Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Quando a globalização vence a censura

Tudo começou com protestos dos camponeses na cidade chinesa de Dongzhou, pois o governo havia expropriado terras de forma abusiva para a construção de uma usina elétrica. As terras destinadas à agricultura pertencem ao Estado, mas quando estas são destinadas a outras atividades, os camponeses que as cultivam, para deixá-las, recebem uma indenização, em geral irrisória. No entanto, os dirigentes recebem boas importâncias dos novos ‘donos’ e as embolsam.

Os protestos tiveram inicio em julho, quando o vilarejo mandou delegados à capital da província, os quais foram imediatamente presos. A tensão continuou em um crescente até que na terça-feira (6/12) a polícia foi enviada ao local para efetuar novas prisões. Em vista disso, os camponeses desceram para a estradas e, sentados no asfalto, as bloquearam.

Às 19h daquela terça a polícia começou a atirar para o alto, sem conseguir dispersar os manifestantes. Depois, de acordo com a versão oficial, a polícia ouviu algumas explosões e ‘assustou-se’. Segundo testemunhas, alguém havia disparado fogos de artifício, a única ‘munição’ que se pode encontrar nas casas chinesas nessa época, para festejar a passagem de ano. Às 22h, os soldados começaram a atirar na população. Tudo durou doze horas, foi uma caça ao homem até a madrugada.

No final, o que se viu foi uma carnificina que as autoridades tentaram minimizar. Oficialmente foram registrados somente três mortos, todavia os habitantes recolheram mais de 20 e ainda existem 60 pessoas desaparecidas.

Durante três dias a censura foi total, sequer uma linha sobre o ocorrido apareceu na mídia chinesa. Mas os fatos começaram a ser divulgados em Hong Kong, um oásis de liberdade de expressão, onde as autoridades ainda não conseguiram amordaçar a imprensa.

O jornal South China Morning Post, de Hong Kong, publicou a fotografia de um jovem morto, Lin Yutui, onde se pode ver o furo feito por um projétil à altura do peito, como se tivesse sido uma sumária execução. Em artigo do mesmo diário, os parentes de outro camponês morto, Wei Jin, de 31 anos, revelaram que a polícia está tentando fazer com que os cadáveres desapareçam: ‘Nos ofereceram 2 mil yuan [cerca de 600 reais] para que entregássemos o corpo de nosso morto. Eles estão invadindo todas as casas do lugarejo à procura de cadáveres a fim de eliminar qualquer prova’.

Depois disso, a agencia oficial Nova China publicou um comunicado das autoridades locais intitulado ‘A verdade sobre o incidente do dia 6 de dezembro na baia de Shanwei’, no qual os camponeses são acusados de cometer ‘violências’ contra as autoridades, incitados que foram por uma dezena de pessoas. Esta versão durou somente um fim de semana. No domingo (11/12), uma nova notícia atribuía a culpa da carnificina a ‘erros’ do comandante da polícia. Independente disso, até o dia seguinte continuaram as prisões.

Os habitantes de Dongzhou, pela proximidade com Hong Kong, aprenderam a se defender, valem-se de celulares, usam o SMS e assim podem enviar notícias com fotografias para jornais, emissoras de TV e associações humanitárias.

Foi o ataque mais feroz de que se tem conhecimento desde o massacre da Praça Tienamen, em 1989; só que dessa vez, usando a globalização das comunicações, o povo conseguiu divulgar à imprensa livre o que realmente aconteceu.

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Jornalista