Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Entre dinossauros e mulas

Estudantes de Jornalismo costumam ser pensadores, mas só na universidade. Na redação isso muda. São muito críticos quando falam dos políticos, ou depois de assistirem às gafes dos colegas. A CartaCapital e o quadro “Top Five”, do programa CQC, transmitido pela TV Bandeirantes, são doutores no assunto. O Observatório da Imprensa nasceu para isso. Aos olhos dos futuros jornalistas esse tipo de apontamento é fantástico. Aplaudir o dinossauro Alberto Dines e o OI é o mínimo que se pode fazer.

É bem verdade que jornalista erra muito. O autor deste texto, por exemplo, ainda não pegou a fórmula para cravar o roteiro e as sinopses de cinema a fim de bem servir seus leitores, em uma página de serviço, no principal jornal de Santa Catarina. Mas, saber que esses erros existem e corrigi-los não basta. Prefiro dizer aos interlocutores que eles poderiam acompanhar um noticiário melhor elaborado por nossas linhas editoriais e jornalistas. Mas nossos leitores sequer têm a vez de julgar a imprensa brasileira. Está tudo pronto. Nada de vara de pesca, em vez disso, peixe fresco.

Tenho essa propriedade para falar de jornalistas formados (em formas) e de jornalistas em formação porque convivo com duas espécies de profissionais: os dinossauros do Diário Catarinense e as mulas ainda em formação da Universidade do Sul de Santa Catarina, a Unisul. Na universidade, sou mais atuante do que no jornal, mas em ambos analiso o modo como meus colegas conduzem suas carreiras.

Um tesouro nas mãos

Não quero comparar a qualidade dos que estão chegando à desses que aí estão. Em certos aspectos seria desleal. Os profissionais que já atuam têm a seu favor a experiência, a agilidade. São precisos, os macacos velhos. Já adquiriram técnica (algumas raras exceções até somam técnica a outras ferramentas, e isso resulta em jornalismo). Em contrapartida, os universitários, os bons universitários, estão livres das formas, estão experimentando. Eles demoram muito para escrever uma reportagem, esquecem os nomes das fontes, mas a falta de forma torna suas matérias diferentes, surpreendentes.

Pretendo colocá-los no mesmo cesto, chacoalhar bem para se misturarem e trocarem ideias. Depois, chamar-lhes a atenção para outra questão. Dinossauros e mulas têm que escrever para despertar a visão crítica da sociedade. Quando se faz jornal, há uma preocupação com o impacto da edição. Nas aulas de Análise do Discurso – na Unisul – contaram para nós, as mulas, que existe um leitor virtual criado por quem escreve. Temos que agradá-lo quando sentamos a bunda na cadeira para digitar, digitar, digitar e digitar.

Pois bem, se os jornalistas e as mulas têm consciência de que precisam agradar a um leitor virtual, que seja de boa-fé. Para ser ainda mais utópico: que seja para formar leitores críticos, como um dia foram as mulas. Formar leitores críticos e formar opinião são posturas distintas. A professora Cremilda Medina estragou a festa quando nos contou, em Notícia, um produto à venda, que o buraco é mais embaixo e que há bastante tempo é praticado um jornalismo responsável por mudar a conta bancária de muita gente. Quanto mais eu leio a imprensa, mais sinto prazer em ler literatura. Lá, as pretensões são claras: narrar a ficção. Já a imprensa segue outra fórmula: narrar a história, baseada na verdade. Mas a verdade é tão suja que é melhor brincar com o interlocutor. Fazer jornalismo sem reflexão. Destruir a credibilidade de uma profissão.

Mulas! Dinossauros! Dinossauros e mulas. Diariamente, nós temos um tesouro em nossas mãos. Ele está bastante desvalorizado, é verdade. Mas poderá chamar-se joia rara depois que os dinossauros se reinventarem e que as mulas ocuparem as redações.

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[Nícolas David é estudante, Florianópolis, SC]