Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Competitividade das TICs no Brasil

No elevador, indo para o trabalho, um executivo pergunta como andam as coisas. O outro responde que está tudo como dantes, que o problema é a complicação Brasil, o ambiente de negócios, as regras trabalhistas e mais um bocado de coisas. Lamentam que se leve, aqui, tanto tempo para perceber e realizar nosso potencial. Que se perca tempo, recursos, energia… para muito menos do que seria possível fazer.

Certo. Mas… o que as tecnologias de informação e comunicação (TICs) têm a ver com isso? O déficit de eletroeletrônica e software vai beirar US$ 50 bilhões em breve. E o governo está tentando descobrir formas de “incentivar” a indústria e os serviços nacionais. Para a indústria de software e serviços habilitados por TICs (como call centers), mudou a regra da contribuição trabalhista, que passou a ser sobre o faturamento e não sobre os salários. Para semicondutores, está reduzindo a obrigação de investimento em pesquisa e desenvolvimento em 60%.

Está em discussão a política de compras públicas para o setor e há regras de nacionalização para as novas infraestruturas de mobilidade. E haverá uma política para software e recursos para inovação e risco. Em alguns lugares, há preocupação e urgência. Mas boa parte do que está sendo feito não ataca os problemas de fundo que têm impedido, há décadas, o desenvolvimento de negócios de classe mundial, de ou intensivos em TICs, no país. E as razões estão na lista dos “fatores mais problemáticos” para fazer negócios no Brasil: altos impostos, complicação tributária, infraestrutura deficiente, legislação trabalhista restritiva, burocracia estatal ineficiente, má qualidade da formação do capital humano e por aí vai.

O desfecho da história

Como esses problemas são estruturais e sua solução exige uma combinação de coragem e determinação em todos os níveis, o que parece não ser o caso, quem (no governo) está tentando melhorar as condições competitivas para as empresas nacionais se vira como pode, literalmente. Como no caso da mudança na alíquota de contribuição trabalhista: para empresas de TICs intensivas em capital humano (como fábricas de software e call centers), a nova situação faz todo sentido e diminui o “custo Brasil”.

Mesmo que não crie capacidade competitiva internacional, melhora as chances de competir no próprio mercado brasileiro. Já para empresas de alto valor agregado por colaborador (pense Google ou Microsoft, ou pequenas empresas inovadoras), a regra não faz sentido. Mesmo assim, o governo insiste em que será aplicada ao pé da letra. No caso da indústria de semicondutores, o problema é histórico: a complicação e custos do Brasil não parecem permitir a existência, aqui, de fábricas de chips capazes de competir no mercado externo. E não se sabe, em outro lugar do mundo, de fábricas que sejam competitivas (e deem resultados para seus acionistas) em mercados fechados.

Esse parece ser um daqueles mercados tipicamente globais. Mas o país insiste, há décadas, em uma política que, mudados os rótulos e o tempo, é de substituição de importações, pela via de incentivos, isenções e diminuições de alíquotas desse e daquele imposto, similar à que levou fábricas para o Nordeste à época da Sudene. Não é preciso, aqui, repetir o desfecho daquela história.

Alguém terá de “mexer na poupança”

O governo federal tem muitos gestores e servidores competentes e a vasta maioria deles conhece de cor e salteado a problemática dos mercados e indústria de TICs, chips, hardware e software, no Brasil e daqui para o mundo.

Muitos têm, também, vontade de fazer o que tem de ser feito para tornar o país internacionalmente competitivo. Mas pouquíssimos têm poder para redesenhar a grande máquina estatal, essencial para que o estado de coisas mudasse para valer.

Alguém, em algum lugar e hora, terá de “mexer na poupança” da economia de TICs, reescrevendo em larga escala as regras que nos tornam tão pouco competitivos. Até lá, apesar dos melhores esforços de muitos e competentes abnegados, nada de significativo vai acontecer.

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[Silvio Meira é fundador do www.portodigital.org e cientista-chefe do www.cesar.org.br]