Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

No mato, só com o cachorro

Escrevo este necessário desabafo no dia 13 de março, às 17 horas, o que significa que estamos há quase uma semana sem telefone aqui no Sítio Maravalha, para onde eu e minha mulher, a também jornalista Marcia Lobo, nos mudamos em agosto de 2001. Viemos porque não suportávamos mais o ritmo de São Paulo e precisávamos de paz e uma bela paisagem capaz de nos fornecer a inspiração já em estado falimentar. ‘Que inveja!’, festejaram e invejaram os muitos amigos.

O Maravalha foi montado ao longo de um quarto de século e aqui passávamos os finais de semana, a partir de 1976. Penamos para instalar uma linha telefônica, o que só conseguimos mais de dez anos depois. Linha rural de fiação exposta, nem sempre funcionava, pois bastava vento forte ou trovoada para emudecê-la, quando não caía alguma árvore sobre a fiação. Mas o desconforto não incomodava quem, na verdade, vinha para cá isolar-se do mundo.

Há cinco anos, trouxemos os computadores, compramos um gerador de luz elétrica e o sítio ficou pronto para servir de morada permanente para dois profissionais que abandonaram a cidade grande mas precisavam trabalhar, amparados pela tecnologia dos tempos modernos. Iríamos aproveitar a paisagem impossível em São Paulo, com os passarinhos, as flores e montanhas verdejantes de que nos falam os românticos.

Balaio de textos

A vida real nos ensinou, todavia, que não era possível trabalhar sem um nobreak para cada computador, porque a fornecedora de energia elétrica, chamada Elektro, uma das beneficiadas pela privatização, tem por hábito passar os dias, todos os dias, num impressionante liga-desliga sem motivo aparente. Tem-se a impressão de que os funcionários levam os filhos menores para a empresa e lhes franqueiam a sala de controle.

Então, verificamos logo em seguida que a Elektro não ficava só no liga-desliga; muitas vezes, o desliga permanecia por horas e horas. Mas temos um gerador!!! Ocorre que o tal, importado e caríssimo, não sustenta as exigências dos computadores, por causa, informaram-me, de ‘um problema de ciclagem’. Era ótimo para manter ligadas a TV e as luzes da casa, mas não podíamos trabalhar com a ajuda dele.

A conexão com a internet, via telefone, quase sempre não se completava; a ligação caía a todo momento e, quando chegou a primeira conta, ficou claro que não tínhamos dinheiro para fazer pesquisas pelos sites afora. A despesa com a inútil linha rural, que antes dos computadores, numa escala de 1 a 10, era de apenas 2, talvez 3, subiu para 11! Por coincidência, aliviou nossa decepção o anúncio da TV que oferecia uma antena capaz de captar a internet via satélite. Bem cara, diga-se, mas assim mesmo infinitamente mais barata do que a conexão por telefone. O único problema é que a antena acompanha a energia elétrica naquele vaivém assustador para quem precisa despachar daqui a pouco um verdadeiro balaio de textos sempre urgentes.

Vasco, o cão

Durante os momentos de falta total de energia elétrica, escrevíamos à mão, para depois passar tudo pro computador, quando o sistema fosse restabelecido. Afinal, tínhamos o gerador! Infelizmente, não por muito tempo. Um dia, simplesmente parou de gerar. Fui obrigado a enviá-lo a um especialista de São José dos Campos, que detectou o problema: parafusos afrouxaram-se com a vibração do motor, caíram dentro do gerador, sabe Deus como, e causaram um estrago daqueles.

Custou uma nota consertar o aparelho, o qual, reinstalado, apresentou nova e completa série de defeitos, e de tal ordem, que parou de vez e só nos concederá a luz se pagarmos quase o preço de um gerador novinho em folha. Marcia teve a idéia de pintar de lilás o que restou e assim servirá de elemento de decoração de nossa varanda, que fica alagada quando desaba algum desses espetaculares temporais de verão, parentes dos tornados, que costumam, como já disse, emudecer o telefone.

Na semana passada, vizinhos avistaram funcionários da Telefônica trepados nos postes que margeiam a estrada. ‘Devem estar consertando alguma coisa’, disseram. O ‘alguma coisa’ era porque os telefones, por interferência talvez divina, estavam a funcionar muito bem. A gente nem tocava no assunto, ‘pra não dar azar’. Pois algumas horas depois do ‘conserto’, a linha telefônica simplesmente desapareceu. A dona de uma pousada aqui perto garantiu que os funcionários da Telefônica estão em greve e é por isso que não se encontra quem quebre o nosso galho. Foi então que juntei as coisas: aqueles caras que estavam nos postes não reparavam coisa alguma; em greve, decidiram sabotar as linhas que ainda tinham serventia, na tentativa de causar alguma reação.Como este desabafo, talvez.

(O cachorro, que se chama Vasco, ainda funciona perfeitamente e não pára de latir o dia inteiro. Há quem goste.)

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Jornalista, Cunha (SP)