Ao contrário da visão imposta de forma incessante pela mídia, o 11 de setembro não significou nenhuma mudança efetiva na política internacional – nem na política externa dos EUA, nem de qualquer outro país. A política externa dos EUA permaneceu voltada para os ataques a seus inimigos e para o patrocínio do terrorismo de Estado (e mesmo do terrorismo internacional via grupos paramilitares e Estados aliados, como na Colômbia) e em momento algum sofreu qualquer guinada, senão apenas ajustes pontuais e uma readequação à continuidade da agenda estadunidense. Criou-se um novo inimigo – a Al Qaida – para “desculpar” seus ataques por todo o Oriente Médio e além.
Do “perigo comunista”, passando por um período pós-fim da URSS de reordenamento internacional até a “guerra ao terror”, os EUA continuaram a promover conflitos, criando inimigos e moldando aliados. Após o 11 de setembro, adotaram ao máximo e com afinco o princípio do “crescimento canceroso”, definido pelo cientista político húngaro Istvan Meszaros como aquele crescimento movido pela indústria bélica, pela destruição e posterior reconstrução de países “inimigos” e pela apropriação de suas riquezas naturais. Afeganistão e Iraque, primeiro, e agora a Líbia, foram alvos, e outros se desenham ou estão marcados, como Síria, Sudão e Coreia do Norte.
Mas mesmo com tudo isso, a mídia brasileira permaneceu fiel ao lado do discurso dos EUA de “guerra ao terror”, batendo palmas para suas ações e deixando passar graves denúncias de abusos aos direitos humanos, criticando apenas o que lhe parecia mais escandaloso, na tentativa de fingir uma imparcialidade inexistente.
Evento definitivo
A cobertura dos 10 anos do 11 de setembro não surpreende, então, o imenso interesse dos canais brasileiros sobre o evento, que cobriram com uma paixão mórbida e hoje realizam especiais, transmitem filmes, convidam “especialistas” e não deixam um minuto de afirmar que “o mundo mudou”. Mas não mudou. Antes do 11 de setembro, os EUA já haviam invadido a Sérvia sem permissão da ONU, já haviam invadido o Iraque em 1991 e continuavam a exportar terrorismo para a Colômbia e para os mais diversos pontos do mundo. A única diferença pós-ataques foi o caráter mais displicente das invasões e intervenções – contando com a eterna conivência midiática.
Com duas semanas para o fatídico aniversário dos ataques, a mídia brasileira – em particular a GloboNews – já se preparava com a avidez de uma ave carniceira para os milhares de especiais que havia preparado para a data. Por vezes é difícil separar o que é conivência sensacionalista e o que é apenas morbidez insensata. Não se passou um só dia sem que o 11 de setembro não fosse lembrado e exaltado como marco. Parecia até que a humanidade, como um todo, havia deparado com um evento definitivo.
Mídia “independente” e “nacional”
Apelidado de o maior ataque terrorista da história (Hiroshima e Nagasaki foram convenientemente esquecidas, assim como o bombardeio de Dresden ou mesmo os ataques israelenses contra crianças palestinas ou contra a população libanesa), o 11 de setembro serviu para, mais uma vez, deixar claro o caráter da mídia brasileira – em muitos casos, sua falta de caráter. O 11 de setembro, enfim, foi tratado como o evento limite da humanidade, mas suas consequências para o mundo foram diminuídas. Os ataques deram carta branca aos EUA, que se assumiram na posição de guardiões da humanidade, incontestes.
Total foco na carnificina, no sensacionalismo abjeto, nos documentários sensacionalistas e dramalhões “humanos”. Não era fácil encontrar um só canal de TV – aberta ou fechada – que não exibisse pelo menos um “especial” sobre a data, em uma overdose coletiva na tentativa de legitimar os atos posteriores do império ferido.
Todo 11 de setembro, mas em especial este, que marcou os dez anos, serve para demonstrar o quão independente e “nacional” é a mídia brasileira.
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[Raphael Tsavkko Garcia é jornalista, blogueiro e mestrando em Comunicação, São Paulo, SP]