Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Broncas, micos, capacetes

“Não, não, ele não está de capacete, Bonner. Ele é careca mesmo!”

Esta foi uma das melhores e mais populares piadas que circularam na internet nos últimos dias. Para avaliar a repercussão do último mico do âncora do Jornal Nacional William Bonner, se o leitor fizer uma pesquisa simples no Google com as palavras “Bonner” e “capacete” vai encontrar mais de 150 mil citações. Isto não é pouco, mesmo reconhecendo o poder da rede de criar tantos “factóides” e o pouco tempo desde a divulgação do vídeo (ver aqui).

Na falta de grandes realizações jornalísticas, William Bonner – sempre ele – consegue gerar mais uma grande polêmica desde que assumiu a bancada do velho Jornal Nacional. Após a divulgação do vídeo de Bonner imitando o Clodovil, da polêmica declaração sobre o Barney Simpson e, mais recentemente, a troca de bandeiras da Líbia pela do Líbano (ver aqui) em meio a tantos outros “micos”, agora o editor-chefe do JN resolveu dar um “puxão de orelha” no enviado especial da Globo à Líbia, Marcos Uchoa, diante de milhões de telespectadores brasileiros do JN na quinta-feira (25/8).

Na hora, ao assistir a tentativa do âncora da Globo de “intervir”, de “participar” ou “pegar carona” na apresentação ao vivo do correspondente Marcos Uchoa , foi simplesmente triste, deprimente e constrangedor. Mas o melhor foi rever na internet a expressão de embaraço ou mesmo de “pena” da companheira de vida e de bancada, a jornalista Fátima Bernardes. Diante de mais um mico do maridão e âncora do JN, ela sim, deu um merecido “puxão de orelha” no telejornalismo de “gracinhas” praticado pela Globo nos últimos anos: “Não, não, ele está sem capacete”. Foi o alerta da jornalista para a nossa consciência.

Bonner ainda tentou se corrigir com mais explicações, comentários e gracinhas. O que era para ser descontraído e participativo ficou hilário e constrangedor. Só faltou a chamada para o próximo bloco no Zorra Total.

Nada funcionava. Naquele edição, a tal “bronca” do Bonner e a falta de retorno do Uchoa transformavam a cobertura jornalística na Líbia em “diálogo de surdos mudos”. Certamente o velho JN já viveu momentos melhores.

Rever o “mico” do Bonner na internet, no entanto, foi mais do que engraçado. Foi emblemático e significativo para uma análise sobre as novas tendências do telejornalismo brasileiro. Bom exemplo ou tema de debates para entender os problemas enfrentados pelos nossos telejornais.

Seminário de telejornalismo

Depois de décadas de engessamento com uma postura “séria”, sem qualquer tipo de ameaça à liderança, o JN enfrenta índices de audiência em declínio e uma competição cada vez mais acirrada.

O velho JN tenta se renovar sendo mais descontraído, solto, popular ou “engraçadinho”. Essas mudanças de estilo e de linguagem, no entanto, podem significar a aceleração do fim que parece inevitável. Os erros e “gracinhas” podem garantir a queda de audiência e principalmente comprometer a credibilidade de seu jornalismo.

O JN revela certo desespero em suas tentativas de mudanças apressadas e intuitivas. O principal telejornal da Globo luta para manter a liderança e certamente tem muito a perder. Tenta mudar imitando sempre as tendências dos telejornais americanos, com poucas pesquisas aprofundadas e voltadas para as especificidades do mercado e do momento histórico brasileiro.

O Jornal Nacional teria muito a ganhar com as pesquisas e análises produzidas pelas universidades brasileiras. Recentemente participei do seminário internacional “Análise de Telejornalismo: desafios teórico-metodológicos”, promovido pelo Grupo de Pesquisa Análise de Telejornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, sob a direção competente e experiente da professora Itânia Gomes. O seminário apresentou diversos trabalhos acadêmicos sobre o JN – foi, sem dúvida, um dos programas mais citados, criticados e analisados pelos acadêmicos brasileiros e estrangeiros durante os três dias de debates.

Muitos pesquisadores se concentram nos telejornais brasileiros como objeto de pesquisa. Algumas dessas análises críticas poderiam ser muito úteis para o futuro do nosso jornalismo de TV. O problema é que as universidades e as televisões brasileiras têm poucos canais de diálogo que poderiam significar uma contribuição mútua.

