Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sobre o argumento do “nada a esconder”

Quando o governo reúne ou analisa informações pessoais, muitos mostram-se despreocupados e dizem não ter nada a esconder. O argumento “nada a esconder” permeia o debate sobre privacidade. O especialista em segurança de dados Bruce Schneiers acredita que se trata da réplica mais comum contra defensores da privacidade – não apenas nos EUA, mas também no Reino Unido.

O governo britânico, por exemplo, instalou milhões de câmeras de vigilância pública pelas cidades, que são monitoradas por meio de um circuito fechado de TV. Na campanha televisiva, o governo afirma: “Se você não tem nada a esconder, não tem nada a temer”. Um blogueiro nos EUA, em referência a propostas para segurança nacional, escreveu não se importar com o fato de as pessoas descobrirem informações sobre ele e, por não ter nada a esconder, apoia os esforços governamentais para encontrar terroristas, mesmo que tenha seus telefonemas monitorados.

O argumento tampouco é novo – foi mencionado por um dos personagens do romance de Henry James, de 1888, The Reverberator. Para analisar melhor o tema, o professor de direito da Universidade George Washington, Daniel J. Solove [The Chronicle of Higher Education, 15/5/11], perguntou a leitores de seu blog se há boas respostas ao argumento do “nada a esconder”. Foram diversos contra-argumentos, como “Não tenho nada a esconder, mas não tenho vontade de mostrar nada também”, “Se você não tem nada a esconder, você então não tem vida” ou ainda “Mostre-me e eu mostro também”. “Não há ser humano sensível no Ocidente que tenha pouca ou nenhuma consideração sobre sua privacidade; os que dizem isto não aguentariam cinco minutos de questionamento sobre sua vida íntima”, afirmou o especialista em privacidade canadense David Flaherty.

No entanto, tais respostas atacam o argumento do “nada a esconder” apenas na sua forma mais extrema. Em uma menos extrema, o argumento refere-se não a todas as informações pessoais, mas apenas ao tipo de dados que o governo tende a coletar. Portanto, alguns argumentam que o interesse pela privacidade é mínimo e o pela segurança e para evitar o terrorismo é muito mais importante.

Conceito de privacidade

Antes de analisar o argumento, é preciso entender a privacidade – conceito muito complexo e plural. A privacidade, por exemplo, pode ser invadida se for revelado seus segredos mais profundos ou ainda por uso impróprio de dados pessoais. Ou seja, privacidade envolve tantas situações que é impossível reduzi-las a uma simples ideia.

Para descrever os problemas criados pela coleta e uso de dados pessoais, muitos usam o Big Brother, de Goerge Orwell, que observa os cidadãos e exige disciplina deles, ou ainda o Processo, de Franz Kafka, sobre um homem que é preso e não é informado do motivo. Soluções legais focam muito nos problemas sob a metáfora de Orwell, a da vigilância, e não a de Kafka, que lida sobre os problemas no processamento das informações. Um problema da coleta de dados é a exclusão a eles – o cidadão não sabe o que está sendo reunido sobre ele. Além disso, pode haver um uso secundário dos mesmos, para outros propósitos além da segurança.