Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Profissão: editor

Aos 64 anos, Sergio Machado anda, “infelizmente”, com uma certa dificuldade para, como diz, embarcar na literatura. “Não passa no teste do meu pragmatismo”, explica. “Agora, pegar uma história que você sabe que é verdade, com a técnica do romance…”, empolga-se. Deve ser por isso que esse ex-funcionário da Vale do Rio Doce, que comanda, ao lado da irmã Sônia Jardim, o Grupo Editorial Record, o maior da América Latina, decidiu experimentar o outro lado de seu ofício – mas no terreno menos etéreo da não ficção. Já tem prontas 80 páginas do que promete ser uma espécie de livro de memórias, narradas, porém, “em fatias, criando suspense”.

Há muito que contar desde que, aos 24 anos, recebeu uma oferta “irrecusável” do pai, Alfredo Machado, para trabalhar com ele na Record. Era 1972. Após a morte do fundador da editora, em 1991, Sergio achou que era hora de “reposicionar a marca”. Recentemente, se viu na contingência de dar nova guinada no conglomerado carioca que dirige. “Essa empresa sempre soube se reinventar”, disse ele, orgulhoso, na entrevista exclusiva concedida a Rinaldo Gama, editor doSabático; Maria Fernanda Rodrigues, repórter; e Ubiratan Brasil, editor do Caderno 2, na sede da Record em São Paulo. Ao longo de três horas, o editor rememorou a trajetória do Grupo; analisou os impasses que cercam as negociações da Amazon com o mercado editorial brasileiro; explanou as estratégias da Record para os tempos atuais e futuros – que incluem um investimento cada vez maior na identidade das editoras e selos que formam o conglomerado, a aposta em autores nacionais e um autêntico desprendimento para olhar as oportunidades de negócios que possam surgir. “Só tem um motivo para uma pessoa não vender uma coisa: foi você que fez ou você tem uma relação especial com aquilo. Eu não tenho.” Sergio Machado passa no teste de seu próprio pragmatismo. Acompanhe.

Gostaríamos de começar com um pouco de história. A da Record é conhecida: foi fundada em 1942 por seu pai, Alfredo Machado, e Décio Abreu, cunhado dele. Mas, como tem início a sua história na editora?

Sergio Machado– Estou reunindo fatos para contar a minha história. Já escrevi 80 páginas. Meu destino estava traçado muito antes de eu ter nascido. O livro entrou meio por acaso na história da minha família. Meu pai trabalhava no jornal O Globo editando a página de quadrinhos. Certo dia, durante a Guerra, ele viu uma revista de quadrinhos que não conhecia. Comprou um exemplar, encontrou um endereço e escreveu para lá, simulando ser um agente. O valor era algo como um quinto do que estava se vendendo a HQ. Foi o suficiente para meu tio, então um homem de negócios no apogeu dos seus 26 anos, perceber ali um filão. Começava então a Record, como uma distribuidora de serviços de imprensa, basicamente quadrinhos. Eu, que nasci quando a editora já tinha seis anos, comecei a trabalhar lá com 24.

Escolha própria?

S.M.– I had an offer I couldn’t refuse. My father made me an offer I couldn’t refuse (Tive uma oferta, não podia recusar. Meu pai me fez uma oferta irrecusável). Aliás,O Poderoso Chefão é fantástico como uma metáfora dos negócios.

O que estava em jogo?

S.M.– Meu casamento. Subvenção para sobrevivência. Eu trabalhava na Vale do Rio Doce, em Vitória, e queria sair, ir para o Rio. O jeito era esse.

Queria ir para o Rio para casar ou…

S.M.– Não, ela era de Vitória, mas eu queria ir para o Rio, sair de Vitória, detestava aquilo. Meu pai tinha acabado de desfazer a sociedade com meu tio. Minha ida para lá foi muito importante, porque assim eu conheci meu pai: trabalhando com ele. Meu pai, como amigo, era isto: um grande amigo. Ficamos juntos até 1991, quando ele morreu.

E então? 

