Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

José Queirós

“Sob o título ‘Estu­dan­tes vão fazer mais exa­mes numa semana’, este jor­nal anun­ciou no pas­sado dia 16 de Feve­reiro, na sua edi­ção para a Inter­net: ‘Três ou qua­tro exa­mes naci­o­nais rea­li­za­dos numa única semana. Esta é a con­sequên­cia de todos os can­di­da­tos a exame no ensino secun­dá­rio terem de os fazer na 1ª fase’ (con­forme fora dias antes deter­mi­nado, para as pro­vas obri­ga­tó­rias, pelo Minis­té­rio da Edu­ca­ção e Ciên­cia). A abrir a notí­cia, afirmava-se expli­ci­ta­mente que, ‘em vez de dois exa­mes naci­o­nais numa semana, a mai­o­ria dos alu­nos do ensino secun­dá­rio terá agora de fazer três ou qua­tro no mesmo espaço de tempo’.

Nada disto é ver­dade, como fri­sa­ram alguns lei­to­res des­con­ten­tes com a falta de rigor da infor­ma­ção publi­cada. Um des­ses lei­to­res, Fran­cisco Quei­rós, de Pare­des, conta que ten­tou nesse dia aler­tar por tele­fone a redac­ção do PÚBLICO para que fosse cor­ri­gida a notí­cia, mas não logrou ser aten­dido nem obteve melhor resul­tado atra­vés do ‘sis­tema de men­sa­gens gra­va­das’. Na recla­ma­ção que enviou, sus­tenta que ‘o cabe­ça­lho da notí­cia não é ver­da­deiro (…), alar­mando mal e de forma sen­sa­ci­o­na­lista’ os des­ti­na­tá­rios da informação.

‘Os alu­nos do ensino secun­dá­rio’, escla­rece, ‘ rea­li­zam exa­mes naci­o­nais no fim do 11º ano e no fim do 12º ano’. Dá o exem­plo do curso de Ciên­cias e Tec­no­lo­gias (o mais con­cor­rido), para o qual há exa­mes no final do 11º ano em duas dis­ci­pli­nas (Biologia/Geologia e Física/Química) e em outras tan­tas (Por­tu­guês e Mate­má­tica) no fim do 12º. ‘Assim’, acres­centa, ‘todos os can­di­da­tos a exa­mes que este­jam a fre­quen­tar o 11º ano de esco­la­ri­dade ape­nas podem rea­li­zar dois exa­mes. No 12º ano, em prin­cí­pio, tam­bém só rea­li­zam dois exa­mes. Pode suce­der, é certo, que tendo repro­vado nos exa­mes do 11º venham a repeti-los no fim do 12º. Mas esta reserva não se aplica a todos os alu­nos; é impro­vá­vel, de resto, que tendo repro­vado em dois exa­mes do 11º ano con­se­guis­sem tran­si­tar para o 12º ano de escolaridade’.

Enquanto este lei­tor ten­tava sem êxito aler­tar para os erros que detec­tara na peça do PÚBLICO Online – que lá per­ma­ne­cem, inal­te­ra­dos, desde a manhã de 16.02 até à hora a que escrevo –, outros pro­cu­ra­vam fazê-lo, com igual insu­cesso, atra­vés da caixa de comen­tá­rios que acom­pa­nha as notí­cias da edi­ção on line. Logo ao iní­cio da tarde desse dia, João Pereira, de Óbidos, subli­nhava tam­bém que os estu­dan­tes do secun­dá­rio são sub­me­ti­dos no final de um ano lec­tivo a ape­nas dois exa­mes naci­o­nais: ‘Um aluno (…) rea­liza no 11º ano dois exa­mes a dis­ci­pli­nas espe­cí­fi­cas e mais nenhum’, enquanto um aluno do 12º, por exem­plo na área de Lín­guas e Huma­ni­da­des, ‘rea­liza o de Por­tu­guês e o de His­tó­ria (e mais nenhum)’. Res­sal­vando que um aluno pode submeter-se a mais do que dois exa­mes naci­o­nais ‘se for do 12º ano e qui­ser melho­rar as suas clas­si­fi­ca­ções das dis­ci­pli­nas do 11º’, con­cluía ser ‘com­ple­ta­mente falso’ o que ‘se diz no corpo da notí­cia’ – isto é, que ‘a mai­o­ria dos alu­nos do ensino secun­dá­rio terá agora de fazer três ou qua­tro no mesmo espaço de tempo’.