Ainda persiste certa resistência e desconfiança de ambas as partes. Por um lado, o discurso ideológico ou demasiadamente abstrato da linguagem acadêmica tende a ridicularizar ou menosprezar o jornalismo de televisão. Por outro, os profissionais das redações de TV consideram os professores e pesquisadores acadêmicos alienados da realidade do mercado. O diálogo de surdos mudos persiste e não é privilégio da bancada do JN.

De qualquer maneira, nos últimos anos, o JN se tornou uma fonte inesgotável de muitos erros e poucos acertos que tendem a concentrar o interesse dos pesquisadores acadêmicos e analistas de telejornalismo. As críticas e análises dos telejornais são cada vez melhores e mais aprofundadas. Mas a falta de diálogo com a produção garante poucas soluções viáveis para a melhoria do jornalismo de TV.

Bronca no editor

E se o JN é fonte inesgotável de críticas e análises acadêmicas, William Bonner continua personificando o novo jornalismo de muita “aparência” e pouco conteúdo de valor da notícia.

A desculpa de preocupação com a segurança pessoal do correspondente da Globo na Líbia é descabida e fora de propósito. Há muitos anos, a correspondente de guerra brasileira Cristiana Mesquita (da APTN), com larga experiência em áreas de conflito, já alertava neste Observatório sobre os verdadeiros perigos que ameaçam os jornalistas que cobrem guerras (ver “Apuração em zona de conflito“ e “O poder de fogo da TV“).

E não é a falta de coletes ou capacetes. Obviamente fazer “passagem” ou apresentações ao vivo em frente a um hotel em Trípoli ou Bagdá não exige “fantasia” de correspondente de guerra. Muito mais importante e relevante é se preocupar com questões técnicas complexas para tornar a cobertura mais constante e atuante. É investir mais em ter o que dizer, em ter condições técnicas de “ouvir” e “responder” aos comentários de âncoras. Mesmo que eles sejam desinformados e despreparados para intervir de forma que contribua para a melhoria da cobertura internacional de uma grande rede de TV. Não é função de âncora de telejornal dar “bronca” ou puxão de orelhas em enviados especiais. Âncora de telejornal, se não pode contribuir para melhorar a qualidade do jornalismo, deveria se calar e… ouvir o jornalista de verdade.

Jornalismo internacional é coisa séria. Não é desviando a atenção do público para coletes e capacetes que vamos melhorar o seu conteúdo. Ficou evidente na edição de quinta-feira (25) do JN que o importante para o Bonner é a “imagem”, o “uniforme” do enviado da Globo na Líbia. Sua caracterização ou a “fantasia” de correspondente de guerra diante das câmeras é mais importante do que as informações que poderia e deveria estar enviando para o público do telejornal.

Não é questão de interesse pela segurança pessoal do profissional. O importante é autorreferencial e promocional. O que vale é relembrar ao público os perigos que ameaçam o nosso correspondente que está em risco – com ou sem capacete e colete à prova de balas – para informar uma audiência cada vez mais desinteressada em notícias de verdade.

Vestir o capacete e colete não garante segurança pessoal do jornalista, mas dá mais Ibope e humilha os concorrentes.

Não se iludam com a profusão de comentários “engraçadinhos” ao vivo durante o JN ou pelo Twitter. A verdadeira guerra da Globo não está na Líbia. Está aqui mesmo no Brasil. É uma guerra pela liderança e pela hegemonia dos telejornais brasileiros. Uma luta feroz pelos índices de audiência em evidente declínio na última década, contra uma competição cada vez mais acirrada com a Rede Record e pela manutenção de gigantescas verbas publicitárias.

Comentários sobre a segurança de jornalista na guerra da Líbia, em meio a um furacão em Nova York, nas favelas do Rio de Janeiro ou em qualquer lugar do mundo não passam de estratégia desesperada de marketing.

A cobertura internacional da Globo – com ou sem capacete, com ou sem “gracinhas” – está cada vez mais alheia à realidade do público que busca informações de verdade. O público que se interessa pela cobertura internacional competente tende a migrar para a internet. Na televisão aberta só nos resta aguardar o próximo mico do Bonner no JN.

***

[Antonio Brasil é professor e pesquisador de Telejornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina]