Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Pela ampliação das perspectivas de pesquisa

O futebol tem transitado para além da editoria de Esportes com a proximidade da Copa de 2014. Todavia, nos estudos da Comunicação o tema ainda carece de uma diversificação nas pesquisas em razão da importância que a modalidade tem na vida social brasileira. Com o objetivo de aprofundar esse debate, o Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (Cepos) e o Grupo de Pesquisa Semiótica e Culturas da Comunicação (GPESC), numa parceria entre os Programas de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), organizaram o ciclo de debates “Futebol é Comunicação”, que ocorreu nos dias 17, 18, 23 e 24 de abril em Porto Alegre.

O evento contou com a presença de pesquisadores da área, como o professor Édison Gastaldo, do Departamento de Letras e Comunicação da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e do grupo de pesquisa Esporte e Cultura (UERJ), um dos maiores especialistas brasileiros da relação mídia e futebol. O objetivo do ciclo foi estimular os estudos na interface comunicacional com o futebol como objeto na área de Ciências Humanas. Para isso, a proposta focou em discussões acerca da inserção da modalidade na Comunicação, no Cinema, no Jornalismo, na Economia e na Cultura.

Na fala de abertura, Gastaldo enfatizou a dificuldade que existe em torno deste objeto empírico, já que “todo mundo que pesquisa temas relacionados ao tempo livre, lazer, esporte ainda sofre preconceito no meio acadêmico”. Entretanto, tais obstáculos devem servir de estímulo para que ainda mais estudantes se interessem e busquem analisar esses fenômenos. Os atos comunicativos que envolvem o futebol avançam para fora dos estádios. Aliás, conforme Gastaldo, o público dos jogos não pode ser comparado em números com as audiências dos jogos transmitidos no rádio e na televisão.

História contemporânea e identidade nacional

O consumo da modalidade tem crescido através dos processos midiáticos e constitui uma área instigante para observação, sobretudo do comportamento dos torcedores. As altas cifras das transmissões de jogos também contribuíram para esse aumento. Segundo o mestrando em Comunicação Anderson Santos, que analisa a comercialização de direitos televisivos do futebol, a mercantilização dessa área se expandiu ainda com mais força nas instituições esportivas a partir dos anos 2000.

Essas transformações, aliadas a certa profissionalização, elevaram o custo do futebol no Brasil. O diretor executivo de marketing do Internacional, Jorge Avancini, alerta que os clubes precisam mudar as respectivas concepções administrativas, visto que os altos salários de jogadores e técnicos se tornarão insustentáveis em um curto espaço de tempo. Times vencedores necessitam formar talentos, mas isso também tem um alto preço. O dirigente aponta que as equipes não podem concentrar investimentos somente em torno do departamento de futebol, ampliando a busca de receitas para outras áreas, como o lazer, por exemplo.

Nas manifestações artísticas, o futebol sempre manteve relações com a literatura e o cinema. Ainda assim, a crítica cinematográfica normativa no Brasil discursa que os filmes não conseguem reproduzir o jogo de futebol com competência. Segundo a mestranda em Comunicação e Informação Ana Maria Acker, que estuda a modalidade no audiovisual brasileiro de 1995 a 2012, esse tipo de discurso não poderia impedir a análise de obras que de algum modo tratam desse esporte.

A narrativa do futebol não está somente no jogo em campo. Olhar para esse entorno de imagens vai ajudar a compreendermos como nos vemos, de que forma esse futebol foi mudando também a partir do cinema. Já o mestre em História Rafael Quinsani observa que o jogo das telas é um meio importante para se pensar questões da história contemporânea e de identidade nacional. Sobre isso, é interessante observar que futebol e cinema se firmaram na cultura de massa quase que simultaneamente.

Perspectivas diferenciadas

A importância de tratar do assunto também abarca as mudanças ocorridas na profissão do jornalista esportivo. De cronistas esportivos literatos, como Nelson Rodrigues e Carlos Drummond de Andrade, a jornalistas deste segmento factual, o jornalismo esportivo é, hoje, muito diferente do que era feito nas primeiras décadas do futebol profissionalizado no Brasil. O jornalista do SporTV Mario Marcos de Souza, que vivenciou esse processo de transição ao entrar no mercado de trabalho ainda na década de 1970, destacou a “batalha” para transformar a crônica esportiva em jornalismo esportivo, cuja uma das atividades foi tirar os chavões do discurso.

Rodrigo Oliveira, repórter da Rádio Guaíba, comentou também que uma mudança ocorrida nas últimas décadas foi o “muro” levantado entre jornalistas e jogadores, relação que tem agora a intermediação de assessores de comunicação, sejam os do clube ou dos atletas. Desta forma, ficou mais difícil conseguir notícias de forma exclusiva, resultando que todos os profissionais da imprensa têm as mesmas respostas. Segundo Rodrigo, com as novas tecnologias de informação e comunicação, a repercussão da notícia ficou mais importante que o furo, antigo objeto de desejo dos profissionais da informação.

Além disso, para ambos os jornalistas, o esporte pode ser tratado de forma diferenciada, mas não com o humor exacerbado que está sendo colocado, sobretudo na televisão. Um dos exemplos disso vem da internet, com o site Impedimento.org, especializado em futebol sul-americano e mantido como trabalho paralelo por jornalistas apaixonados pelo futebol do continente que, segundo Douglas Ceconello, um dos responsáveis, o intuito é buscar perspectivas diferenciadas através de um texto descontraído. O Impedimento também produz audiovisuais e organiza história contemporânea e de identidade nacional, o ImpedCopa.

A movimentação tática das equipes

Ronaldo Henn, jornalista e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos teceu comentários sobre a mudança no acontecimento jornalístico e nas possibilidades de cobri-lo enquanto profissional. Essa indústria em que se constituiu o futebol tem forte ligação com a indústria midiática e a análise de mudanças nas atividades profissionais, rotinas produtivas e formas nisso incluídas servem de estímulo para pesquisas acadêmicas qualificadas.

Para encerrar as atividades do Ciclo, foi apresentada a mesa Futebol é Cultura, uma afirmação que parece óbvia à primeira vista quando se trata deste esporte, mas que não é analisada sem prerrogativas “apocalípticas” por muitos sociólogos e antropólogos que estudam o assunto neste viés.

Marcio Telles, mestrando em Comunicação e Informação, analisou as mudanças no ato de torcer por conta do nosso costume em acompanhar partidas de futebol pela televisão. Como a câmera desde os seus primórdios tende a acompanhar aonde a bola vai, ficando principalmente no meio do campo, os torcedores creem que o melhor lugar para assistir às partidas nos estádios são as arquibancadas laterais – quando, na verdade, atrás dos gols (arquibancadas centrais) se pode ver melhor a movimentação tática das equipes.

Para além de conceitos preconcebidos

Mas as mudanças não pararam por aí. Sempre criticados, os árbitros definitivamente não seriam mais as autoridades do jogo, mas sim os replays, espécie de extensão de nossa visão, parafraseando o teórico Marshall McLuhan. O filósofo Celso Candido de Azambuja defende a presença das tecnologias em campo, como uma forma de acabar com possíveis injustiças, o que não impede que o “Sobrenatural de Almeida” rodrigueano continue a aparecer nos gramados.

Para Celso Candido, o futebol é um elemento importante para se entender as relações de poder e de classe na sociedade, tendo como perspectivas as mulheres, a violência e as tecnologias no jogo, o que reflete de forma mais rápida ou mais lenta os avanços do mundo. Entender o futebol como metáfora da vida seria mais importante que abordar possíveis aspectos negativos, como os pretextos alienantes que se interligam a ele.

Nesta perspectiva, o Ciclo de Debates Futebol é Comunicação conseguiu demonstrar a necessidade de se tratar de forma séria o futebol enquanto objeto de pesquisa, para além de conceitos preconcebidos que possam afastar a atividade acadêmica daquilo que é popular.

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[Ana Maria Acker, Anderson David Gomes dos Santos e Marcio Telles da Silveira são, respectivamente, mestranda em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e jornalista e especialista em Cinema; mestrando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e jornalista e pesquisador do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (Cepos); e mestrando em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e jornalista e pesquisador do Grupo de Pesquisa Semiótica e Culturas da Comunicação (GPESC)]