Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Um estímulo à pesquisa

Disciplina integrante do currículo dos cursos de jornalismo, no mundo inteiro, a História do Jornalismo procura situar os futuros praticantes do ofício diante dos acontecimentos que marcaram o desenvolvimento das rotinas de produção, estimulando as novas gerações a registrar com fidedignidade os fatos de interesse público, contextualizando-os no tempo e no espaço.

Para subsidiar o trabalho didático dos mestres e o aprendizado dos estudantes, foi sendo constituído um acervo historiográfico que se tornou referência internacional, influindo no modo de compreensão dos fenômenos jornalísticos. Como adverte claramente Georges Weill em seu clássico ensaio Le Journal: origines, évolution et role de la presse periodique (1934), essa ótica dominante atrela o conhecimento histórico do jornalismo a quatro nações – Alemanha, Estados Unidos, França e Inglaterra – que desfrutam de hegemonia cognitiva nesse e em outros campos do saber. Tanto assim que ao providenciar sua tradução para a língua espanhola (1941), a editora mexicana Fondo de Cultura Económica viu-se na contingência de acrescentar um apêndice sobre “Jornalismo e Jornalistas da América Espanhola”. Numa perspectiva pedagógica, o referido autor anota também que é “complexa e difícil” a tarefa dos seus historiadores, pois o jornalismo “não pode isolar-se da história geral da civilização”.

Compreende-se, portanto, o cuidado dos narradores dos episódios e das circunstâncias que configuram o desenvolvimento do jornalismo, limitando sua abrangência ao panorama nacional. Essa orientação nacionalista turva a compreensão dos fatos históricos pelos futuros jornalistas, exigindo prontidão intelectual dos professores da matéria para interpretar os relatos procedentes da bibliografia forânea. Obras consagradas como as de Pierre Albert e Fernand Terrou (França), Harold Herd (Inglaterra), Giuliano Gaeta (Itália) ou Edwin Emery (Estados Unidos) devem ser lidas com muita atenção e acurácia redobrada para evitar transposições literais das narrativas ao contexto doméstico.

Existem naturalmente incursões historiográficas bem sucedidas, buscando construir narrativas holísticas ou panoramas comparativos, como as que foram empreendidas precocemente na América Latina por historiadores do calibre do brasileiro Carlos Rizzini (1946), do cubano Octavio de la Suarée (1948) e do boliviano Gustavo Adolfo Otero (1959). Elas se antecipam às exigências dos tempos presentes, correspondendo às obras preparadas pelo inglês Anthony Smith (1979), pelo italiano Giovanni Giovanini (1984), pelo norte-americano Mitchell Stephens (1988) ou pelo espanhol Alejandro Pizzaro Quintero (1994).

Fonte de apoio

Lamentavelmente, o cenário brasileiro mostrou-se desalentador, na última década do século passado, com a indigência dos estudos históricos nos cursos superiores de jornalismo. Trata-se de um tipo de conhecimento que foi praticamente minimizado e em alguns casos suprimido da formação curricular dos futuros jornalistas. Não só o estudo histórico da civilização, mas até mesmo a valorização da história profissional. Em boa hora, a cruzada empreendida pela Rede Alfredo de Carvalho logrou incluir a História da Imprensa na agenda das celebrações do bicentenário de 2008 (quando o Brasil supera o estatuto colonial e se converte em Reino Unido a Portugal, episódio que conduziu à independência nacional em 1822).

Os efeitos dessa ofensiva já se fazem sentir claramente. O relatório da pesquisa posdoutoral de Aline Strelow (2011) comprova que o interesse pela História do Jornalismo não apenas retornou ao campus, mas vem crescendo significativamente. Sua análise do conteúdo de uma amostra de periódicos da área de Comunicação Social, no período 2000 a 2010, demonstra que a História do Jornalismo ocupa o primeiro lugar na lista dos “campos teóricos” referidos e o terceiro lugar na lista dos “temas” estudados.

Tais evidências motivaram a publicação do livro História do Jornalismo, que reúne três conjuntos de análises críticas do Jornalismo: os processos, as conjunturas e os narradores. Sem pretender reduzir a historicidade dos fenômenos jornalísticos ao panorama nacional, foi inevitável tomar o espaço brasileiro como ponto de referência. Tenho a convicção, como já adverti em obras anteriores, de que, apesar de sua vocação universal, o jornalismo, tal qual praticado no presente, ainda permanece ancorado nas realidades nacionais que lhe dão sentido e das quais se nutre cotidianamente.

O autor não tem a pretensão de contrapor-se às obras analíticas que conquistaram reconhecimento nacional, nem tampouco substituir os manuais didáticos recém lançados, almejando servir como fonte de apoio para a interpretação comparativa e o aprofundamento dos registros didáticos ou investigativos.

Modestamente, sua aspiração é estimular a pesquisa histórica do jornalismo, tanto nos cursos de graduação quanto nos programas de pós-graduação, restabelecendo a indispensável articulação com as demandas sociais.

Tal paradoxo está explicado com clareza e sensibilidade nas conclusões do estudo de Aline Strelow:

“As rotinas produtivas em jornalismo constituem a base de um número representativo de trabalhos, em uma tentativa de fazer dialogar academia e mercado, de produzir ciência olhando para a realidade.”

Mas o arremate da jovem pesquisadora é contundente e convincente:

“Embora tenha crescido o interesse pelo estudo das rotinas produtivas, a pesquisa em jornalismo no Brasil segue com escassa relação com o mercado de trabalho. Intensificar essa relação para fazer valer a prática científica é um dos principais desafios os quais precisamos nos impor”.

Referências bibliográficas

Albert, Pierre e Terrou, Fernand – 1979 – Histoire de la presse en France, Paris, PUF

Emery, Edwin – 1962 – The Press and America, 2ª. ed., New Jersey, Prentice-Hal (Tradução brasileira: História da Imprensa nos Estados Unidos, Rio de Janeiro, Lidador, 1962)

Herd, Harold – 1952 – The March of Journalism – The story of the British Press, Londres, Allison & Unwin

Gaeta, Guiliano – 1969 – Storia del Giornalismo, Milano, Vallardi

Giovannini, Giovanni – 1984 – Dalla Selce al Silicio, Torini, Gutenberg (tradução brasileira: Evolução na comunicação, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1987)

Otero, Gustavo Adolfo – 1959 – La cultura y el periodismo en América, Quito, Liebmann

Quintero, Alejandro – 1994 – Historia de la prensa, Madrid, Ramón Arce (tradução portuguesa: História da Imprensa, Lisboa, Planeta, 1998)

Rizzini, Carlos – 1946 – O livro, o jornal e a tipografia no Brasil, Rio de Janeiro, Kosmos

Smith, Anthony – 1979 – The Newspaper. Na International History, London, Thames and Hudson

Stephens, Mitchell – 1988 – From Tantan to Satelity, (tradução brasileira: História das Comunicações, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1993)

Strelow, Aline – 2011 – O estado da arte da pesquisa em jornalismo no Brasil, 2000 a 2010, S. B. do Campo, UMESP

Suarée, Octavio de la – 1948 – Socioperiodismo, Havana, Cultural

 Weill, Georges – 1934 – Le Journal: origines, évolution et role de la presse periodique (Tradução mexicana: El diário, Mexico, Fondo de Cultura, 1941)