Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Veja

CLODOVIL
Veja

Clodovil na lente da verdade

‘O estilista e apresentador de televisão Clodovil Hernandes, quarto deputado mais votado do país nas últimas eleições, morreu na terça-feira da semana passada, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC), aos 71 anos. Ele foi internado no Hospital Santa Lúcia, em Brasília, depois que assessores o encontraram inconsciente no chão do apartamento funcional em que morava. Seus últimos quatro anos foram difíceis: Clodovil sofreu de câncer na próstata, teve uma embolia pulmonar e um primeiro AVC, do qual escapou por pouco. Mesmo alquebrado pelos problemas de saúde, desde que chegou à Câmara, em 2007, embalado por quase meio milhão de votos, o deputado fez o que se esperava dele: envolveu-se em muita polêmica. Chamou uma colega de ‘feia’ e disse que ‘as mulheres hoje são ordinárias, trabalham deitadas e descansam em pé’. Em julho do ano passado, Clodovil conversou com o repórter Diego Escosteguy, de VEJA, em seu extravagante gabinete na Câmara. A entrevista que se segue, extraída dessa conversa, é um bom retrato de quem era Clodovil – e do que ele pensava. Foi como se o deputado estivesse no quadro A Lente da Verdade, de um de seus programas de televisão.

O senhor gosta de Brasília?

É uma cidade que sempre buscou o glamour, mas nunca encontrou. Brasília foi maltratada desde o início, nasceu apanhando. Quem construiu Brasília foi Juscelino (Kubitschek, ex-presidente), mas quem deu os acabamentos foram os primos do demônio: uma gente que fez uns acabamentos de quinta. Em compensação, os empreiteiros, que manipularam as obras, estão riquíssimos.

O senhor fez amizades na Câmara?

Não. A maioria só aparece quando precisa de alguma coisa. O Arlindo Chinaglia me ligou uma vez. Falou horas a respeito das qualidades dele, todo pomposo, mas não prestei atenção. Ainda mais porque sei que ele é da turma da Marta Suplicy. Essa eu conheço desde menina. Ela é uma pendurada na influência do ex-marido. Uma pessoa que não muda o sobrenome para explorar a influência do ex-marido é o fim do mundo.

O senhor acha a Câmara malcuidada?

Está tudo caindo aos pedaços, velho, cheio de ácaros. Por isso não costumo sair do gabinete. Só saio quando tenho de ir ao plenário votar. Várias pessoas vêm conhecer o meu gabinete. É o mais visitado da Câmara. Você pode até não gostar de branco, mas não pode dizer que o gabinete seja de mau gosto.

É possível resgatar a ética da Câmara?

E o brasileiro tem ética, por acaso? A Câmara é o reflexo do Brasil. O problema é que o brasileiro se vende barato. É só o político dar uma cesta básica que ganha o voto. Isso acontece no país inteiro, é uma tradição que vem dos índios. Eles se vendiam por colares e espelhinhos. Esse processo continua igual na escolha das pessoas que vão comandar o país. Elas vêm para Brasília e saem gordas de tanto mamar na vaca profana.

Quem é a vaca profana?

É o país, claro. A verdade é que a maioria dos brasileiros não gosta de trabalhar. Quer um emprego para ficar encostado, e só. Gente desse tipo é que é conivente com as poucas-vergonhas, com os Duda Mendonça. Nosso país se fez dessa maneira: de degredados, de índios de má qualidade… Ou as pessoas acordam ou o país vai para o caos.

Por que o senhor entrou na política?

Eu não vim para Brasília porque quis. Foi o universo que me mandou, por uma razão que ainda não sei. Meses antes da campanha, quando descobri que estava com câncer, tive um insight. Sonhei com o prefeito de Ubatuba, um sujeito de péssima qualidade. Ele estava com as mãos nos quadris e me disse: ‘Você quer poder, então vire deputado federal’. Não sei por que sonhei com ele. São histórias mirabolantes da minha vida. No dia seguinte ao insight, fui fazer um exame e descobri que meu câncer, que era do tamanho de uma moeda, estava do tamanho de um grão de arroz. Ninguém pôde explicar como diminuiu. Operei depois de uma semana. E eis que apareceu um senhor no hospital e me convidou para ser deputado. Era o Ciro Moura, presidente do PTC. Aceitei na hora.

Um sinal do universo?

