Alguém pode explicar por que o Brasil votou contra uma resolução das Nações Unidas cujo objetivo era melhorar a segurança física dos jornalistas? Mais: alguém pode explicar por que o Brasil votou ao lado de Cuba, Venezuela, Índia e Paquistão? E que diabos fazia a Índia no meio desse grupo?
No Brasil, nestes últimos doze meses, cinco jornalistas foram assassinados. Desde 1992, morreram 21. A resolução que oferece maiores garantias à vida dos jornalistas foi elaborada pelo Comitê de Proteção aos Jornalistas, entidade independente, fundada em 1981 exatamente para defender jornalistas em perigo em qualquer parte do mundo. Entidades como a Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, e o International News Safety Institute (Insi), aprovaram a resolução e lamentaram a posição brasileira. O voto dos cinco países fez com que a votação das garantias se atrase por um ano: a próxima reunião do comitê da ONU encarregado do assunto só ocorrerá em 2013.
O Itamaraty bem que tentou explicar sua decisão infeliz: disse que não era contra o plano, mas não havia gostado da maneira como foi apresentado (talvez não tivesse cinco vias com firma reconhecida, selos federais e múltiplos carimbos). Não poderia aprovar um texto que já chegou pronto à Assembleia – e julgou que não poderia também propor as modificações que julgasse necessárias. Trabalhar, convenhamos, cansa. E alega que “a grande maioria dos casos (de mortes de jornalistas) verificados no Brasil não guarda relação direta com o exercício da atividade”.
Tim Lopes, por exemplo? Que é que ele fazia quando foi capturado, torturado, morto e cremado por narcotraficantes? Estaria vendendo enciclopédias?
A Abraji lamentou a decisão do Itamaraty por achar que “as supostas imprecisões do documento são menores diante de sua importância e sua oportunidade”.
Se houvesse diplomatas sendo ameaçados de morte por causa de seu trabalho, estaria o Itamaraty tão zeloso na observância das minudências do projeto?
A lei de Lynch
O senador Demóstenes Torres, ex-DEM, foi liquidado politicamente. Há quem tente envolver outros políticos no circuito, tentando ligá-los ao contraventor Carlinhos Cachoeira ou desmoralizá-los de outra maneira. O nível está baixando rapidamente: uma bonita cantora foi interpelada por jornalistas que queriam saber se tinha ou não um caso com um importante político. Desmentiu; mas, mesmo assim, a notícia foi divulgada, para que todos soubessem do boato.
Jornalismo não é isso, isso não é jornalismo. Não se tentou esclarecer um boato que estivesse circulando no país: usou-se o subterfúgio do desmentido para veicular o boato.
Este colunista não tem a menor ideia a respeito da veracidade ou não do rumor em questão. Mas isso não é notícia, é apenas fofoca. A vida particular dos políticos deve ser respeitada como a de qualquer outra pessoa. Se o caso se tornar público por algum motivo, perfeito: é preciso verificar o que houve. Se o caso não é público e se usa um truque para fingir que todo mundo sabe disso, não se trata de notícia, mas de pura e simples deslealdade.
Quem sabe, sabe
Nahum Sirotski, um dos grandes jornalistas brasileiros, leitor assíduo desta coluna, comenta a nota “Talento, desde que datado”, publicada na última semana. Nahum testemunhou o crescimento profissional de Alberto Dines, que acaba de completar 80 anos de vida e 60 de jornalismo: foi seu chefe, foi seu chefiado.
“Dines trabalhou comigo em Visão. Com um ano de experiência, produziu capa sobre o Rio Grande do Sul cuja qualidade, creio, ainda não foi superada. Revelou-se um repórter excepcional. Quando deixei Visão por Manchete, ele foi comigo; e, como meu número dois, foi fundamental na transformação da revista em publicação de prestígio, enfrentando a poderosa O Cruzeiro. Quando fui para Senhor, não o levei comigo: era evidente que se tratava de um cavalo de raça, pronto para ganhar corridas.
“Não deu outra: acabou fazendo do Jornal do Brasil um dos melhores diários da história da imprensa brasileira. Trabalhei ali sob o comando dele. Mais tarde, foi preciso ter muita coragem para implantar a crítica de jornais, pois arriscou suas relações com proprietários e até colegas. Sustentou sua filosofia até hoje. Nunca soube de terem estudado a fundo o muito que contribuiu para o jornalismo. Aos 80, Dines está atualizadérrimo e tão entusiasmado como sempre”.
Nahum comentou também outro jornalista de alto nível citado na matéria, Ewaldo Dantas Ferreira, e um não citado, Alves Pinheiro, o grande chefe de reportagem de O Globo:
“Ewaldo era dos grandes, grandes craques. Meu mestre, Alves Pinheiro, foi aposentado e se suicidou algum tempo depois por não suportar a vida longe da redação”.
