Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Reportagem debate participação de jornalistas na política

Reportagem do MSNBC.com identificou 144 jornalistas que fizeram doações de dinheiro para causas políticas de 2004 até o início da campanha presidencial de 2008, nos EUA. Os dados foram obtidos por intermédio dos registros públicos da Comissão Federal Eleitoral. A maioria das contribuições de profissionais de imprensa foi para a esquerda: 125 jornalistas deram dinheiro a políticos democratas e causas liberais. Apenas 17 profissionais contribuíram com a causa republicana. Dois fizeram doações aos dois partidos.

‘Não importa se você prefere se informar pela ABC ou CBS (ou, sim, pela NBC ou MSNBC), se você gosta mais do Fox News Channel ou da National Public Radio, do Wall Street Journal ou da New Yorker: alguns dos jornalistas que fornecem informação a você também fornecem dinheiro a políticos, partidos ou comitês de ação política’, afirma o repórter investigativo Bill Dedman, em artigo publicado em 21/6/07.

Na lista compilada pelo MSNBC.com, há doações do jornalista Guy Raz, que trabalhava para a CNN e deu dinheiro ao candidato democrata John Kerry no mesmo mês em que acompanhou embedded uma tropa americana no Iraque. Há também contribuições do correspondente de guerra da New Yorker George Packer, de um produtor do programa de Bill O’Reilly no Fox News, do apresentador da MSNBC Joe Scarborough, de jornalistas políticos da Vanity Fair, do editor da edição de fim de semana do Wall Street Journal e de âncoras de canais de TV regionais de Washington, Minneapolis, Memphis e Wichita.

Pessoas com opiniões

Jornalistas são pessoas, e, como qualquer pessoa, têm opiniões. Espera-se apenas que eles deixem estas opiniões fora do trabalho. Como em jornalismo é importante ser transparente com o público para conseguir credibilidade, a maior parte das grandes organizações de notícias americanas desencoraja seus profissionais a participar de campanhas por alguma causa, colar adesivos de políticos no carro ou dar dinheiro a candidatos.

A princípio, estas regras de não envolvimento em causas políticas eram aplicadas com rigor apenas a repórteres políticos e editores. A questão ética foi resumida pelo ex-editor do New York Times Abe Rosenthal, que teria dito: ‘Eu não ligo se você dorme com elefantes, desde que você não cubra o circo’.

Cuidados com a credibilidade

Hoje, porém, a situação mudou. Pesquisas mostram que o público tem perdido confiança na capacidade de isenção dos jornalistas, e por isso alguns dos maiores jornais e emissoras dos EUA estão fechando o cerco. Eles agora proíbem qualquer atividade política de seus repórteres e editores – excluindo votar, é claro. A regra vale para todos, até os que cobrem esportes e os responsáveis pelos obituários.

A queda de credibilidade da imprensa está diretamente relacionada ao crescimento da blogosfera. Tornou-se fácil para o público blogueiro vasculhar erros ou violações e espalhar denúncias contra jornalistas e organizações de mídia na rede. É grande a onda conservadora que acusa os grandes veículos de imprensa de parcialidade liberal. A partir daí, como define a política do Times, ‘dado o fácil acesso na internet a registros públicos de doadores de campanhas, qualquer doação política por um membro do Times poderia dar uma falsa impressão de que o jornal está tomando partido’.

Conflito de interesses

O Times proibiu qualquer tipo de doação em 2003. O Chicago Tribune fez o mesmo em 2005. Doações e qualquer outra atividade política também são proibidas no Washington Post, ABC, CBS, CNN e na NPR. O engajamento é desencorajado, mas não expressamente proibido, na Dow Jones, Newsweek e U.S. News & World Report. NBC, MSNBC e MSNBC.com dizem que não desencorajam ou encorajam contribuições a campanhas, mas determinam que seus funcionários relatem qualquer possível conflito de interesse a um editor sênior. As doações são permitidas na Fox, Forbes, Time, New Yorker, Bloomberg e Reuters.

Muitos dos jornalistas que doam dinheiro para causas políticas cobrem temas que passam longe da política: esportes, comida, moda. Alguns escrevem sobre assuntos distantes, mas que podem se chocar com o tema; um crítico de cinema pode vir a resenhar sobre o documentário do ex-vice-presidente Al Gore sobre o aquecimento global, por exemplo. O padrão das doações – nove em cada 10 jornalistas contribuem com campanhas democratas – parece dar razão para as críticas conservadoras. Ainda assim, os representantes do meio jornalístico na lista de doações são apenas uma pequenina fração dos cerca de 100 mil jornalistas em redações espalhadas pelos EUA.

Transparência, mas nem tanto

Os doadores, segundo a reportagem do MSNBC.com, dizem tentar ser precisos e justos ao reportar e editar as notícias. ‘Nosso jornalistas são cidadãos, e são livres para fazer o que quiserem’, diz o editor da New Yorker David Remnik, que tem 10 doadores políticos em sua equipe. ‘Se o que eles escrevem é honesto, e eles respondem à edição e a contra-argumentos com a mente aberta, é assim que nós trabalhamos’. Há a crença, entre aqueles que doam, de que é melhor que um jornalista seja transparente quanto a suas opiniões do que tentar produzir uma suposta imparcialidade.

Esta transparência toda não chega, entretanto, até o público. Aparentemente, nenhum dos jornalistas na lista anunciou a seus leitores, telespectadores ou ouvintes sobre suas doações. Poucos contaram aos chefes. Muitos disseram não ter arrependimento, apesar das preocupações éticas existentes.

Há ainda aqueles jornalistas que negam a doação. ‘Eu não faço contribuições a campanhas’, afirma Jean A. Briggs, da revista Forbes, que deu US$ 2 mil ao partido republicano e a candidatos republicanos – a doação mais recente data de março deste ano. Questionada sobre as doações para o Comitê Nacional Republicano, ela afirmou, ‘você chama isso de contribuição de campanha? Isso não é colocar dinheiro na campanha de ninguém’. Engana-se Jean: o Comitê doou US$ 25 milhões para a campanha de George Bush e Dick Cheney em 2004.