Bas­ta­ria, de facto, ter em conta o peso numé­rico dos exa­mi­nan­dos do 11º ano no con­junto dos alu­nos do secun­dá­rio sujei­tos às pro­vas naci­o­nais, e o facto de a estes não se apli­car a hipó­tese de pode­rem que­rer melho­rar a clas­si­fi­ca­ção obtida em exa­mes ante­ri­or­mente efec­tu­a­dos, para se per­ce­ber que a frase de aber­tura da notí­cia não pode­ria ser ver­da­deira. Se a este dado se acres­cen­tar uma incóg­nita – o número de alu­nos do 12º que irá pro­cu­rar essa melho­ria de nota, que poderá ser sig­ni­fi­ca­tivo, nada per­mi­tindo porém con­cluir que sejam todos ou sequer a mai­o­ria –, perceber-se-á que não tem fun­da­mento a afir­ma­ção de teor con­clu­sivo des­ta­cada no Público Online, segundo a qual as novas nor­mas deci­di­das pelo minis­té­rio, ao tor­na­rem obri­ga­tó­ria a ins­cri­ção na 1º fase, leva­riam os can­di­da­tos a terem de se apre­sen­tar a ‘três ou qua­tro exa­mes naci­o­nais rea­li­za­dos numa única semana’.

Com as novas regras para o calen­dá­rio de exa­mes – que o minis­tro Nuno Crato jus­ti­fi­cou com a neces­si­dade de não ‘pre­ju­di­car o pro­cesso de entrada no ensino supe­rior e o fun­ci­o­na­mento das esco­las’ –, os alu­nos que estão a fina­li­zar o ensino secun­dá­rio dei­xam de facto de poder optar por pres­tar as pro­vas na 1ª ou na 2ª fase, ficando esta agora reser­vada aos que pro­cu­rem supe­rar uma repro­va­ção ou con­se­guir a tal melho­ria clas­si­fi­ca­tiva. Como se pode depre­en­der dos comen­tá­rios de lei­to­res à notí­cia, a alte­ra­ção divide for­te­mente as opi­niões no meio edu­ca­tivo. Aos que a defen­dem e con­si­de­ram que con­tri­bui para uma orde­na­ção justa no acesso ao ensino supe­rior, opõem-se prin­ci­pal­mente os que ten­tam, atra­vés da repe­ti­ção de exa­mes, ascen­der nessa orde­na­ção, com des­ta­que para os par­ti­ci­pan­tes na conhe­cida e ultra-competitiva cor­rida anual às ele­va­dís­si­mas médias exi­gi­das neste país para o acesso aos cur­sos de Medi­cina. E há ainda quem cri­ti­que o facto de as regras terem sido alte­ra­das a meio do ano lec­tivo e não antes do seu início.

Trata-se, por­tanto, de um tema polé­mico, actual e rele­vante, que jus­ti­fi­cava a aten­ção do jor­nal, mas que foi lamen­ta­vel­mente enqua­drado em pres­su­pos­tos erra­dos na notí­cia do Público Online. Per­ce­ber como suce­deu per­mi­tirá iden­ti­fi­car algu­mas falhas recor­ren­tes no plano da orga­ni­za­ção edi­to­rial. A notí­cia, moti­vada por quei­xas de asso­ci­a­ções estu­dan­tis con­tra as novas regras para os exa­mes, come­çou por ser publi­cada, em três cur­tos pará­gra­fos assi­na­dos pela jor­na­lista Clara Viana, na edi­ção de 16.02 do jor­nal impresso. É uma peça em que não figu­ram as afir­ma­ções erró­neas atrás cita­das, que foram acres­cen­ta­das na ver­são mais alar­gada publi­cada a seguir na edi­ção para a Inter­net. No entanto, a frase de aber­tura (‘Em vez de dois exa­mes naci­o­nais numa semana, mui­tos alu­nos do ensino secun­dá­rio terão agora de fazer três ou qua­tro no mesmo espaço de tempo’) peca por alguma impre­ci­são. O termo ‘mui­tos’ não define com rigor o uni­verso con­si­de­rado, e a fór­mula ‘terão agora de fazer’ sugere uma obri­ga­ção que não existe.

Com as alte­ra­ções intro­du­zi­das na ver­são colo­cada on line, que não foram dadas a conhe­cer à autora da peça ori­gi­nal, a impre­ci­são transformou-se em erro. Pas­sou nome­a­da­mente a ler-se que ‘a mai­o­ria dos alu­nos do ensino secun­dá­rio terá agora de fazer três ou qua­tro [exa­mes numa semana]’ onde na edi­ção impressa se escre­vera ‘mui­tos alu­nos (…) terão agora de fazer (…)’. ‘É dife­rente’, con­corda Clara Viana, que acres­centa: ‘Lamento estas alte­ra­ções a uma notí­cia que man­tém a minha assinatura’.