S.M.– Essa empresa sempre soube se reinventar. Morreu meu pai – quer coisa pior que isso? – e a empresa continuou. Mas o momento talvez fundamental da nossa história foi quando meu pai perguntou ao meu tio: “Décio, por que a gente não faz livro que vende?” Meu tio disse que era porque não tinha; porque o José Olympio já tinha comprado. Meu pai então falou: “Estou lendo um livro que me deram, Os Insaciáveis, do Harold Robbins. O negócio de conseguir direitos é comigo mesmo.” Comprou e publicou pela primeira vez um livro com o objetivo exclusivo de vender para o leitor. Ele tinha aquela coisa de publicitário, de jornalista. Veja o que fez para lançar esse livro, que era bem apimentado: pôs que a tradução era de Nelson Rodrigues. Nelson nunca aprendeu inglês! A cada tiragem, ele ia lá na editora pegar um dinheirinho. E a gente publicou, dele, naquela época, O Casamento.

Isso foi antes da investida da editora em relação a autores brasileiros?

S.M.– Jorge Amado chegou bem depois. Meu pai fez amizade com Jorge por intermédio do editor Alfred Knopf, que virou um grande amigo, quase um mentor. Naquele tempo, éramos fundamentalmente uma distribuidora de livros. Certa vez, veio uma proposta da Martins, editora do Jorge. Eles costumavam vender a primeira edição inteira para um distribuidor. O discurso naquele dia foi o seguinte: Jorge Amado havia acabado um romance, estava na Europa para revisar, e a ideia era que a Record lançasse o livro. Papai ficou felicíssimo por estar participando de um negócio envolvendo Jorge Amado. A proposta era assim: compraríamos 50 mil exemplares, com desconto bom, para pagar em quatro ou cinco vezes. Se o livro atrasasse, não tinha problema: a Martins pediria ao banco para pegar a primeira duplicata e colocá-la no fim da fila, de forma que o prazo ficaria preservado. Tudo certo, chegam as duplicatas e era minha função assinar; eu era do administrativo. Assinei. Dezessete dias depois, a Martins pediu concordata. Isso significava duas coisas: nós éramos credores de livros e devedores de duplicatas dentro da concordata. Detalhe: Jorge Amado não tinha começado a escrever livro nenhum. Isso foi em 75 e Tieta saiu em 77.

Como a história foi resolvida?

S.M.– Vim a São Paulo com meu pai. Fomos até a sede da Livraria Martins Editora. Uma longa conversa, com Jorge presente. Lá pelas tantas, ele diz: “Não há lei nenhuma que me obrigue a escrever um livro e entregar para o dr. José de Barros Martins. Estou chateadíssimo com essa história de usarem meu nome para enganar meu amigo Alfredo. A única coisa que eu sei mesmo é escrever. Então vou escrever um livro, que não era bem o livro que eu estava pensando em escrever, vou escrever outro livro sobre mulher, bem comercial. Ele um dia vai ficar pronto e vou entregar ao Alfredo para ele pôr num cofre e um dia publicar.” Assim foi feito o acordo – e fomos recuperar o prejuízo na edição deTieta. Contei tudo isso para dizer o seguinte: era assim que as pessoas saíam das editoras antigamente, por falta de pagamento. A gente nunca foi atrás do Jorge Amado. O editor é que veio atrás da gente. Com Jorge, veio Graciliano Ramos.

A experiência que o senhor teve recentemente com a saída de autores da Record…

S.M.– Muitas coisas mudaram nos últimos anos. Antigamente o contrato de edição não era por prazo, mas por performance. O contrato continuava em vigor desde que vendesse tantos exemplares por ano. Ainda é assim nos Estados Unidos. Tenho dois livros do Saramago na Bertrand nesse tipo de contrato – por performance. Já tentaram tudo, mas ninguém tira de lá.

Há também a questão dos herdeiros.

S.M.– Que é mundial. Tenho uma teoria: o herdeiro de direito autoral não se sente merecedor desse negócio. Ele pensa: como é que eu posso contribuir para merecer? Uma vez, eu estava com o neto da Agatha Christie e ele tentava dividir os custos de um novo logotipo. Imagina você receber de herança 86 livros que vendem no mundo inteiro.

