Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Paulo Sotero

‘Se decidir processar o New York Times por causa da reportagem, o Planalto terá de fazê-lo no Brasil. ‘São inexistentes as chances de uma queixa por calúnia e difamação desse tipo contra o jornal americano ser acolhida pela Justiça dos Estados Unidos’, disse ao Estado o juiz federal Peter J. Messitte, do Estado de Maryland.

Ele fez o comentário enquanto, em Nova York, a direção do jornal ignorava a intenção de autoridades no Brasil de tomar qualquer tipo de providência.

‘Nós acreditamos que a reportagem é correta’, afirmou a vice-presidente da New York Times Company para relações com a imprensa, Catherine Mathis. O embaixador do Brasil, Roberto Abdenur, ‘esteve em contato com o jornal ontem’, segundo fonte da Embaixada.

Segundo o juiz Peter Messitte – que foi voluntário do Corpo da Paz em São Paulo nos anos 60 e atua hoje como o elo entre o Judiciário do Brasil e dos EUA-, ‘nos EUA, vale tudo, se a crítica tem como alvo um funcionário público e a questão, de alguma maneira, mesmo indireta, envolve o exercício da função pública.’

Os parâmetros que regem a atuação dos juízes nesses casos foram consagrados há 40 anos, em histórica decisão da Suprema Corte americana, num caso que envolveu o Times e tornou-se a pedra fundamental da jurisprudência que protege a imprensa de processos por calúnia e difamação iniciados por figuras públicas nos EUA.

O caso começou em 1960 com a publicação de um anúncio pago por defensores dos direitos civis para denunciar abusos policiais no sul. O texto continha algumas imprecisões. Embora não fosse citado nominalmente, Louis Sullivan, chefe da polícia de Birmingham, Alabama, vestiu a carapuça e processou o Times.

Em 1964, a Corte decidiu em favor do jornal, afirmando que ‘o debate das questões públicas deve ser desinibido, robusto e aberto e isso pode incluir ataques veementes, cáusticos e às vezes desagradavelmente duros contra ocupantes de cargos públicos’. O Supremo estabeleceu, ainda, que para ter sucesso a figura pública precisa comprovar que houve ‘real malícia’ na publicação. Ou seja, sabia que a informação que publicou era falsa e agiu com desprezo à verdade.

Se optar por um processo, o governo do Brasil poderia estimular investigações mais profundas e até piadas como aquela de que avião do presidente dos EUA é o ‘Air Force One’ e o novo avião de Lula será batizado de ‘Air Force 51’.’



Clóvis Rossi

‘Testemunho’, copyright Folha de S. Paulo, 11/05/04

‘Meu chefe Vinicius Torres Freire já disse quase tudo o que havia a dizer sobre o texto do jornal ‘The New York Times’ a respeito do suposto alcoolismo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Mas eu não me sentiria cômodo se omitisse um testemunho pessoal. Acompanho Lula, por força da profissão, faz quase 30 anos, das greves no ABC no fim dos anos 70 até a Presidência da República.

Nunca vi nada, rigorosamente nada, que revelasse adição ao álcool, mesmo em viagens, nas quais o convívio é forçosamente de muitas e muitas horas seguidas. Posso ser distraído, mas, como não bebo rigorosamente nada, meu olfato para bebida é aguçado.

Acompanhei Lula, relativamente de perto, em entrevistas (exclusivas ou coletivas), seminários, mesas redondas, comícios (sindicais e políticos), encontros com autoridades estrangeiras (tanto antes como depois de ele ser presidente da República), encontros reservados com seus próprios companheiros de partido ou com outros dirigentes políticos.

Em geral, momentos agudos, que, dizem os especialistas, convidam a beber (quem gosta, claro). Em nenhum deles Lula demonstrou o mais leve sinal de que havia bebido ou, quando o fez, dentro do socialmente aceito, de que o álcool afetara sua atividade.

Tampouco notei uma preocupação nacional com o suposto vício de Lula, como afirma o texto do ‘New York Times’. É verdade que estou fora do país há três meses, mas não creio que, nesse espaço de tempo, o Brasil tenha passado a discutir o assunto.

Por fim, como diz a nota do porta-voz da Presidência, André Singer, o texto citado resvala, sim, para o preconceito, não contra o presidente, mas contra o mundo sindical, ao insinuar que nele se bebe mais.

Bobagem. Bebe-se tanto quanto no mundo jornalístico ou no mundo empresarial ou em qualquer outro ambiente.

O problema de Lula, do meu ponto de vista, não é a bebida, mas o jeito de governar.’



Janio de Freitas

‘O bêbedo e o desequilibrista’, copyright Folha de S. Paulo, 11/05/04

‘O governo recomendou ao embaixador brasileiro nos Estados Unidos a apresentação ao ‘New York Times’ do seu repúdio ao vasto texto, no domingo, com repetidas afirmações de que a atividade de Lula está prejudicada pela bebida excessiva, o que se tornou ‘preocupação nacional’ no Brasil e está ‘infiltrado na consciência pública’. Foi a providência governamental de praxe, ditada pelo convencionalismo diplomático. Mas, dita a experiência, melhor seria levar a reclamação ao Departamento de Estado, centro diplomático onde se têm montado as operações norte-americanas menos diplomáticas para a América Latina e alhures.

