura


Al-Haj voltou para a al-Jazira, onde coordena uma nova seção dedicada a questões de liberdades civis e direitos humanos. Ele diz ser frustrante, entretanto, ver a cobertura sobre a base militar. ‘A mídia não fala mais sobre Guantánamo como antes. Mas ainda há muitos homens lá dentro e a tortura continua’. Ele acredita também que parte da imprensa facilita as coisas para o atual presidente americano, Barack Obama, sem questionar suas ações. ‘Eles acreditam no Obama e em suas promessas, mas ele não as manteve. Obama disse que fecharia Guantánamo imediatamente quando chegasse ao poder, mas não o fez. Ele disse que levaria as pessoas que cometeram tortura ao tribunal, mas não o fez’.


O jornalista reclama ainda dos veículos que, ao noticiar a saída de detentos, ressaltam que eles vão para ‘ilhas paradisíacas’ como Palau e Bermuda. ‘Mesmo se você levasse alguém para o inferno, essa pessoa iria dizer que o inferno é ótimo, porque acabou de sair de Guantánamo’, diz. ‘A mídia não está fazendo as perguntas corretas: como estes ex-detentos vão se reunir com suas famílias? Do que vão viver? Como terão sua segurança garantida? Muitos ex-detentos estão sofrendo. Voltar à rotina é tão difícil que alguns chegam a dizer que querem voltar à base’.


Al-Haj diz que duas coisas o ajudaram a sobreviver aos anos em Guantánamo. ‘A primeira é minha fé. Sei que Deus não me abandonaria porque Ele sabia que eu era inocente. A segunda é minha profissão. Vivi dentro da base como jornalista. Foi uma chance de estar entre os detentos, ver como eles lidavam com aquilo e ouvir suas histórias’. Informações de Gwladys Fouché [Guardian.co.uk, 17709].