Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Quando a mídia dança conforme a música

Com a entrega da soberania do Iraque a um governo interino no fim de junho, os americanos formalizaram o fim de uma fase da guerra. Daí a dizer que o ato simbolizou o encerramento do conflito é um exagero. Segundo Matthew Felling [The Christian Science Monitor, 4/8/04], o aumento do número de execuções de reféns cometidas diante de câmeras por grupos terroristas é um indício de que o mundo entrou em uma fase turbulenta e cruel da guerra contra o terror: o uso das armas visuais.

Felling dá exemplos do fenômeno terrorista que assusta telespectadores, leitores e internautas de todas as nacionalidades de alguns anos para cá. Ele lembra dos casos do jornalista do Wall Street Journal Daniel Pearl, decapitado no Afeganistão, do soldado americano Keith Matt Maupin e do refém turco no Iraque, cuja identidade não foi revelada, que teve o vídeo de seu assassinato divulgado no início deste mês.

Parte do jogo

O jornalista fala ainda sobre dois casos que tiveram ampla cobertura das emissoras de TV nos EUA nos últimos tempos. Trechos das imagens da execução do empreiteiro americano Nick Berg foram ao ar exaustivamente durante semanas. Pouco tempo depois, quando os terroristas deram aos EUA 72 horas para que suas exigências fossem cumpridas antes da execução do engenheiro aeronáutico Paul Johnson, as emissoras de TV a cabo chegaram a fazer uma contagem regressiva.

‘Os âncoras lamentam o terrorismo global, mas tornaram-se cúmplices dele’, lamenta Felling. Para ele, os exemplos acima levantam algumas questões a serem respondidas pelas redações de jornais e televisões. O terrorismo consegue existir sem a mídia? A cobertura de atos terroristas encoraja ou dá poder a quem os pratica? Se o terrorismo mostra-se mais preocupado com a audiência do que com suas vítimas, os jornalistas televisivos não deveriam parar de dar aos terroristas a atenção que eles tanto pedem? É possível fazer isso?

‘As emissoras devem criar novas normas sobre a cobertura de atos terroristas’, defende ele. As opções para proceder com cuidado seriam muitas, como manter um prazo pequeno para mostrar ataques terroristas na televisão ou mostrar apenas fotografias de execuções em vez de vídeos com movimentos e sons, sugere.

Não é de hoje

A preocupação de Felling com o assunto não se baseia apenas em casos recentes. Não é de hoje que os EUA lidam com atos terroristas planejados estrategicamente para atrair a atenção total da imprensa. Os exemplos vão desde o ‘Unabomber’ Ted Kaczynski e Timothy McVeigh, que admitiu ter escolhido bombardear um edifício do governo para conseguir maior exposição na mídia, até o atentado ao World Trade Center que, acredita-se, foi tramado para que o segundo avião que atingiu as torres pudesse ser filmado e transmitido pela TV. A imprensa sabe disso, mas, segundo Felling, ‘continua a participar do jogo’.