Quanto ao título, quase idên­tico nas duas ver­sões, a jor­na­lista con­si­dera que ‘está certo, por­que não se afirma que são todos os estu­dan­tes’ [que ‘vão fazer mais exa­mes numa semana’]. Eu penso que o facto de ser, nesse sen­tido, ver­da­deiro, não o torna menos enga­noso. Quem, não conhe­cendo o assunto, lê a frase ‘Estu­dan­tes vão fazer mais exa­mes numa semana’, a enca­be­çar uma notí­cia sobre novas regras que se apli­cam a todos os exa­mi­nan­dos, é natu­ral­mente levado a crer que o título se refere ao uni­verso de ‘todos os estu­dan­tes’. A edi­tora que alte­rou a peça para a edi­ção on line, Bár­bara Wong, reco­nhece por seu lado ter feito uma lei­tura ina­de­quada da notí­cia publi­cada na edi­ção impressa e apre­senta ‘des­cul­pas aos lei­to­res’, que nunca pre­ten­deu ‘indu­zir em erro’.

Julgo que este caso revela diver­sas fra­gi­li­da­des na orga­ni­za­ção edi­to­rial e recorda a impor­tân­cia de res­pei­tar alguns pro­ce­di­men­tos, como os seguintes:

– Alte­ra­ções subs­tan­ti­vas aos tex­tos dos jor­na­lis­tas, no plano dos fac­tos ou da inter­pre­ta­ção, não devem, por norma, ser fei­tas sem o seu conhe­ci­mento. Quem seguiu um assunto e escre­veu sobre ele tem à par­tida mais con­di­ções para evi­tar enga­nos e escla­re­cer dúvi­das. Subs­crevo a con­clu­são de Clara Viana na expli­ca­ção que me enviou: ‘Este epi­só­dio mos­tra que não é, no mínimo, acon­se­lhá­vel mudar tex­tos sem falar antes com os auto­res dos mesmos’.

– Por mai­o­ria de razão, um texto alte­rado num aspecto sig­ni­fi­ca­tivo não deve ser publi­cado com a assi­na­tura de quem não par­ti­ci­pou na alte­ra­ção. Em caso de erro, como acon­te­ceu, é a repu­ta­ção pro­fis­si­o­nal de quem assina que é atin­gida. É a quem subs­creve a peça que se diri­gem nor­mal­mente as recla­ma­ções dos leitores.

– A mais-valia resul­tante de escla­re­ci­men­tos fei­tos pelos lei­to­res atra­vés das cai­xas de comen­tá­rios às notí­cias on line não deve ser des­per­di­çada. Neste caso, como em situ­a­ções ante­ri­o­res, vários con­tri­bu­tos sur­gi­dos logo após a publi­ca­ção foram igno­ra­dos. No PÚBLICO, os comen­tá­rios dos lei­to­res pas­sam por um crivo edi­to­rial. Não se com­pre­ende que as men­sa­gens que apon­tam erros ou dão escla­re­ci­men­tos úteis sobre os temas noti­ci­a­dos não sejam enca­mi­nha­das para jor­na­lis­tas e edi­to­res dos tex­tos em causa. Nenhuma redac­ção tem mais conhe­ci­men­tos do que a comu­ni­dade dos seus leitores.

– Uma vez con­fir­ma­dos, os erros apon­ta­dos devem ser cor­ri­gi­dos. Neste caso, não só isso não acon­te­ceu como o Público Online ainda pro­mo­veu um inqué­rito, pedindo a opi­nião dos lei­to­res acerca do número (errado) de exa­mes que os estu­dan­tes do secun­dá­rio teriam de fazer em pou­cos dias.

– A arti­cu­la­ção entre as duas edi­ções, em papel e on line, não pode ser descurada.

Dada a rele­vân­cia do tema e o seu inte­resse para mui­tos lei­to­res, bem como a pos­sí­vel con­fu­são gerada por esta notí­cia, seria útil que o PÚBLICO vol­tasse a abor­dar, de modo mais escla­re­ce­dor, as alte­ra­ções efec­tu­a­das ao calen­dá­rio dos exa­mes do ensino secun­dá­rio. Infor­mando com rigor e con­fron­tando inte­res­ses e opiniões.”