Um livro de puro entretenimento pede um marketing diferente; como seu pai fez com Tieta, cuja divulgação teve até avião sobrevoando a praia com faixa trazendo o título do romance?

S.M.– Aprendi uma lição com meu pai com essa história. A ideia do aviãozinho foi minha, mas a grande ideia foi fotografar o aviãozinho e mandar para a imprensa. E não havia pensado nisso.

Houve um momento em que a Record foi identificada como editora do best-seller.

S.M.– Exato. E esse é o momento em que faço a primeira virada. Depois da morte do meu pai, eu convidei a jornalista Luciana Villas-Boas para reposicionar nossa marca. Eu queria fazer uma editora como as americanas, um grupo editorial do tipo da Random House. Agora todos copiam isso, mas fui o primeiro aqui a comprar editoras e desenvolver selos para poder diversificar – sem ferir e até fazer uma concorrência saudável dentro da empresa.

Qual é exatamente a estrutura hoje?

S.M.– ão cinco editoras e uma participação na Harlequin. Todas são controladas pela Editora e Distribuidora Record Ltda., que completa 70 anos em dezembro. Os filhotes são: Editora Record, Bertrand Brasil, que foi a primeira que eu comprei, em 1996, José Olympio, Best Seller, Nova Era e Verus, que estamos tentando transformar numa butique de best-seller.

Editoras e selos diferentes, claro, exigem tratamentos distintos.

S.M.– Sim, de estética editorial, de escolha de livros. O grande desafio é: como você ganha escala num negócio que não precisa ser artesanal? Para ter a General Motors das editoras, será preciso um especialista em cê cedilha. Não tem sentido. É preciso manter a individualidade e hoje estou radicalizando porque as coisas mudaram. Foi por essa razão que não substitui Luciana Villas-Boas (diretora editorial entre abril de 1995 e 31 de março passado) por uma só pessoa. Entendo que a Record pode ter agora quatro editores cuidando do catálogo. Isso sem contar os demais. Contratamos, conforme foi noticiado, Guiomar de Grammont para ser editora de livros nacionais, basicamente ficção, e Carlos Andreazza para a não ficção. Gosto muito de não ficção. Infelizmente estou com certa dificuldade para “embarcar” na literatura. Não passa no teste do meu pragmatismo. Agora pegar uma história que você sabe que é verdade, com a técnica da narrativa do romance… Mas estou convencido de que essa é uma coisa de homem. Minha irmã diz que, quando lê, quer mesmo é “viajar”.

Seu pai dizia que se deve tratar o livro como um produto. Como isso é visto hoje na editora? Quanto se investe em publicidade?

S.M.– Você nunca sabe. Tem que eleger quem vai ser trabalhado. É claro que alguns selos têm mais livros que demandam um investimento maior. Eu costumava brincar em palestras falando o seguinte: “Tenho um jeito infalível de vender quantidades infinitas de livros. Mas só vou contar no final”. E no fim dizia: “Você pega uma nota de R$ 100, coloca num livro e vende por R$ 50. Eu não disse que ia ganhar dinheiro com o meu método, mas que ia vender quantidades infinitas”. O marketing pode ser isso. Botar um anúncio nas novelas pode ser trocar R$ 100 por R$ 50. O desafio do publisher é encontrar a estratégia eficaz. E tem muita facilidade hoje – como a internet.

É possível dimensionar em porcentagem de vendas o que a web possibilita?

S.M.– Não. Mas dá para ter uma intuição do tipo de livro que funciona. O caso do Eduardo Spohr, da Verus, é um bom exemplo. Descobrimos o trabalho dele, que se autopublicava e já tinha vendido 4.500 livros pela internet. Perguntamos se não tinha interesse em ser editado. Ele aceitou – e Batalha do Apocalipse já vendeu 200 mil exemplares.

Quando a Record comprou a superimpressora Cameron, no final dos anos 80, mostrou que pretendia acompanhar o que havia de mais moderno em termos de livro de papel. E agora, na era digital? Qual a estratégia?