Evidentemente. Por que aquele senhor apareceu justamente naquela hora? Nós recebemos recados todos os dias. Mas esse cidadão tinha intenções que eu não sabia. Ele queria usar meu nome para dar prestígio ao partidinho dele. Queria me explorar, usar meu nome para eleger outros deputados. Ainda bem que só um entrou pendurado em mim, como suplente. O universo é sábio. A verdade é que os partidos nanicos são desonestos, vivem de sugar dinheiro público. Mudei de partido e eles me processaram. Mas o fato é que os votos foram para mim – não para o partido.

O senhor teve 494 000 votos. O que explica essa votação expressiva?

Dizem que a população votou em mim como uma forma de contestação. Na verdade, não foi. Meu voto veio da mãe de família, que induziu o filho e o esposo a votar em mim. Tenho uma história que ilustra bem isso. Quando eu era candidato, dois assaltantes invadiram minha casa. Eu estava pintando de cueca, e de cueca continuei. Eles pediram dinheiro, mas, quando descobriram quem eu era e ouviram um pito, saíram rastejando da minha casa, pedindo desculpas. No dia seguinte, a mãe de um deles me ligou para me agradecer por ter dado aquela lição. E me contou que os dezesseis votos da família dela seriam para mim. Isso não é voto de protesto. É voto de quem acredita nos meus valores.

O senhor venceu um câncer de próstata e sobreviveu sem sequelas a um derrame…

Sofri muito com o câncer, mas foi algo que eu mesmo causei. Acho que aquilo aconteceu como uma forma de eu tentar me redimir da minha homossexualidade. Quando o médico me ligou para me informar que eu estava com câncer, fiquei aliviado. Dei graças a Deus.

Por quê?

Imagine se fosse aids. Eu poderia ter infectado muita gente. Mas paguei um preço alto pelo câncer. Fiquei impotente. O que eu posso fazer? Nada. Nem tudo pode ser uma maravilha. Às vezes consigo ter um orgasmo seco. Mas tem de haver uma ligação espiritual com o parceiro.

Por que o senhor não apresentou nenhum projeto defendendo o direito dos homossexuais?

Deus me livre. Quais direitos? Direito de promover passeata gay? Não tenho orgulho de transar com homem. O primeiro homem que vi transando com outro foi meu pai – era o meu tio, irmão da minha mãe. Eu tinha 13 anos. Foi num domingo, depois da missa. Sentei no chão e pensei: meu Deus, minha mãe não é amada por ninguém. Meu pai nunca soube que eu vi. Quando ele me perguntou, dois anos depois, se eu era gay, não respondi. Nunca mais se falou sobre isso lá em casa. Mas eu poderia ter dito o diabo para ele.’

 

TECNOLOGIA
Cíntia Borsato

O novo salto do iPhone

‘A Apple anunciou, na semana passada, o lançamento de uma nova versão do sistema operacional do iPhone, hoje o carro-chefe da empresa e um fenômeno mundial de vendas. O novo software, batizado de OS 3.0, poderá ser baixado da internet a partir do segundo semestre por quem possui o celular. Ele traz avanços significativos em relação à versão atual e resolve algumas de suas fragilidades. Um novo recurso, por exemplo, avisa quando qualquer mensagem é enviada ao aparelho. Antes, era preciso abrir os programas para checar. Parece um detalhe, mas significará uma economia de até 60% na bateria. Outra melhoria está na possibilidade de usar o aparelho na posição horizontal para quase todas as funções que ele oferece, o que até agora ficava restrito a poucos aplicativos. Algumas das funções acrescentadas pela Apple a esta versão do sistema operacional – fato raro – já estavam disponíveis em outros smartphones. É o caso de um recurso que permite copiar e colar um texto em diferentes arquivos e de outro que possibilita o envio de mensagens com áudio, vídeo e foto. No conjunto, as mudanças tornaram ainda mais fácil e intuitivo o uso do iPhone – uma de suas características essenciais.