E Nahum? Nahum tem dificuldade de conseguir emprego porque, sendo seu sobrenome Sirotsky, todos acham que é rico e não precisa de dinheiro. Ele é Sirotsky, é primo dos donos da RBS, que transformaram um tabloide que enfrentava o tradicionalíssimo Correio do Povo, do grupo Caldas Júnior, na semente de um poderoso e competente império de comunicação. Mas não é sócio dos primos, vive de salário.
Como mostra o caso de Alves Pinheiro, jornalista que é jornalista não pode ficar longe da redação. E há um caso em que este sonho se realizou: Henrique Veltman, que foi secretário de redação de O Globo, que criou um bom jornal no litoral paulista, não se conformou em ficar de fora. Tanto lutou que está no DCI, como editor de Política. E, com certeza, é um editor que conhece seu tema.
Toque de silêncio
Voo 6009 da Avianca, do Santos Dumont a Congonhas, saída às 14h25 com chegada prevista às 15h23. Mas por algum motivo houve uma briga entre a tripulação que deixava o avião e a que assumia o comando, e os passageiros foram deixados de pé por uma hora no corredor de embarque. Entre eles, crianças, idosos e a mãe, de 85 anos, de uma assídua leitora desta coluna.
Alguém pediu desculpas, ao menos? Ora, caro leitor, em que país o amigo pensa que está? E de onde o colunista tirou esta notícia? Dos meios de comunicação é que não foi: fez-se um estridente silêncio em torno do tema. Terá sido para evitar críticas a um anunciante? Não, nada disso: a Avianca, se anuncia, é pouquíssimo. É apenas desconhecimento do que ocorre na cidade e no país.
E, se é para não saber nem o que ocorre na cidade e seus arredores, para que pagar por veículos de comunicação?
A lei, ora a lei
O caro leitor certamente não deve lembrar-se, porque nunca teve qualquer motivo para notá-la, mas existe uma agência nacional de telecomunicações, que atende (se é que atende) pelo nome de Anatel. Então, vamos lá: em São José dos Campos, SP, pertinho de um bom aeroporto, grudada no ITA, Instituto Tecnológico da Aeronáutica, entre São Paulo e Rio, existe uma rádio pirata transmitindo em 1.290 kHz AM. A Anatel sabe disso? Se não sabe, deveria saber, porque muita gente já reclamou oficialmente. Esta rádio tem antena em área de preservação ambiental. Mas será tão discreta que passe despercebida? Não: retransmite a programação ESPN-Estadão.
E a Anatel, que é que faz? Este colunista não tem a menor ideia: cuidar da internet é que não é, porque as provedoras de banda larga continuam vendendo muito e entregando pouquinho, pouquinho, a preços altinhos, altinhos.
Izaías na praça
Dramaturgo, e da melhor escola: a do Teatro de Arena, onde também foi ator e diretor. Redator de amplo sucesso na publicidade. Forte participação política que o levou à prisão, na época da ditadura militar.
Izaías Almada, que viveu muitos anos em Portugal e está de volta ao Brasil, lança seu quarto livro: Sucursal do Inferno. Um livro de ficção, abordando o Brasil de hoje, as formas de ganhar dinheiro com a credulidade popular, histórias tão verossímeis, tão conhecidas de todos nós, que é preciso relembrar a cada momento que os personagens não são reais e que, como advertiam antigamente os filmes americanos, “qualquer semelhança com personagens da vida real é mera coincidência”.
Não, não é mera coincidência. E vale a pena ler o livro com toda a calma. O lançamento ocorre dia 12/4, quinta-feira , na Livraria da Vila, Rua Fradique Coutinho, 915, São Paulo. A partir das 18h30.
Bom teatro
Comunicação não é só jornal, nem é só distribuição em massa – e o Teatro Folha, com uma bela programação, atende a quem está em busca de um tipo de cultura dos mais tradicionais e influentes da História. E é lá que uma boa comédia acaba de estrear: Cem dicas para arrumar namorado, com Daniele Valente, atriz talentosa, baseada num texto da própria Daniele Valente. A peça foi escolhida para comemorar os dez anos de Teatro Folha, no Shopping Higienópolis, SP.
A grande geleia
Um texto praticamente isento de acertos, publicado num grande portal informativo: chama de suspeito quem suspeito já deixou de ser, repete conceitos, um excelente mau exemplo:
** “Um policial militar à paisana reagiu a um assalto no (…), na Liberdade, região central de São Paulo, e feriu dois suspeitos feridos (…) Outros dois suspeitos fugiram com R$ 200. O grupo foi surpreendido pelo PM,que estava no banheiro. Quando ele anunciou voz de prisão, houve troca de tiros. Os dois suspeitos foram presos e estão internados no Hospital do Servidor Municipal.”
Não é ótima essa história de ferir os feridos e anunciar voz, além de chamar de suspeitos os cavalheiros apanhados em flagrante quando promoviam um assalto e que reagiram a bala?
