Com alguma frequência os meios de comunicação citam dados sobre a aplicação da pena de morte em países nos quais ela ainda não foi abolida. O balanço da Anistia Internacional para 2010 destaca, entre outros, a China (“milhares” de execuções), o Iraque (279), o Irã (252), o Afeganistão (“pelo menos 100”) e os Estados Unidos (46).
Repete-se nos jornais que a pena de morte foi aplicada pela última vez no Brasil em 1876, ainda no Império. Engano. Ela é aplicada diariamente. Só não passa por decisão judicial.
No estado do Rio de Janeiro houve no ano passado 855 casos de “resistência seguida de morte”. Especialistas em segurança pública e jornalistas afirmam que se trata, muitas vezes, de execuções com tiros pelas costas ou na nuca, ou que deixam ferimentos nas mãos, indicando tentativa da vítima de se proteger de disparos.
O Rio é citado aqui porque seus dados têm mais visibilidade do que os das demais unidades da federação. O fenômeno é nacional. Daí a importância atribuída em qualquer documento sobre direitos humanos às mortes assumidas por policiais.
Modalidade paulistana
Num táxi tomado no aeroporto de Guarulhos algumas semanas atrás, perguntei ao motorista se os assaltos a viajantes que desembarcam do exterior em São Paulo continuam frequentes. Ele disse que agora está mais calmo. Perguntei se tinham prendido alguma quadrilha. Ele disse que não, que mataram. Perguntei quem matou. Ele respondeu que foi a PM. Argumentou que as quadrilhas são conhecidas, usam as mesmas motocicletas para assaltar. Não seguem mais os táxis a partir do aeroporto. Esperam-nos em bairros onde a maioria dos assaltos acontece: Jardins, Paraíso, Vila Mariana. São táxis registrados em Guarulhos, pintados de forma característica. Quando passa um desses em algum dos eixos principais de trânsito, é fácil segui-lo.
O taxista: só matando
Perguntei se não basta prendê-los, como está na lei. Argumentei que matar nunca resolveu nada. Respondeu que os assaltantes voltam logo à rua e recomeçam a agir. Então, os taxistas se cotizam e pagam para a PM matar. Os policiais fazem o serviço e declaram na delegacia que foi “resistência seguida de morte”, gerando um documento conhecido como “auto de resistência”.
Sem dar muita importância ao assunto, o taxista, que não era um sujeito de maus-bofes, disse que matar era a única solução possível.
Essa é uma entre dezenas de modalidades de aplicação da pena de morte no Brasil. Muito recentemente, ela foi decretada e executada contra a juíza Patrícia Acioli, de São Gonçalo (RJ).
Convém lembrar que, segundo a crônica policial, o primeiro esquadrão da morte do país foi formado no então Distrito Federal por remanescentes da Polícia Especial do Estado Novo, sob o comando de um coronel do Exército, e costumava “desovar” cadáveres no viaduto do Véu da Noiva, na rodovia Rio-Petrópolis. Vivia-se o período que antecedeu imediatamente os “anos dourados”, a primeira metade dos anos 1950.