Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Paulo Machado

‘Agência Brasil publicou dia 17 de outubro duas matérias tratando da privatização das empresas estatais (*).

A forma como essa discussão foi apresentada aos leitores indignou o leitor e advogado Eloá dos Santos Cruz (**) que escreveu: ‘Refiro-me a matéria ‘País tem 120 empresas estatais, 41 foram privatizadas nos últimos 20 anos’, editada por essa Agência […], particularmente no trecho em que diz: ‘A privatização da Companhia Vale do Rio Doce, ocorrida em 1997, ainda causa polêmica. O principal argumento usado pelos defensores da reestatização da Vale é que a companhia teria sido vendida por um preço considerado abaixo do de mercado, US$ 3,3 bilhões. Hoje, a empresa tem capitalização de mercado de aproximadamente US$ 140 bilhões, com cerca de 500 mil acionistas em todos os continentes.’

A questão apresentada nesses termos simplificados, põe de lado o aspecto mais relevante a ser considerado. Esse aspecto é o atinente ao verdadeiro Interesse Público, que defendo ardorosamente, pois acredito ser possível praticar um governo voltado para o desenvolvimento, mas também baseado nos cinco pilares sinérgicos da Administração Pública, que são os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, tal como exigido na regra pétrea da Constituição Federal de 1988 (art. 37). Esses 05 princípios têm de ser praticados em conjunto, concomitantemente e é esse o desafio posto aos administradores competentes e probos, em especial no caso da CVRD. Quem estabeleceu o primado herético, segundo o qual a ‘lucratividade’, como manifestação externa de ‘eficiência’, pode se sobrepor à legalidade e à moralidade? Por que exaltar tanto os resultados financeiros bilionários de uma Empresa do porte da CVRD e ninguém se preocupar com a legalidade do que se fez com ela? Até a razão social da mineradora foi alterada, em frontal desobediência à letra e ao espírito de item específico do edital regulador da venda. A Lei n° 8.666/1993 impõe estrita obediência e o Edital PND-A-01/97 ainda depende de julgamento pelo Poder Judiciário.

Cabe lembrar as palavras proféticas de FRANCISCO FRANCO DE ASSIS FONSECA, ex-Superintende da DOCEGEO (empresa especializada em pesquisa geológica então coligada no Sistema CVRD), quando disse dois meses ANTES do leilão de ações na terça-feira 06/05/1997: ‘A lucratividade da Vale aumentará muito no futuro próximo, devido a dois fatores: liquidação da dívida de Carajás e abertura de grandes e lucrativas minas de ouro. Esse aumento de lucratividade, resultado de décadas de administração competente sob regime estatal será mentirosamente atribuído à privatização. Economistas bisonhos louvarão as virtudes da privatização e apresentarão a Vale como exemplo. A economia deixou de ser uma ciência séria e se transformou em uma numerologia enganadora, a serviço de interesses dominantes.’

Essa declaração foi divulgada, entre outros, pelo jornal Diário do Pará (edição de 23/02/1997, página A-2), reproduzida em editais publicados em Diário Oficial no Rio de Janeiro, por ordem do Juiz da 17ª Vara Federal/Rio, em 18/04/1997, e lembrada no meu Blogue MUÇUNGÃO (http://www.alafin.zip.net), Pêsames de aniversário do ‘day after’, postado em 06/05/2007.

O silêncio ensurdecedor da mídia em geral e o ‘faz-de-conta-que–a-lei-não-existe’ conspira contra os opositores da transferência da CVRD ao exclusivo domínio privado. Eu não luto pela ‘reestatização’, mas sim pelo reconhecimento da nulidade absoluta da venda em 06/05/1997, porque ilegal, promovida com gravíssimas irregularidades na imprescindível avaliação prévia do acervo da sociedade de economia mista federal, cabendo a volta à situação anterior e, se isto for impossível, indenização pecuniária ao Estado Brasileiro, com base no artigo 182 do Código Civil em vigor.’

A Agência Brasil respondeu: ‘Agradecemos a mensagem do leitor. A Agência Brasil não entrou no mérito da legalidade do processo de privatização da Vale. A matéria procura dar uma visão ao leitor sobre o processo de privatização e as empresas envolvidas na época. Agradecemos as observações feitas pelo leitor sobre o assunto.’

Na matéria em questão encontramos opiniões contra e favor das privatizações, mas apenas do ponto de vista econômico-financeiro. O ‘Interesse Público’, como lembra o autor da demanda, não aparece. Um exemplo, é a maneira como foi tratada a privatização da Telebras: ‘A privatização do setor de telecomunicações foi uma das que mais alteraram a vida da população brasileira. O sistema Telebras, que envolvia 27 empresas de telefonia fixa e 26 de telefonia celular, foi privatizado em 1998. Segundo a Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil), desde que as operadoras privadas assumiram a prestação de serviços de telefonia, a oferta cresceu 703% e o número de aparelhos ultrapassou o número de habitantes do país.’ Apesar dos números apresentados serem significativos, a qualidade dos serviços e o seu preço, são discutidos superficialmente na matéria da ABr, deixando muito a desejar, haja vista o número de reclamações dos consumidores e as comparações feitas por especialistas entre sistemas de telefonia de diversos países.

Como o leitor pode constatar, entre o oito e o oitenta, privatização ou estatização, existem pelo menos setenta e nove outras versões e aspectos que a imprensa pode abordar para qualificar esse debate e dar ao leitor informações que o libertem da armadilha de ter de decidir entre falsos dualismos – assim não caminha a humanidade.

Até a próxima semana.’