Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Suzana Singer

‘Um esportista famoso envolve-se na morte da amante com quem teria um filho. O corpo dela pode ter sido jogado para rottweillers comerem. Durante a investigação, o jogador de futebol treina normalmente.

Aparecem sangue no carro e o possível executor do crime, um ex-policial. Resta o bebê de cinco meses, disputado pelo avô condenado por estupro de criança e pela avó que abandonou a filha.

O enredo, de fazer corar Stephen King, não sensibilizou suficientemente a Folha. O jornal entrou sem ânimo no caso -relatado primeiro pelo ‘O Dia’, em 26 de junho-, não deu furos (informações exclusivas), publicou textos de pouca qualidade e não investiu em diferenciais.

Nem o personagem principal, um goleiro criado na pobreza e hoje capitão do time de maior torcida do país, mereceu um perfil bem feito.

O que mais precisava acontecer para o jornal abraçar a história? O jogador ser preso? Nem assim a Folha se comoveu. A cobertura só começou a crescer na sexta-feira -e sem brilhantismo.

Casos policiais são há muito tempo uma pedra no sapato dos jornais considerados de prestígio. Mesmo depois da rua Cuba, Daniela Perez, Suzane von Richthofen e Isabella Nardoni, persiste um medo atávico de se confundir com os jornais populares, do tipo ‘espreme sai sangue’.

É muito raro, por exemplo, manchetar um crime. Recorre-se a um quadro no alto da capa, uma forma de destacar o assunto sem conferir-lhe a honra de ser a manchete. Dos grandes casos nos últimos 20 anos, só Isabella Nardoni foi o título principal da Folha, em abril de 2008.

O argumento contra manchetar crimes é que eles têm alcance limitado, são histórias trágicas, mas sem repercussão social. Só um exemplo contra essa tese: a morte de Daniela Perez gerou debate sobre penas que levou a mudança de legislação.

Outro medo constante -este justificável- é o de se confundir com as coberturas intensivas e condenatórias feitas por muitas televisões.

O goleiro, que no início era tratado com o benefício da dúvida, virou ao longo da semana o estereótipo do facínora, capaz de presenciar o extermínio da amante, cogitar matar o próprio (suposto) filho e depois beber com amigos.

A Folha não caiu nessa fórmula, mas pecou pela falta de investimento, contentou-se em publicar o que todo mundo já tinha visto no dia anterior na TV ou na internet.

A cobertura policial é um dos calcanhares de Aquiles do jornal. Faltam bons jornalistas na área -só ontem, 14 dias depois que o escândalo surgiu, uma repórter especial entrou na história.

Não se gasta tempo transformando relatos de delegados em tramas que deem vontade de ler. Não se usa a criatividade para descobrir o que dá para tirar de um caso como o de Bruno e Eliza, para além dos detalhes sórdidos.

Falta inventar uma maneira Folha de cobrir crimes. Afinal, o jornal que ‘não dá para não ler’ tem que tratar bem história que ‘não dá para não ler’.

***

Fazer gracinha em jornalismo (11/7/10)

Desde a eliminação do Brasil, Felipe Melo tem sido o alvo preferencial do Copa 2010. Por sete dias consecutivos, o jogador apareceu chutando cabeça de burro (‘A origem da mula sem cabeça’), como Hannibal Lecter, criador do corcunda de Notre-Dame etc.

Tudo no limite até que, domingo passado, publicaram um Twitter de uma atriz pornô: ‘Vontade de sodomizar o Felipe Melo. Pisar nas Jabulanis dele até ficar impossibilitado de perpetuar a espécie’.

Absurdo maior que a mensagem é o jornal reproduzi-la. Seria (talvez) engraçado se estivesse na coluna do José Simão. No noticiário -mesmo em páginas mais ‘livres’ -, soa trágico. É o perigo de misturar jornalismo e humor.

Houve grita contra a charge ‘candidata de programa’ no blog de Josias de Souza na Folha.com. O desenho mostra Dilma rodando bolsinha e dizendo: ‘O programa quem faz são os fregueses. PMDB: barba, cabelo e bigode. PDT: papai e mamãe e por aí vai’ (bit.ly/ cicnkL). Josias defende a charge porque ‘evoca a ideia de prostituição ideológica’ no contexto da polêmica envolvendo o programa do PT. Ele não acha que o humor ‘deva se render ao politicamente correto’. Na minha opinião, o desenho extrapolou os limites do bom gosto.’