Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os riscos de poupar americanos

Reportagem de Jack Shafer para a Slate [20/10/04] mostra como funciona o ‘jornalismo por controle remoto’ praticado pelos veículos americanos no Iraque. Eles contratam iraquianos para exercer a função de repórteres em áreas de risco para estrangeiros – ou seja, praticamente no país todo.

Segundo o correspondente do Washington Post, Rajiv Chandrasekaran, durante o verão deste ano todas as estradas que saem de Bagdá se tornaram perigosas demais para circular e, dentro da capital, exceto na ‘zona verde’ controlada pelos EUA, também é pouco seguro. O diário tem cinco funcionários iraquianos na cidade e outros cinco espalhados pelo interior. Eles têm diversas profissões, como arquiteto, farmacêutico e recepcionista de hotel, e se expõem a represálias praticadas por aqueles que os enxergam como colaboracionistas da ocupação.

Em média, os veículos americanos pagam entre US$ 1000 e US$ 1500 aos colaboradores iraquianos. É um salário que garante padrão de vida de classe média num país em que não há muita oferta de emprego. Por outro lado, é muito menos do que receberia um profissional dos EUA para enfrentar a cobertura de uma guerra.

Chandrasekaran destaca que eles não aceitam o trabalho apenas pelo dinheiro. ‘Eles amam o jornalismo. Acreditam no que estão fazendo’. O correspondente do New York Times, John Burns, também elogia seus colaboradores locais, que classifica como inteligentes, corajosos e intrépidos.

Muitas vezes, no entanto, os repórteres ‘rádio-controlados’ pedem para que seus nomes não apareçam nos créditos das matérias que ajudam a fazer, com medo de que sejam rastreados pela internet. Uma das principais vantagens de sua atuação é que podem trabalhar de forma mais sigilosa, entrevistar mulheres sem quebrar normas de comportamento. ‘Eles sabem como falar e agir’, comenta Anthony Shadid, também do Post, que está nos EUA, mas em breve deve retornar para o Iraque.

Burns admite que o uso de repórteres iraquianos é ‘a segunda melhor opção’ de trabalho. Segundo outros profissionais ouvidos por Shafer, a confiabilidade não é total e há poucas outras fontes para que se possa comparar informações obtidas. Larry Kaplow, da Cox Newspapers, conta que seu colaborador local exigiu treinamento. Ele teve de explicar, por exemplo, que seria necessário anotar tudo que se vê quando se está diante de um atentado ou outro evento importante. ‘Não há dúvida de que a qualidade da reportagem é afetada’, conclui Chandrasekaran.

Perigo crescente

O resultado da substituição de mão-de-obra estrangeira pela nacional, promovida pela maioria dos veículos internacionais, é mostrado por números do Comitê de Proteção aos Jornalistas [19/10/04]. Desde o início da invasão liderada pelos EUA, em março do ano passado, pelo menos 35 jornalistas morreram no conflito em função de ações violentas; 22 deles em 2004. Dezesseis dos 22 caídos neste ano são iraquianos. Em 2003, apenas dois funcionários de mídia mortos eram locais.

Trabalhadores de apoio à imprensa, como motoristas, intérpretes e guias também têm enfrentado perigo crescente. Dos 13 mortos desde março de 2002, 11 – todos eles iraquianos – foram vitimados em 2004. A principal causa de morte são as ações de rebeldes. Dos 35 jornalistas mortos, 19 foram alvos da resistência à ocupação e pelo menos 8 receberam fogo de forças americanas.