Não tendo tempo, agora, para redigir uma resposta detalhada à nova série de blefes do sr. Colucci, limito-me a chamar a atenção para dois detalhes que já dizem tudo.
Primeiro detalhe
Logo no começo da sua tréplica, ele me acusa de ser mau leitor, por ter visto insultos a Richard Milton num parágrafo de Richard Dawkins onde não haveria nenhum. ‘Olavo de Carvalho não entendeu que Dawkins não chamou Milton de flat-earther, perpetual-motion merchant ou mesmo loony.’
Não chamou? Vejamos. O parágrafo, traduzido, é o seguinte:
‘Todo dia recebo cartas, em letras maiúsculas e obsessivamente sublinhadas, se não efetivamente em tinta verde, de adeptos da terra plana (flat earthers), teorizadores da terra jovem (young-earthers), mercadores de motos perpétuos (perpetual-motion merchants), astrólogos e outros abilolados (fruitcakes) inofensivos. A única diferença aqui é que Richard Milton conseguiu ter seu material publicado.’
Bem, se a única diferença entre Milton e os demais tipos citados é essa, então Milton, no entender de Dawkins, é tão maluco quanto eles (com o possível agravante de ser mais ousado, já que diz em público o que os outros reservam para a correspondência privada).
Tanto eu quanto o leitor percebemos claramente que esse é o sentido da frase. Qualquer pessoa alfabetizada percebe-o sem dificuldade. O sr. Colucci percebe-o tão bem quanto nós, mas, como quer per fas et per nefas inculcar no público a impressão de que atribuí a Dawkins o que Dawkins não disse, decide arriscar a sorte num blefe temerário: afirma resolutamente o significado inverso, e aposta tudo na probabilidade de que o leitor não venha a examinar o parágrafo atentamente ou de que não saiba inglês o bastante para fazê-lo.
Não contente com essa jogada em que a malícia e a imbecilidade se misturam em doses iguais, ele a complementa com a alegação de que em seguida, ao acusar Dawkins de sugerir tratamento psiquiátrico para Milton, fui eu que li errado – primeiro, por não ter percebido que a frase ‘anyone who believes that the earth is less than 10,000 years old needs psychiatric help’ não era de Dawkins, e sim de Francis Crick; segundo, por não ter compreendido que ela não se referia a Milton e sim aos adeptos da ‘terra jovem’.
‘Olavo de Carvalho também não entendeu que quem precisa de ajuda psiquiátrica são os que pensam que a Terra tem menos de 10 mil anos. Sequer entendeu que o autor da frase não é Dawkins, mas o prêmio Nobel, co-descobridor da espiral dupla do DNA, Francis Crick.’
Que a frase fosse de Crick, era algo impossível de deixar de perceber, já que Dawkins o cita nominalmente. Mas teria eu errado ao entender que foi usada por Dawkins contra Milton? Apelo ao testemunho do leitor: se, como acabamos de ver, Dawkins nivela Milton aos cultores da ‘terra jovem’, e se em seguida usa de uma citação de Crick para dizer que estes últimos necessitam de tratamento psiquiátrico, que raio de outra coisa ele está afirmando senão que Milton, tanto quanto eles, precisa desse tratamento? Não há outra interpretação possível.
Não sou idiota o bastante para supor que o sr. Colucci, ao apontar falsos erros na minha leitura de Dawkins, o faça por erro autêntico. Ele simplesmente não pode ser burro a esse ponto. Jamais teria obtido seu diploma de engenheiro se lesse tão mal. Ele entendeu perfeitamente o trecho de Dawkins, percebeu com clareza que minha interpretação do trecho era exata e compreendeu que, só por esse trecho, estava desmascarada sua tentativa de fazer Dawkins passar por vítima inofensiva de ataques pessoais de Richard Milton. O trecho provava, acima de qualquer possibilidade de dúvida, exatamente o que eu havia afirmado na minha resposta ao vigarista de Boston: que, ao tentar desqualificar o adversário já antes de entrar no mérito da discussão, ele imitava o exemplo de seu mestre Dawkins.
Não tendo o que responder a isso, só lhe restava o expediente extremo do blefe.
Chamar um sujeito desses de vigarista não é de maneira alguma um insulto. É expressar, da maneira mais exata possível, um fato. Mas o sr. Colucci não é um vigarista como os outros. É um mentiroso hábil e profissional, bem treinado num tipo de prestidigitação verbal que não está ao alcance de qualquer recém-chegado. Seu manejo das frases é bem calculado para estontear o leitor, de modo que este não perceba que é induzido a admitir o contrário do que seus olhos vêem. Não é qualquer um que aposta tão alto na própria capacidade de engabelar o próximo.
Segundo detalhe
O segundo detalhe a que me referi está no seguinte parágrafo:
‘O advogado Phillip Johnson é um dos principais estrategistas do Discovery Institute, uma instituição de propaganda criacionista. Se o leitor tem boa memória de curto prazo, lembrar-se-á que um dos autores citados por Olavo de Carvalho também é ‘fellow’ do Discovery Institute. Em seu livro Que Suas Palavras Possam Ser Usadas Contra Eles, contendo frases de evolucionistas famosos, Phillip Johnson eleva a arte de distorcer a opinião alheia a um novo patamar. Para facilitar a vida dos criacionistas que escrevem bobagens antidarwinistas, o livro vem acompanhado de um CD que contém o texto integral e editável da versão em papel. O livro poderia chamar-se, mais apropriadamente, A Arte de Citar Fora de Contexto. Em favor da causa maior, inspirada por Deus, os criacionistas não se importam em distorcer a opinião de cientistas e intelectuais. No tempo em que estudei o catecismo, ‘não levantar falso testemunho’ ainda fazia parte dos dez mandamentos.’
