Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Proposta surge em momento inadequado

A entrada das concessionárias de telecomunicações fixas no setor de TV a cabo não deveria ser feita desta forma. A decisão do conselho diretor da Anatel de realizar consulta pública mudando a regulamentação do cabo, o que permitirá que operadoras de serviço telefônico fixo comutado (STFC) adquiram licenças de TV a cabo, parte de um equívoco e é colocada em um momento inadequado.

Em primeiro lugar, a justificativa para essa mudança seria incentivar a competição na indústria de cabo em um ambiente de convergência de serviços, liberando licenças e aplicando ao setor o conceito de poder de mercado significativo (PMS).

Ora, não existe mercado de TV a cabo, e sim de TV por assinatura, em que mais de 50% dos assinantes hoje usam a tecnologia de TV por satélite (como SKY, Telefônica e Oi), e não a de cabo. Serviços convergentes (voz, banda larga e vídeo) já são prestados pelas empresas de STFC, que competem com as empresas de cabo mesmo sem a mudança.

Qual a razão da pressa, mudando só as regras do cabo?

Exemplo europeu

Em segundo, o tema candente em pauta no setor de telecomunicações, hoje, é a massificação da banda larga, objetivo do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), que pode utilizar o Plano Geral de Metas de Competição (PGMC) e as metas de universalização (PGMU) para tal. A regulação do conteúdo de TV, por sua vez, é objeto do PLC 116, em discussão no Congresso.

Todas essas novas regras estão inconclusas. Qual a razão de definir uma parte (o cabo) antes do todo (PNBL, PGMC, PGMU e PLC 116)?

As políticas públicas são melhores quando guardam coerência entre si e com os objetivos que a sociedade demanda.

As principais alterações proposta na nova regulação do setor de cabo são: (i) introduzir o conceito de empresa com PMS, quando domina o mercado em que atua; (ii) a criação de metas de cobertura para definir o percentual de domicílios que a empresa de cabo deverá cobrir em sua área; e (iii) a liberação do número das licenças de cabo.

O primeiro conceito, de PMS, foi criado para garantir a competição naquelas regiões onde apenas uma empresa possuía a rede que chega ao domicílio dos usuários.
Na União Europeia era, normalmente, a rede de telefonia fixa detida por apenas uma empresa (em geral um ex-monopolista estatal).

Por que não?

As empresas com PMS foram obrigadas a compartilhar sua rede com empresas entrantes para viabilizar a concorrência.

Não implicou obrigação de investimentos, índices de qualidade diferentes etc. É impróprio usar o PMS para atingir metas de cobertura, ele não é adequado para tal. Assim, as prestadoras do serviço de TV a cabo com PMS deverão atender determinado nível de cobertura; já as sem PMS terão obrigações leves. Sabe-se que a maioria dos municípios sem operadora de cabo, hoje, não viabiliza economicamente novos prestadores.

Desse modo, um operador entrante, que decidisse atuar em um desses municípios pequenos, terá PMS, pois será o único em sua região, logo, sujeito a obrigações de investimento, o que pode inviabilizar seu negócio. Ao passo que as concessionárias de telefonia fixa (com grande capacidade de investimentos) poderão entrar em mercados, rentáveis e já atendidos, como Rio de Janeiro, São Paulo, Ribeirão Preto, Campinas etc. quase sem obrigações, pois não terão PMS.

Se o objetivo é ampliar a cobertura, a Anatel, em vez da liberação ilimitada das licenças de cabo, poderia usar novas licenças como instrumento para incentivar investimentos, juntando mercados atrativos aos sem cobertura mínima.

Já fez isso no passado com radiofrequências no serviço celular, empacotando áreas muito atrativas e outras carentes, e conseguiu bons resultados. Por que não repetir essa experiência?