S.M.– Evidentemente acreditamos que o e-book veio para ficar. Agora, como? Qual é a preocupação dos editores brasileiros e mundiais? Que essa tecnologia não rompe a cadeia de valor. A gente acredita que os editores agreguem valor ao trabalho intelectual dos autores, mas essa cadeia tem de ser remunerada. E de forma saudável. O que nos preocupa são as práticas monopolistas e predatórias. Um grupo de editores se reuniu, procurou uma estratégia e criou a Distribuidora de Livros Digitais (DLD). O digital traz novos desafios e questões. Está se mexendo num modelo de negócio? Está se mexendo em tudo!

As conversas com a Amazon prosseguem. Ela vem enfrentando problemas só aqui?

S.M.– Por que a história da Amazon no Brasil é diferente da de outros lugares? A Amazon é uma operação de e-commerce, quer dizer, ela vende pela internet e entrega pelo físico. A partir de um determinado momento, ela começa a se interessar pelo digital commerce – o download do filme, da música, inspirada certamente no modelo do iTunes, preço único, etc. Eles estão convencidos de que isso é o futuro. A questão é como chegar lá. O Brasil se configura como um mercado interessante para Jeff Bezos pelo seu tamanho, pela sua língua unificada, pelo fato de que a gente usa o alfabeto romano. Então, eles imaginaram pular a fase do e-commerce. Só que a Amazon conseguiu implementar o Kindle justamente porque ela já estava com uma relação poderosa com os editores americanos. Ela representa 25% das vendas das grandes editoras americanas no e-commerce. Nós, brasileiros, estamos numa posição muito melhor que a Random House. Podemos dizer para a Amazon o que eles não podem. Quando eles perceberam que talvez seja necessário ter o e-commerce aqui, começaram a recalcular. Suspeito que eles vão fazer um acordo nos termos que a gente quiser para botar o pé no Brasil.

Quando o senhor imagina que a DLD assinará com a Amazon?

S.M.– Já me perguntaram quando o e-book representaria no mínimo 10% do faturamento do livro físico. Eu disse que, para o jogo começar, são necessárias três coisas. É importante ter uma loja de vendas – e os metadados no Brasil são precários. Segundo: ter um monte de livros no ar – não basta ter 2 mil, 3 mil. E terceiro: o aparelho com acesso 3G. Você pode estar na praia, de férias na Bahia, e te deu aquela vontade de ler Jorge Amado. Isso nós não temos ainda aqui. O Kindle é o primeiro aparelho que tem acesso telefônico sem assinatura.

A empresa de e-commerceB2W anunciou recentemente um prejuízo de R$ 43 milhões. Lá fora, a Amazon teve um acordo fácil para o digital commerceporque havia passado pelo e-commerce. Aqui não temos esse passado virtuoso do e-commerce.

S.M.– Aqui não tem, pelo menos não com a Amazon. Como começou lá fora? A Amazon chegou para o editor e disse: “Você me vende o livro por U$ 25, eu pago US$ 12,50, você ainda paga um frete para me entregar lá em Seattle e eu posso devolver. Que tal se eu converter esse livro para digital e te pagar US$ 12,50? Você não tem que mandar entregar nem fazer nada. Eu cobro muito pouco e deduzo das primeiras vendas”. Os editores não tinham nada a perder. Só que começaram a vender a US$ 9,90. Quando se deram conta, o segundo tempo da conversa era a Amazon dizendo: “Agora quero pagar US$ 4,50”. E o autor? E o direito autoral? E o custo de marketing? Aí surgiram todas essas questões – mas já era tarde.

Editores americanos não têm poder de fogo?

S.M.– Não. O Departamento de Justiça Americana diz que é ilegal concorrentes se reunirem para evitar um monopólio. Aqui, o Cade não se preocupa com isso, pois quer saber é se há concorrência junto ao consumidor final. Numa primeira conversa com o vice-presidente da Amazon, ele disse: “Não vou negociar com a DLD em conjunto porque nós consideramos isso ilegal”. Falei: “Veja se estou entendendo bem. Você está dizendo que é vítima de uma ilegalidade. No caso, a vítima é a Amazon? Então você tem que fazer uma denúncia. Tem que ir ao Cade. Aliás, quando você for lá, explique por que o Kindle é modelo fechado”. O cara vem falar de concorrência e faz um modelo que nenhum outro pode usar!? Agora, com a entrada da Microsoft como sócia da Barnes & Noble, tornou-se ainda mais urgente o programa da Amazon no Brasil.

