Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Suzana Singer

‘De toda a cobertura sobre a catástrofe japonesa, o que mais mobilizou os leitores foi a charge publicada no sábado, dia 12. Dezenas de mensagens chegaram ao jornal, quase todas criticando o ‘mau gosto’ da imagem -o que não significa que a maior parte do leitorado se tenha incomodado, porque, geralmente, quem escreve o faz para reclamar.

A Folha tentou fazer do limão uma limonada, levando a polêmica à Ilustrada de quinta-feira passada (‘Contra a Maré’). De dez entrevistados, oito defenderam João Montanaro, 14, o jovem autor da charge.

Ziraldo, Maurício de Souza, Adão, Laerte, Allan Siber, Jal… a lista de artistas que, no jornal ou na internet, elogiaram o desenho é enorme. Do outro lado, parece só haver leigos, ‘desinformados e politicamente corretos’.

Primeiro, seria bom desfazer essa unanimidade corporativa. A ilustradora Rosana Urbes, que morou um ano no Japão, ficou com ‘o estômago torcido’ diante da charge.’Ela parecia dizer: ‘Olha que sacada a minha! Peguei um ícone da gravura japonesa e coloquei casinhas flutuando e uma usina’’, afirma Rosana, 42, que trabalhou por seis anos nos Estúdios Disney.

A ‘sacada’ da citação da xilogravura ‘A Grande Onda de Kanagawa’, de Hokusai (1830/33), um clássico japonês, está no centro da discussão. O principal argumento dos pró-charge é dizer que ‘falta repertório’ aos críticos, mas desqualificar os oponentes não faz sentido.

Uma ilustração -como um texto- não pode ser entendida só por aqueles que conhecem determinadas referências. Estamos falando de um desenho publicado em 300 mil exemplares, não de uma pintura exposta no MoMa para iniciados.

Outro ponto dos defensores da ‘onda’ é que uma charge não precisa ser engraçada. De fato. A Folha publicou, no mesmo espaço, um desenho lúgubre do Angeli sobre o terremoto, em que a morte jogava golfe.

Só que o desenho de Montanaro, mesmo sem ter sido a intenção do autor, foi visto como uma piada, o que põe em questão se deve haver limites para o humor.

Na contramão de seus colegas, Spacca, 46, que fez parte do rodízio de ilustradores da página A2 entre 1986 e 1995, diz: ‘Os cartunistas constroem uma imagem de irreverentes, de livres criadores, que podem fazer qualquer coisa…. Mas todo comunicador tem de antecipar a reação do público e medir o que vai causar. Nem tudo é permitido’.

Spacca achou a charge ‘pertinente’, defende Montanaro, mas não publicaria um desenho como o dele hoje. ‘Estou mais maduro. Cabe ao artista se refrear.’

O fato de o chargista ser quase uma criança põe lenha nessa fogueira. ‘Com um desenho mais sofisticado, todo o mundo acharia lindo, mas ele está aprendendo, ainda está cru’, diz o veterano Orlando, 52, colaborador da Folha desde 1985, que achou um exagero expor o jovem artista na capa da Ilustrada.

A polêmica pôs na berlinda também o papel do editor. Os desenhos da importante página A2 passam pela chefia da Redação, mas é difícil decidir o que censurar, já que ao humor não se aplicam as regras do bom jornalismo. Se o critério fosse evitar problemas, 95% dos textos de José Simão, o colunista mais lido do jornal, seriam proibidos.

A lógica da Folha é a de correr riscos, mas também a de não fustigar os leitores mais sensíveis, quando isso não for realmente necessário. É uma equação complicada. O seriíssimo ‘Le Monde’ publicou charge quase igual à da Folha três dias depois. E, em 2004, quando um tsunami matou mais de 200 mil na Ásia, Glauco trouxe a onda à realidade brasileira numa charge que provocaria arrepios em muitos. Na época, não houve grita.’