Do ponto de vista jornalístico, é para lá de bizarra uma declaração feita em meio à reportagem da CartaCapital “Os desinformantes. Gravações mostram que a relação entre Veja e o grupo de Cachoeira pouco tinha a ver com jornalismo” (9/5).
Trata-se de passagem que recapitula matéria de capa da Veja chamada “O poderoso chefão. O ex-ministro José Dirceu mantém um ‘gabinete’ num hotel de Brasília, onde despacha com graúdos da República e conspira contra o governo da presidente Dilma” (31/8/2011). Reza assim:
“Goste-se ou não de Dirceu (e CartaCapital não tem nenhum apreço especial pelo ex-ministro; destaque meu), qual a relevância da divulgação de encontros feitos à luz do dia em um local público da capital federal (…)?”, etc.
Ironia: o trecho vem logo depois de uma louvação ao bom jornalismo, a propósito dos desdobramentos do Inquérito Levenson, que examinou as atividades de Rupert Murdoch na Grã-Bretanha.
Quer dizer que a CartaCapital “não tem nenhum apreço especial pelo ex-ministro”? Como foi aferida essa falta de apreço? Pesquisa, votação entre os jornalistas? Ah, é idiossincrasia da direção da revista? Deveria estar, então, num editorial? Mesmo assim, a coisa soaria estranha: “Não gostamos de Fulano. Bobo. Feio. Malvado”.
A propósito: qual é o problema da revista com Dirceu, que atos ou palavras dele provocaram o desapreço? Não é assunto público? Por que, então, proclamar o desapreço?
Jornalismo interesseiro
Pode haver uma explicação conjuntural: na gravitação em torno do sol (Palácio do Planalto e seus vastos poderes), os cotovelos se chocam. A Veja diz que Dirceu é adversário de Dilma. A CartaCapital malha a Veja,em episódio no qual o ex-ministro esteve na berlinda, mas faz a ressalva: não temos nada a ver com Dirceu, viu, chefia?
A explicação estrutural não é tão complicada quanto se poderia temer: essas revistas, excetuadas as matérias de informação e análise − com certa frequência de boa qualidade −, fazem jornalismo menos para informar do que para, pretensamente, influenciar. Mas influenciar, paradoxalmente, quem já tomou partido.
Nesse teatro, não se sabe se as duas publicações desavindas buscam fazer a cabeça de seus leitores ou se tentam adular − com capas contundentes, títulos fortes, textos repletos de estudada veemência – conceitos e preconceitos que cada “lado” já cultiva.