Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Suzana Singer

‘O que era Dinheiro virou Mercado. Há dez anos, chamava-se Economia. A cobertura do caderno econômico da Folha parece estar fechando o foco, o que tem incomodado muitos leitores.

O professor da Unicamp Francisco Luiz Lopreato, 58, diz que não consegue mais extrair uma imagem geral de como anda a situação no país. ‘Sai matéria sobre balanço de pagamento, mas é uma nota, quase pedindo desculpa’, exemplifica.

Na quarta-feira passada, ele usou em aula artigos, reunidos na ‘Revista de Economia Política’, sobre o Plano Cruzado de 1986. ‘Eram pesos-pesados: Simonsen, Pastore, Eliana Cardoso, Chico de Oliveira. Todos os textos, originalmente, saíram na Folha. Saudades’, disse.

Mais novo que Lopreato e trabalhando no mercado financeiro, o economista Flávio Samara Mendes, 25, também está descontente. ‘Vejo poucas notícias relevantes sobre a conjuntura econômica doméstica e internacional. A cobertura de indicadores se restringe a uma análise e não a diferentes opiniões. O debate parece não existir’, afirma.

O incômodo dos leitores faz sentido. Desde a reforma editorial, em maio, Mercado aumentou o espaço destinado a negócios e encolheu o noticiário de macroeconomia.

A seção ‘Mercado Aberto’ cresceu e, nas outras páginas, proliferaram reportagens do tipo ‘Magazine Luiza promete expansão até 2015’, ‘Salton completa cem anos com foco em vinhos finos’ e ‘Para se expandir, Rossi mira o Nordeste’.

Se antes havia uma certa prevenção contra esse tipo de reportagem, simpática a empresas e bancos, não há mais. Mercado fez as pazes com a iniciativa privada.

O problema é que, para fazer uma boa cobertura de negócios, é preciso musculatura: mais repórteres, de preferência especializados. Não dá para um mesmo jornalista cobrir setor elétrico, telefonia e varejo. Ele não dá conta nem ganha ‘fontes’ .

Além de ter de investir em uma área na qual a Folha não tem tradição, o caderno tem menos tempo. Por limitações industriais, Mercado agora é obrigado a finalizar suas edições às 19h, duas horas antes que o resto do jornal.

Tem sido frequente notícias de economia serem relegadas a nota em pé de página no primeiro caderno, sob a vinheta ‘em cima da hora’. Aconteceu nesta semana, quando uma notícia importante -que a capitalização da Petrobras deve ter barril de petróleo a US$ 8- foi editada em apenas cinco parágrafos em Poder. Um dia antes, o assunto tinha sido manchete do jornal.

Sem investimento em equipe, com horário mais apertado e um espaço editorial bem menor do que o do concorrente direto, ‘O Estado de S. Paulo’, a aposta da Folha de diminuir a ênfase em macroeconomia e passar a investir em empresa é ainda mais arriscada.

O perigo é abrir mão de um noticiário no qual o jornal ia bem e substituí-lo por uma cobertura errática e ‘chapa-branca’. No jornalismo de negócios, como nas outras áreas, vale a máxima de que notícia mesmo é aquilo que alguém não gostaria de ver publicado.

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Hannibal cannibal está entre nós

Tudo indica que a Folha.com caiu em um grande ‘pega-trouxa’ na quinta-feira. Com base em um despacho da agência Efe, o site noticiou que ‘restaurante brasileiro causa polêmica em Berlim ao oferecer carne humana’. O tal restaurante teria sua sede em Rondônia e planejaria abrir uma filial na Alemanha. Haveria até um formulário para quem quisesse doar um pedaço de seu corpo.

Na primeira versão da notícia, a Folha.com. citou inclusive um protesto que teria ‘reunido mil pessoas’ no Brasil contra o canibalismo. Depois, o site acrescentou uma frase dizendo que havia ‘suspeitas’ de que se tratava apenas de um golpe de publicidade. Quem leu o impresso também ficou sabendo do restaurante, que pelo menos ganhou um ‘suposto’ no título. Ocupou o alto da página 20 do primeiro caderno, com direito a lembrança de casos -reais- de canibalismo. Incrível.’