Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O que as imagens televisuais não mostram?

Só podemos ver a realidade por meio do olhar. Mas o que é o olhar? Acredito que a definição de olhar está para além do olhar físico. Ela pode ser entendida como o nosso meio de interpretar a vida. Este sempre é mediado por nossa experiência de mundo, que também tem a ver com o nosso repertório cultural. Nesta perspectiva, delimitaremos a nossa discussão para o âmbito midiático.

Somos interpelados por diversos gêneros televisuais, cada um deles possui uma forma de produção imagética, embora haja convergência produtiva entre eles, que direcionam o nosso olhar às perspectivas que constituem o mundo. No documentário Janela da Alma, de João Jardim e Walter Carvalho (2001), por exemplo, o fotógrafo e filósofo Eugen Bavcar reflete que “a televisão nos propõe imagens, imagens prontas, e não sabemos mais vê-las, não vemos mais nada, porque perdemos o olhar interior, perdemos o distanciamento”. Na sequência, Bavcar exemplifica que, quando liga a TV, mesmo sendo cego e devido a tantos clichês, consegue perceber o que está acontecendo na programação. Para ter mais certeza disso, o fotógrafo liga para um amigo que acaba confirmando as suas percepções sobre o que está em enunciação.

Ante o exposto, podemos ponderar que não só a mediação imagética quanto a própria interpretação dada às imagens – seja por meio de textos ou da narração do enunciador – possa reproduzir as intencionalidades pretendidas por quem emite a mensagem. Afinal de contas, estamos cercados de olhares audiovisuais que tentam emitir visões homogêneas sobre a realidade, tanto na perspectiva jornalística quanto na cultural. Mas o que de fato estão mostrando e com que perspectiva? Além disso, quais posturas desenvolver enquanto leitores de imagens frente aquilo que nos desperta algum? Às vezes, o que nos chama atenção numa perspectiva imagética pode ser algo que nunca havíamos pensado ao encarar uma reflexão ou a ausência de outros eixos, que nos possibilite compreender como um fato pode ter múltiplos olhares, e não um ou outro; talvez resida aí a nossa motivação para buscar a apreensão das questões que cercam a nossa existência.

Como exercitar outras visões?

Outro enfrentamento possível é procurar manter um distanciamento necessário, diante do que é emitido. Segundo a professora e pesquisadora Eliana Pibernat Antonini, “não existe interpretação mais poderosa do que pela ausência”. Então, é necessário que, enquanto receptor e leitor de imagens, possamos criar outros eixos de análise que nos permitam questionar o que está dado. Podemos, a partir das lacunas deixadas nas produções televisuais, aliadas ao nosso repertório cultural, treinar outros rumos para o nosso olhar frente ao que está sendo apresentado. Como fazer isto? Inicialmente, pode haver um desconforto no âmbito da percepção pela inclinação de mudar o foco, pela tentativa de desmontar o que está constituído. Podemos, por exemplo, nos perguntar quais são as camadas que estão embaixo da superfície das imagens midiáticas? Ao observar cada camada, dentro daquilo que temos competência para entender, poderíamos interpretar, dentre tantas coisas, para onde querem direcionar o meu olhar.

Neste sentido, sabemos que só ocorrem mudanças quando o mundo externo nos provoca incômodo. Podem nascer, daí, outras formas de criar conhecimentos para enfrentar o óbvio. Quando o exercício é encarado, não conseguimos ver tanta “verdade”, “objetividade”, “imparcialidade”, dentre tantas outras adjetivações que a mídia busca projetar para si mesma, sobretudo no jornalismo.

O que se ganha ao fazer este exercício? Acredito que se ganhe criticidade e outros olhares que permitam observar para além da superfície, olhando as imagens midiáticas como uma realidade construída de intencionalidades, que possam até parecer a própria realidade, quando apresentadas ao mundo como fonte de veracidade sobre o que está acontecendo. Mas elas não são, tendo em vista que são produzidas dentro de um contexto e ao saírem dele não são mais frutos daquilo, visto que a realidade é dinâmica e está sempre em processualidade.

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[Rafaela Chagas Barbosa é mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos]