Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

BBB e a sociedade do espetáculo

Os traços de nossa cultura, a semelhança e os mais diferentes dilemas são hoje frequentemente refletidos na mídia. Um fator exemplar são os reality shows apresentados na TV. Tomo como foco o Big Brother Brasil (BBB), apresentado pela Rede Globo de Televisão, criticado por alguns e venerado por outros, que continua chamando a atenção do público visando ao interesse e à apreciação pela vida íntima que foram mencionados pelas teorizações do sociólogo Richard Sennett (1999).

O conhecimento de si como interioridade surge com a lógica público/privado que marcara a modernidade, logo a exibição da intimidade em nossa sociedade é originária da “exploração da vida privada” fazendo com queo BBB seja considerado um fenômeno midiático globalizado, mas qual a fórmula para tanto sucesso? A mídia hoje não estaria reproduzindo o mesmo acontecimento através da indústria do entretenimento e do espetáculo? Os costumes são fenômenos do passado ou apenas alteraram suas formas? Atualmente, avistamos o “mundo” através da mídia, ou apenas “sombras” de um “real” mediante um fato produzido?

Na década de 1960, o diretor do cinema francês e filósofo Guy Debord lançou um livro decisivo para a concepção da sociedade hodierna que se redesenhava pelo crescimento do capitalismo e pelo progresso dos meios de comunicação. Tendo como título A sociedade do espetáculo, abordou na primeira parte a atitude contestatória da obra, que instiga uma luta acirrada contra a devassidão da vida moderna que escolhe a imagem e a representação ao realismo visível e adequado tendo a aparência ao ser, a fantasia ao fato, a imobilidade à atividade de pensar e agir com dinamismo, tendo enfaticamente a definição a uma conjuntura tendo em vista o domínio da vida do ser humano acarretado pelo comando das imagens e sendo legitimado pelo poder persuasivo da mídia.

Aceitação passiva

Arbex em seus escritos diz que A Sociedade do Espetáculo é o próprio espetáculo, tendo como a forma mais perversa: o consumo e o imaginário construído pela mídia, composto por uma vasta rede de símbolos e signos, como também de referências culturais, sociais e políticas que prefiguram a composição de uma classe de conhecimento coletivo ‘globalizada’ em um mundo cada vez mais sem território, e, complementando o raciocínio de Arbex, Guy Debord argumenta sobre o espetáculo, trazendo a tona uma analise semiótica de uma palavra pequena porém grande em significado que vem abranger diversos segmentos sejam políticos, religiosos, artísticos na comunicação de massa.

“O espetáculo consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias – tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia. O espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida. É a forma mais elaborada de uma sociedade que desenvolveu ao extremo o ‘fetichismo da mercadoria’ (felicidade identifica-se a consumo). Os meios de comunicação de massa – diz Debord – são apenas ‘a manifestação superficial mais esmagadora da sociedade do espetáculo, que faz do indivíduo um ser infeliz, anônimo e solitário em meio à massa de consumidores” (Debord, 1960).

Para Debord, a questão da imagem e do aspecto na sociedade contemporânea eram pontos centrais. A ideia introduzida é a de que só tem valor social àquilo ou aquele que aparece.

O espetáculo se apresenta como uma enorme positividade, indiscutível e inacessível. Não diz nada além de “o que aparece é bom, o que é bom aparece”. A atitude que por princípio ele exige é a da aceitação passiva que, de fato, ele já obteve por seu modo de aparecer sem réplica, por seu monopólio de aparência (DEBORD, 1997, p.16-17).

O direito de brilhar

O espetáculo é a vida mediada por imagens, isso é, quando a vida é deixada de ser vivida diretamente, para ser vivida através de imagens. O filósofo divulga um quadro evolutivo das decorrências dessa relação sobre o contexto da vida social, mostrando o caminho da realização humana de uma situação de “ser” para o “ter” e posteriormente do “ter” para o “parecer” abonando assim um deslocamento do fato pessoal para a esfera social.

O espetáculo é a vida mediada por imagens, isso é, quando a vida é deixada de ser vivida diretamente para ser vivida através de imagens. O espetáculo é a negação da vida. Essa lógica, identificada por Debord já na década de 60, é a mesma que levou ao desenvolvimento das atuais redes virtuais de relacionamento (DEBORD, 1997, p.18).

Guy Debord aponta o espetáculo em dois segmentos distintos: o concentrado e o difuso. Ambos, centrados na noção de unificação feliz e, em seguida, de mal-estar, tristeza e pavor. O tipo concentrado é basicamente burocrático e ditatorial, (nasceu da Alemanha nazista e da Rússia stalinista), com essa conjuntura a Venezuela é o exemplo atual deste tipo de espetáculo concentrado, como também não devemos esquecer-nos do Brasil pós 1964, com os slogans e lemas político-propagandísticos “Brasil, ame-o ou deixe-o” e “Este é um país que vai pra frente”, O espetáculo difuso acendeu por meio dos regimes democráticos, onde a superprodução de artigos em marcas mutáveis induz e afiança um aparente “poder de escolha”, no entanto, fazendo crer que os indivíduos vivam em um reino falso de “liberdade de escolha”. Debord acrescentou em uma de suas edições suas explanações sobre a sociedade do espetáculo, onde as duas formas referenciadas por ele tornavam-se uma terceira estabelecida pela combinação das anteriores. Tratava-se do espetacular integrado, cujo sentido final “É o fato de ser integrado na própria realidade à medida que falava dela e de tê-la reconstruído ao falar sobre ela” (DEBORD, 197, p.173).

A partir da terceira configuração abordada por Debord notamos que qualquer um pode aparecer publicamente na sociedade do espetáculo exercendo papeis diferentes; Debord chama essa potencialidade de status midiático, condição que confere ao ser humano o direito de brilhar. Vemos esse contexto claramente nas pessoas que “sonham” e que se habilitam a participar do Big Brother Brasil. São músicos, dançarinas, advogados, policiais, professores… que passam a exercer no confinamento imposto pelo programa outros papeis além da sua profissão. Na sociedade do espetáculo o status midiático presenteiaa todos indistintamente e todos se sentem no dever de reivindicar seu direito de brilhar.

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[Rodolpho Raphael Oliveira Santos é jornalista, Campina Grande, PB]