O simples anúncio da Apple já fez a concorrência se mexer. ‘Mesmo que certos pontos fracos persistam, como o fato de não se poder usar o chip do iPhone em outros aparelhos ou ampliar sua memória, as empresas sempre se apavoram quando a Apple surge com uma novidade’, resume o consultor americano Tim Bajarin, especializado em tecnologia. Vem sendo assim desde 2007, quando o iPhone apareceu trazendo ao mundo dos smartphones um novo conceito de touch screen, em que os comandos são dados com um toque na tela. O desafio das empresas, a partir daí, passou a ser conseguir incorporar tal tecnologia, mas com preços mais baixos. A Nokia, líder do mercado, que começou a perder terreno para a Apple, lançou em outubro seu primeiro modelo touch screen, que custará no Brasil 12% menos que o iPhone. A BlackBerry, segunda no ranking, conseguiu aumentar em 70% sua participação no mercado. O aparelho sempre foi voltado aos executivos e centrado em tarefas como a troca de e-mails – mas agora traz também câmera fotográfica com foco automático e funções como gravação de vídeos e GPS. Neste ano, a venda de smartphones deve crescer 35%, enquanto a previsão é que a dos celulares comuns caia 10%. Um bom motivo para as empresas apostarem as fichas nessa guerra.’

 

TELEVISÃO
Marcelo Marthe

Quadros da miséria humana

‘Na semana passada, o reality show Troca de Família, da Record, contrapôs os costumes de um lar argentino aos de uma família negra brasileira. ‘Como quase não há negros na Argentina, nós esperávamos reações racistas’, diz o diretor Johnny Martins. Mas a mãe brasileira, transplantada para a outra casa, se deu bem com seus parentes postiços – e o produto final foi um programa morno. A situação ilustra o dilema dos produtores do Troca de Família. A atração (originada de um formato da rede americana Fox) explora os conflitos, digamos, antropológicos resultantes do intercâmbio entre clãs com valores diferentes. Após duas temporadas, contudo, a fórmula se tornou manjada. Os participantes, escaldados, tendem a posar de vestais da correção política. A estratégia da Record para driblar o problema foi radicalizar. A mulher de um delegado entrou em pânico ao ser despachada para uma colônia hippie (os cabeludos tentaram até extorqui-la). Uma palmeirense fanática assumiu o lugar da esposa do presidente da maior torcida organizada do arquirrival Corinthians. Num programa que vai ao ar em breve, apela-se para o bizarro: uma senhora católica passa uns tempos com um praticante de sadomasoquismo e seus filhos, que vivem numa boate paulistana em meio a jaulas, correntes e escravos sexuais.

O Troca de Família chega a extremos perigosos. No episódio que enfocou o intercâmbio entre torcedores de times rivais, a presença da mãe palmeirense na quadra da torcida rival causou tanto tumulto que ela teve de ser retirada às pressas. Na semana passada, os bispos da Record ainda decidiam se abortarão a transmissão de uma história que, no começo deste ano, terminou em tragédia. Nesse episódio, a participante Deborah expôs sua inusitada situação conjugal: seu marido, o roqueiro Oswaldo Vecchione, do jurássico grupo Made in Brazil, se dividia entre ela e uma amante. Deborah tinha histórico de depressão e se suicidou semanas depois da gravação. É impossível saber até que ponto o programa a afetou, se é que a afetou – mas expor uma pessoa com essa delicada condição psicológica revela, no mínimo, falta de critérios.

Desde o seu surgimento, há cerca de quinze anos, a fórmula do reality show se mostrou elástica. Há programas que abraçam o assistencialismo, como o Extreme Makeover – Home Edition, em que uma família necessitada ganha uma reforma em sua casa. O American Idol (do qual derivou o brasileiro Ídolos) rejuvenesceu os programas de calouros, e o American Inventor, dos mesmos produtores, tem até certo caráter edificante, enaltecendo o empreendedorismo. Há, ainda, as mil variações de gincanas sobre moda e decoração. Mas a nota dominante do gênero é a do voyeurismo sádico: os programas mais populares são aqueles que submetem as pessoas a toda sorte de provações. Voluntariamente, é claro: aparentemente, a fama passageira conquistada nesses programas compensa toda a degradação

Os suplícios físicos sempre fizeram parte do Survivor, sucesso desde o início da década na televisão americana. Na gincana, refeições à base de vermes e insetos são corriqueiras. E também o risco de ferimentos: em sua edição mais recente, que se passa nos cerrados do Tocantins, um participante perdeu um dos dentes numa prova de mergulho. Nos chamados programas de transformação, apela-se a outra forma de terapia de choque: a humilhação. No 10 Anos Mais Jovem, que estreou há duas semanas no SBT, mulheres ganham plásticas e novos cortes de cabelo, mas antes têm de passar pela execração pública numa gaiola de vidro. Há também a tortura psicológica. O Big Brother Brasil 9 já se valeu de uma técnica militar de interrogatório – a privação sensorial, por meio do ‘quarto branco’. As trombadas culturais do Troca de Família completam esse quadro da miséria humana.’

