Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O lado podre da maçã

Na semana retrasada, o principal executivo da Apple, Tim Cook, esteve na China. Visitou lojas e encontrou o vice-primeiro-ministro, Li Keqiang. Mas as fotos distribuídas pela Apple à imprensa foram da visita de Cook a uma fábrica da Foxconn. A Apple é realmente muito boa de marketing. Não por coincidência, na quinta passada (5/04) saiu o relatório da Fair Labor Association (FLA), a auditoria que investigou as condições de trabalho em três grandes fábricas da Foxconn na China de onde vêm os iPods, os iPhones e os iPads.

Estamos falando da empresa mais valiosa do mundo, da economia que mais cresce no planeta e do maior fabricante de eletrônicos da Terra. Estima-se que a Foxconn, sediada em Taiwan, produza cerca de 40% dos eletrônicos do mundo, incluindo aparelhos da Amazon, da Dell e da HP. Só na China ela emprega 1,2 milhão de pessoas. O resultado da auditoria é feio. E isso é bom porque contraria a expectativa de ativistas de que o relatório tinha sido encomendado para acobertar a realidade.

Razões para o ceticismo não faltaram. A FLA recebe dinheiro de empresas como Nike e, desde janeiro, também da Apple. Janeiro foi o mês em que saíram duas reportagens fundamentais do New York Times mostrando as violações dos direitos de trabalhadores na China. O presidente da FLA, Auret van Heerden, havia dito em fevereiro que as fábricas da Foxconn eram “de primeira classe”.

Maioria deseja horas-extras

Meses antes de morrer, o mítico Steve Jobs (1955-2011) dizia que as fábricas eram ótimas, “com restaurantes, cinemas, hospitais, piscinas”. Sobre os suicídios – dez no primeiro semestre de 2011 –, disse que o percentual era menor do que nos EUA! Em pelo menos uma fábrica a medida foi colocar aquelas redes de quartos de criança.

A Apple audita fornecedores desde 2006. Quem era o responsável pelos fornecedores antes de virar presidente-executivo? Justamente o capitão Cook, como o chamam alguns jornalistas chineses numa referência ao célebre explorador britânico James Cook (1728-1779), que ajudou a colonizar o Oriente. Esses relatórios estão no site da Apple. Entre os descalabros, havia registros de trabalho infantil, discriminação com base em exames médicos e de gravidez e estrangeiros que, para poder trabalhar, acabam endividados com o agenciador. Foi na fábrica de Zhengzhou que quatro pessoas morreram e 18 se feriram numa explosão no ano passado. Outra explosão feriu 59 em Xangai. A Apple se disse “profundamente triste”, mas não conseguiu evitar as explosões, mesmo inspecionando Xangai horas antes do acidente.

A FLA entrevistou 35 mil numa fábrica em Zhengzhou e em duas em Shenzhen. Em Shenzhen, apenas 1% da mão-de-obra é local. Quase todos são imigrantes fugindo de situação pior. Eles vêm de outras regiões da China ou de países como Tailândia, Indonésia e Vietnã. A média etária é de 23 anos. O saldo são pelo menos 50 violações tanto de leis chinesas quanto dos códigos da FLA e da Apple. 43% dos operários disseram ter sofrido ou visto alguém sofrer acidente de trabalho. Os sindicatos são controlados pelos patrões. As fábricas não cumprem o limite de horas-extras nem as pagam corretamente. Quase metade diz que o salário não cobre as despesas mínimas, por isso a maioria se sujeita e deseja as horas-extras.

O mercado gostou

Em 2006, Apple e Foxconn já prometiam reduzir horas-extras. Em 2012, Apple e Foxconn se comprometem a remediar problemas. Mas quando? A Foxconn empurra para julho de 2013 o cumprimento do limite legal chinês de um máximo de 49 horas semanais de trabalho. Ela se deu o direito de ficar fora da lei até lá, no país do clone HiPhone, onde a Apple pretende vender uns 40 milhões de iPhones neste ano. No código da FLA, o limite é 60 horas semanais.

Enquanto isso, a Apple acumulou US$ 98 bilhões. A ação passou a valer mais de US$ 600 em março. Um ano antes, estava na casa dos US$ 300. A empresa resolveu distribuir US$ 35 bilhões em dividendos em julho. Vai gastar outros US$ 10 bilhões em recompra de ações a partir do próximo ano fiscal.

O mercado gostou. Ah, o mercado…

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[Marion Strecker é jornalista, cofundadora e correspondente do UOL em San Francisco]