Os norte-americanos gostam muito de coincidências. Pode-se entender assim o acaso que fez o texto do correspondente Larry Rohter, inequivocamente elaborado para desmoralizar Lula e o governo brasileiro, sair em dias importantes para a política latino-americana do governo dos Estados Unidos.

Como a segurança da Venezuela descobriu no final da semana passada, seu governo estava na iminência de sofrer um ataque golpista: cerca de cem integrantes da guerrilha direitista colombiana já estavam instalados em território venezuelano, quando foram descobertos e, na maioria, presos. O governo colombiano do presidente Uribe não teria razões objetivas para chegar ao extremo risco de uma aventura golpista na Venezuela, capaz de resultar em conflito entre os dois países. Já a guerrilha direitista a que pertencem os presos sempre foi ajudada por norte-americanos, porque se opõe à guerrilha originalmente de esquerda e depois ligada ao narcotráfico que abastece o imenso mercado dos Estados Unidos.

Foi na semana passada, também, que o próprio Bush, em ato sem precedente, tornou público que o seu governo passa a agir para mudar o regime cubano. Ou seja, para derrubar Fidel Castro. Como disse o subsecretário para assuntos latino-americanos, Roger Noriega, os Estados Unidos não admitem Raul Castro como sucessor de Fidel, segundo estabeleceram os cânones cubanos para a morte do seu líder.

Duas grandes operações em curso, portanto. E quem é o presidente latino-americano capaz de levantar um movimento continental em defesa dos dois presidentes visados? Além dos motivos políticos para fazê-lo, inclusive em autopreservação das soberanias nacionais, Lula tem com Chavez e Fidel relações pessoais. É a esse Lula e na ocasião em que se lançam as duas operações contra Chavez e Fidel que, por coincidência, sai um texto desmoralizante para Lula. E em nada menos do que no jornal norte-americano de maior repercussão internacional -até por ser reconhecido como o mais leal servidor, na mídia, do que os governos dos Estados Unidos consideram ‘razões de Estado’.

O gosto norte-americano por coincidências vai às minúcias, senão ao humorístico. Por isso é que, também nesse domingo do texto contra Lula no ‘NYT’, em um cantinho do segundo caderno do ‘Globo’ saía uma carta de protesto do cônsul norte-americano, por ‘declarações e expressões’ de Arnaldo Jabor sobre o presidente Bush, ‘caracterizadas’, segundo a carta, ‘pela falta de respeito e má educação’. Daí a conclusão: ‘Não emitimos em nossos telejornais, jornais nem em qualquer veículo de comunicação nada parecido com o que temos presenciado’. Uma injustiça com ‘The New York Times’. Sobretudo quando retoma o jornalismo tão praticado nos anos 50 e 60, fase aguda das políticas intervencionistas na América Latina.’



Rodrigo Savazoni

‘Em nota oficial, governo brasileiro repudia matéria de jornal americano’, copyright Agência Brasil (www.radiobras.com.br), 9/05/04

‘O porta-voz do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, André Singer, divulgou, na noite deste domingo, nota oficial manifestando ‘profunda indignação’ com a reportagem publicada pelo jornal norte-americano The New York Times, a qual foi qualificada de jornalismo marrom. Na nota, o governo afirma que o correspondente da publicação, Larry Rohter, ‘inventou uma suposta ‘preocupação nacional’ com hábitos do Presidente da República para dar vazão a um amontoado de afirmações ofensivas e preconceituosas’.

O governo também informou, por meio da nota, que já orientou o embaixador brasileiro em Washington a procurar o The New York Times para ‘transmitir a indignação e a surpresa do governo brasileiro pela veiculação de insultos gratuitos ao Presidente da República’.

A matéria, publicada na edição de domingo do matutino norte-americano – e reproduzida desde sábado à tarde em sites brasileiros – reúne insinuações que circularam na imprensa nacional e um depoimento do presidente do Partido Democrático Trabalhista (PDT), Leonel Brizola, para construir a tese de que um suposto convívio excessivo com bebidas alcoólicas tem prejudicado o desempenho do presidente Lula.’



Ancelmo Gois

‘FH apóia Lula’, copyright O Globo, 11/05/04

‘FH ficou chocado com a reportagem do ‘New York Times’, dizendo que Lula estaria exagerando na bebida alcoólica.

‘Estranho que um jornal desta importância tenha dado abrigo a tamanha leviandade. Conheço Lula há 30 anos e não vejo nenhuma razão para o jornal fazer tal suposição.’ O ex-presidente acha que a reportagem ‘desmoraliza todos nós’. Mas desmoraliza ainda mais o ‘New York Times’.’