Como…
De um grande portal informativo da Internet:
No título: “Mulher perde indenização por ficar grávida tomando pílula de maneira errada”
No texto: “Mulher pede indenização por ficar grávida tomando pílula indevidamente”
Pede ou perde? Você decide. Este colunista não opina nesses casos: é do tempo em que as moças ficavam grávidas usando outros métodos.
…é…
De um grande jornal impresso:
** “Por ter feito dois dos três gols e dado o passe para William marcar o dele, Liedson mostrou boa mobilidade e reascendeu o faro do gol”
É notável: mesmo corrigindo a grafia das palavras (“reacendeu”, em vez de “reascendeu”, que quer dizer “subir novamente”), a frase continua sem sentido.
…mesmo?
Título de um grande jornal impresso:
** “Morar só depois dos 70”
Não, caro leitor: não é o que parece, que a pessoa citada só tenha conseguido domiciliar-se depois dos 70 anos de idade. Pelo que diz a matéria, trata-se de pessoas com mais de 70 anos que optam por morar sós. Nada que uma vírgula bem colocada não resolvesse.
É…
Do rádio, em notícia sobre a região serrana do Rio:
** “Despencou uma queda de barreira”
…desse…
De um grande portal noticioso:
Título: “Jaguatiricas”
Texto: “Uma jaguatirica macho foi capturada (…)”
Melhor: boa parte do texto chama a jaguatirica de “onça”. É parente, sem dúvida, embora não se conversem. Ambos os bichos são felinos. Só que a jaguatirica é parente muito mais próxima do gato do mato. Uma onça tem algo como 20 vezes o peso de uma jaguatirica.
…jeito
Do rádio, de novo:
** “Os dois se encontravam perdidos”
Se estavam perdidos, como é que se encontravam?
Mundo, mundo
O título de um grande portal de notícias é notável:
** “Gêmeos são detidos após fazerem flexões de braço no meio de avenida em Salvador”
Claro que não é bem isso: parece que, não apenas em Salvador como em todo o território nacional, as flexões de braço não são motivo para detenção.
O que aconteceu, segundo o próprio portal noticioso: um cavalheiro guiava perigosamente numa das avenidas mais movimentadas de Salvador, o carro rodopiou e ele, acompanhado do irmão gêmeo, que estava no banco do passageiro, desceu e começou a fazer flexões de braço no meio da avenida, provocando imenso congestionamento e criando risco de acidentes.
Foram então detidos – os dois, já que ninguém conseguia identificar o motorista e o carona.
E eu com isso?
Como é possível varrer uma rua sem saber quem é quem no Big Brother Brasil, ou desconhecendo a biografia de Michel Teló? Um recente concurso público para garis exigiu conhecimentos profundos de programas da Globo e de Teló. Ou seja, até para arrumar emprego é o conhecimento do frufru que importa.
** “Reynaldo Gianecchini beija Marilia Gabriela na boca e diz 1eu te amo’”
** “Repórter dorme durante telejornal ao vivo”
(Foi nos Estados Unidos. Aqui o noticiário é mais trepidante, a gente sempre está esperando, superacordado, para ver quem é o ladrão da vez.)
** “Noivo de Gracyanne, Belo faz tratamento para emagrecer até seu casamento”
** “Jennifer Lopez usa anel de diamantes de R$ 3,8 milhões em programa de TV”
** “Famosos contam suas lembranças de Páscoa”
** “Joan Jett cativa público com músicas novas e reboladinha em festival”
** “Grávida, Cláudia Leitte janta com o marido”
** “Natalie Portman esconde filho dos fotógrafos”
** “Transformar amigo em amante requer mudanças”
** “Anne Hathaway aparece de cabelos curtíssimos para novo filme”
O grande título
Há coisas muito boas na semana (entre elas, um título imbatível). Comecemos com os que são apenas bons e ótimos:
O primeiro é sobre o caso do meia Oscar, que jogava no São Paulo e se transferiu para o Inter de Porto Alegre, provocando uma disputa judicial:
** “O meia (…) já foi condenado a retornar ao São Paulo”
Maldade: jogar num grande clube como o São Paulo não pode ser tão ruim assim.
Um belo título, na área enigmática:
** “Que será, que será? – Mega-Sena pode prêmio de R$ 5 milhões neste sábado”
Outro título muito bom, mostrando o que é, para o Senado, defender a honra nacional:
** “Senado se recusa a receber autor de ‘chute no traseiro’”
O melhor título, sem dúvida, é a respeito de uma medida da área econômica, adotada por ordem do governo:
** “Banco do Brasil reduz e aumenta crédito para pessoas físicas, micro e pequenas empresas”
Assim que este colunista descobrir se o crédito foi aumentado ou reduzido fará questão de contar para o caro colega.
***
[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]