Um anticristão alegando os Dez Mandamentos contra um cristão é, sem dúvida, um golpe de teatro bem eficiente. Deixa a platéia aturdida, a imaginar se não haverá mais cristianismo autêntico na honestidade franca do primeiro do que na profissão de fé do segundo. Não há nada mais humilhante, para o crente, do que ouvir sermão religioso de um descrente.
Mas, no caso, o sermão veio com dois defeitos:
Primeiro, a alegação de falso testemunho levantada contra Philip Johnson não fornece um exemplo sequer de citação falseada ou deslocada que ele tivesse publicado no seu livro supostamente pecaminoso. A única prova que temos do pecado de falso testemunho cometido por Johnson é, portanto, o testemunho do sr. Colucci.
Segundo: esse testemunho é, por sua vez, totalmente falso, porque Philip Johnson jamais escreveu o livro que o sr. Colucci lhe atribui.
Um correspondente meu, o prof. Enézio de Almeida Filho, desconfiou disso tão logo leu a acusação. Para tirar a dúvida, escreveu ao Dr. Johnson, que lhe respondeu imediatamente. Eis o texto dos e-mails:
‘Have you written recently a book of quotes by prominent evolutionists, ‘May their words be used against them’ with an accompanying CD? Was it published by InterVarsity? When? You’re being blasted down here with ‘mine quoting’ and quoting authors out of context. Enezio de Almeida Filho.’
‘That book was authored by Dr. Henry Morris, Jr., of the Institute for Creation Research (ICR). You can find it at the ICR web site. I had nothing to do with it. Philip Johnson.’
Tradução:
‘Você escreveu recentemente um livro com citações de evolucionistas eminentes, `Que Suas Palavras Possam Ser Usadas Contra Eles’, com CD anexo? Foi publicado pela InterVarsity? Quando? Você está sendo acusado aqui de ‘pinçar citações’ e de citar autores fora do contexto. Enezio de Almeida Filho. ‘
‘Esse livro foi escrito pelo Dr. Henry Morris Jr., do Institute for Creation Research (ICR). Você pode encontrá-lo no site do ICR. Eu não tive nada a ver com o livro. Philip Johnson.’
O leitor pode averiguar, no endereço do tópico no ICR, http://www.icr.org/page/001/PROD/32/BTHTH1, que Johnson diz a verdade e Colucci mente.
A encenação colucciana de indignação moral contra o falso testemunho foi, com toda a evidência, apenas uma camuflagem para encobrir o falso testemunho que ele próprio cometia no mesmo instante contra um inocente.
Ele pode, é claro, alegar que foi distração. Mas como admitir que um homem honesto seja tão distraído ao fazer uma acusação tão grave? Como pode ser tão indiferente à veracidade da culpa quando se empenha tanto em sublinhar a acusação com afetações de moralidade e tiradas de eloqüência bíblica? Tanta devoção à eloqüência verbal, desacompanhada de um mínimo de atenção à justiça da causa, é a marca inconfundível de uma mentalidade de delinqüente, à qual não falta a argúcia, mas sim o senso da verdade.
Com esse seu novo feito, o sr. Colucci sofre um upgrade: de mero patife que era, torna-se um macaqueador da fé, um fariseu hipócrita – um arremedo de satanista a quem até o diabo despreza.
O texto inteiro da réplica do sr. Colucci é constituído desses truques. Mostrá-los um a um daria muito trabalho e seria mero exercício de psiquiatria forense: a sondagem em profundidade de uma alma de sociopata. Posso me entregar a esse exercício quando me sobrar tempo, mas por enquanto ele é desnecessário, já que qualquer leitor atento e de mente sã, advertido pelos dois exemplos acima, pode descobrir por si mesmo os restantes sem precisar da minha ajuda. Quanto aos demais leitores, se os há, não creio que eu possa ajudá-los em nada.
José Colucci responde
Em meu texto ‘O Fantasma de Darwin – 2’ (remissão abaixo), errei ao atribuir a Phillip Johnson a autoria do livro antievolucionista de Henry M. Morris – That Their Words May Be Used Against Them. Minhas desculpas ao Sr. Johnson. Morris é citado corretamente em outro trecho do texto. Johnson é um criacionista americano do Discovery Institute; Morris é um criacionista americano do ICR (Institute for Creation Research). A diferença é que o Discovery Institute representa o criacionismo hipócrita (design inteligente) e o ICR o criacionismo declarado. Alertado pelo criacionista brasileiro Enézio de Almeida Filho, o antievolucionista Olavo de Carvalho apontou o erro em artigo para o website Mídia Sem Máscara [cuja íntegra está reproduzida acima].
Com exceção de apontar essa distração, que não muda a intenção do texto, e explorá-la ao máximo, Olavo de Carvalho não apresentou qualquer outro argumento relevante. Seu tom calculadamente indignado não oculta o fato de ele ter feito pior ao atribuir-me a referência a Lyssenko e seu lamarckismo, que nunca fiz. Continuo achando que levantar falso testemunho é pecado.
O resto da resposta do Sr. Carvalho repete o padrão conhecido e cansativo da ofensa e difamação, que prefiro ignorar. Para mim basta saber que, quase 150 anos depois da teoria da evolução, o fantasma de Darwin continua a assombrar os ignorantes e ignóbeis. (J.C.Jr.)
Nota do OI
A Redação informa que a presente polêmica está encerrada nessas páginas deste site.