Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Os mundos paralelos da grande imprensa

Como pode uma verdade ser contada de duas maneiras diferentes de forma a que pareça negativa ou positiva? Jornalistas sabem bem como. Se o número de postos de trabalho cresceu do último mês para o atual e se caiu com relação aos últimos três anos e ambas as afirmações são verdadeiras o que leva a que uma ou outra seja a escolhida para o título de uma matéria?

Ora, um jornalista só vai procurar o que aconteceu há exatamente três anos (por que três e não dois? ou quatro?) se for incumbido da missão de encontrar motivos para o uso da palavra crise. Que graça tem a bonança? Mas também não é preciso ser tudo bom. É possível se fazer uma matéria falando que “apesar do que aconteceu há um ano”, a média atual é melhor.

Os jornais O Globo e O Dia de sexta-feira (18/5), parecem provar que a teoria da relatividade, de Albert Einstein, pode ser aplicada ao jornalismo. Trazem matérias sobre o mesmo assunto que rivalizam em enfoque e exemplificam com primazia o problema colocado aqui.

O Dia anuncia: “Mais de 200 mil empregos em abril”. E prossegue no lead: “o mercado oferece cada vez mais oportunidades aos trabalhadores brasileiros”. Já O Globo lamenta: “Criação de empregos é a menor em três anos”, tasca a “crise” no subtítulo e abusa de termos negativos.

Dois mundos

A matéria de O Globo em nenhum momento traz uma única palavra positiva. Estaria quem a escreveu de mau humor? Por esse prisma, o jornalista de O Dia devia estar em momento eufórico. Mas não. Ele pesou os prós e contras e não foi procurar dados suspeitamente antigos.

O Dia informa o lado ruim – “redução em relação a abril de 2011” – sem deixar de informar o bom: “o desempenho do mercado de trabalho em abril foi o melhor do ano”. Já O Globo assinala já no 1º parágrafo que o Brasil teve “o pior desempenho desde abril de 2009”. No entanto, depois disso, não dá nenhuma brecha a contrapontos.

Mas, esperem, em 2009 o presidente não era Lula? Será que O Globo insinua que o governo do ex-sindicalista foi melhor para os trabalhadores do que o de Dilma? Estranha defesa súbita daquele a quem eles sempre atacaram. Não, não é nada disso. A questão é que se voltassem mais no tempo e comparassem com o governo FHC, aí Dilma ganharia de goleada e a matéria teria que ter pelo menos uma palavrinha positiva. É dura a vida dos jornalistas.

E os que escreveram essas matérias parecem viver em mundos paralelos, universos opostos, longínquos um do outro (ou será que são ou seus patrões que vivem?). Um jornal como O Globo – que tanto gosta de cobrar que se vejam os “dois lados” – pode ficar míope em determinados assuntos?

Ah, mas questões trabalhistas são um prato cheio para a miopia global. Desde João Goulart é assim. As Organizações Globo vivem em um mundo, a sociedade em outro. E não precisam mentir para manipular. Basta omitir e inverter a verdade.

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[Ana Helena Tavares é jornalista]