 

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Rabo de saia

‘Um forró de quinta categoria abala a supremacia da bhangra, a dança indiana, na trilha de Caminho das Índias. A faixa Você Não Vale Nada, de um grupo que atende pelo gracioso nome de Calcinha Preta, é martelada sempre que Norminha, a dona-de-casa interpretada por Dira Paes, entra em cena. A popularidade da música – muito mencionada pelos espectadores que ligam para a central de atendimento da Globo – reforça o sucesso da personagem (e vice-versa). Norminha faz excursões sexuais de madrugada, depois de providenciar um ‘leitinho com canela’ para o maridão guarda de trânsito cair no sono. E, com seu rebolado provocativo, movimenta a inacreditável pastelaria hindu que Glória Perez encravou no bairro carioca da Lapa – uma variação do bar da dona Jura, de O Clone (2001). É mais uma personagem caricatural no currículo da atriz que fez Solineuza, a doméstica abilolada do humorístico A Diarista. O humor popularesco e o clima de gafieira são, afinal, especialidades de Glória Perez. Como se tornou praxe em seus folhetins, mais uma vez uma trama cômica paralela quebra o marasmo – já que Juliana Paes e Márcio Garcia ainda não empolgaram como par romântico (no diagnóstico de executivos da Globo, o fato de os dois terem virado grandes amigos prejudica a concentração em cena). Perto do furacão Norminha, o kama sutra dos pombinhos é um sonífero.’

 

Diogo Mainardi

A costela do bispo

‘Deus e o Diabo em 2010. Deus: Edir Macedo. Diabo: Zeca Diabo. Edir Macedo é dono da Rede Record. Zeca Diabo é dono de Dilma Rousseff, segundo um relatório armazenado no computador do delegado Protógenes Queiroz. Quem é Zeca Diabo? Isso mesmo: José Dirceu.

O dono da Rede Record, Edir Macedo, e o dono de Dilma Rousseff, José Dirceu, aliaram-se abertamente na última semana. O colunista Daniel Castro, da Folha de S.Paulo, informou que uma das costelas da Rede Record, a Record News – ou CNN do dízimo –, é um completo fracasso. Na TV aberta, dá zero de audiência. Na TV a pagamento, dá zero de audiência. Pior ainda: a Record News tinha uma meta de faturamento de 100 milhões de reais. No ano passado, pelas contas de Daniel Castro, o resultado foi um décimo disso. A Igreja Universal do Reino de Deus é conhecida por seu desprendimento material. Por seu desinteresse por dinheiro. Mesmo assim, é duro imaginar que algum pastor tenha festejado o rombo.

O Jornal da Record reagiu furiosamente ao artigo de Daniel Castro. Depois de atacar a Folha de S.Paulo por mais de sete minutos, acusando-a de ter perdido ‘qualidade editorial’ e de passar por uma séria ‘crise de credibilidade’, a emissora prometeu usar seus telejornais para constranger todos aqueles que a importunassem. Um dos gerentes da Rede Record, Celso Teixeira, mandou uma circular aos jornalistas, reiterando a mensagem intimidadora: ‘A partir de agora, a empresa vai se posicionar publicamente e judicialmente contra os ataques que recebeu nos últimos tempos’. Isso quer dizer o seguinte: se alguém publicar um comentário que desagrade à Record, terá de enfrentar um bombardeio na TV e uma dezena de processos no Acre.

O dono de Dilma Rousseff, José Dirceu, imediatamente apoiou o dono da Record, Edir Macedo, denunciando a tendenciosidade da Folha de S.Paulo. Em 2010, ocorrerá o oposto: a Record, que pertence a Edir Macedo, apoiará Dilma Rousseff, que pertence a José Dirceu. Quando a Record News foi inaugurada, em 2007, Lula declamou ridiculamente: ‘Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós’. O plano do PT era estimular o surgimento de uma imprensa plenamente domesticada, que ocupasse o lugar de quem ainda insistia em fazer jornalismo, noticiando os abusos do lulismo. Em particular: VEJA, Globo, Folha de S.Paulo. O plano deu errado. VEJA, Globo e Folha de S.Paulo continuam aí. A Record News, por outro lado, com zero de audiência na TV aberta, com zero de audiência na TV a pagamento, está tomada por comerciais da Polishop. Em 2010, em vez de Dilma Rousseff, o eleitor acabará comprando uma grelha. Um modelador de cabelo. Um fatiador de pepino.’

 

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