E quanto à vinda da Apple e do Google?

S.M.– São outros dos global players que evidentemente nos interessam até para fazer esse contraponto. Determinamos limites fundamentais. Não vamos assinar contrato fora do Brasil. Se o livro será vendido para um leitor brasileiro que vai usar seu cartão de crédito brasileiro, esse contrato vai ser brasileiro. A gente quer uma entidade brasileira, uma Google do Brasil Ltda., para quem vamos vender o conteúdo – e as leis que vão regular isso são as brasileiras.

A relação com os autores aqui, na questão digital, atrasou em relação a outros países?

S.M.– Estamos tentando fazer igual. Temos feito adendos aos contratos antigos para incluir o direito digital. A porcentagem é diferente, é sobre o líquido. Você paga um direito autoral sobre uma quantia que você nunca viu, que é o preço do livro na livraria. No caso do livro digital, são 25% do preço líquido recebido pelo editor naquela venda do livro digital. Dentro do nosso modelo da DLD, por livro lido, o autor vai ganhar a mesma coisa. Equivale aos 10%.

O senhor participou dos últimos leilões milionários para trazer best-sellers para o Brasil – como o do livro adulto de J.K. Rowling.

S.M.– É verdade. E não ganhei nenhum.

A Record saiu em qual momento do leilão de J.K. Rowling?

S.M.– Não posso falar. Vou dizer o seguinte, que aquele valor que foi publicado…

R$ 1,7 milhão?

S.M.– Foi a menor oferta. Em reais. Teve gente que ofereceu mais e não levou.

O senhor também participou do leilão de Nicholas Sparks, que teve um alto valor.

S.M.– Participei. Falei que nunca imaginei que iria fazer uma oferta de US$ 1 milhão, mas se eu tivesse imaginado, nunca teria pensado que iria perder. Então, encontrei o Paulo Rocco. “Paulo, quanto é que você ofereceu?”, perguntei. Ele: “US$ 500 mil”. Me dei melhor! Economizei 1 milhão!

Nos últimos anos a Record tem trabalhado com muitos autores brasileiros.

S.M.– E acho que a gente tem que trabalhar mais. Nesse ambiente do e-book, das licenças, o que vai fazer a diferença, na hora que a gente estiver na última batalha mortal com a Amazon, é o catálogo nacional. Claro que é confortável e prático comprar num leilão um autor feito no exterior. Mas você tem que realmente construir e trabalhar com o autor nacional. Dá resultado.

O que é que está interessando o editor estrangeiro num livro brasileiro?

S.M.– Ele quer uma história universal com um pano de fundo brasileiro. O exótico já não vende mais.

A classe C está comprando livros em outros canais de venda.

S.M.– A Avon é um fenômeno, com 1,5 milhão de revendedoras. Isso por si só é um mercado.

Mas custa bem para a editora participar.

S.M.– Eles sabem o que têm na mão. E atingem um público que não vai a livrarias. A livraria é uma catedral para a classe C.

Um livro no catálogo da Avon vende quantos exemplares?

S.M.– Nós já tivemos livro de mais de 200 mil.

Numa única ação?

S.M.– É, num trimestre.

Pode dizer qual?

S.M.– Sidney Sheldon, livros antigos. 

A Record, que já teve livraria, não pensa mais no assunto?

S.M.– O varejo é outra atividade. Tínhamos um diretor comercial, que trabalhou na Souza Cruz, e dizia uma coisa engraçada: “Na Souza Cruz, fizemos um acordo com o botequim. A gente não abre botequim e o botequim não fabrica cigarro”.

E quanto aos livros didáticos?

S.M.– O didático também é outro business. Os programas de apoio são sempre interessantes, complementares. Agora não vejo que isso vá mudar a história dos autores já consagrados. Mas o governo tem um papel importante, sobretudo o de São Paulo, que tem um programa mais ambicioso: de dar o livro. Acho que a grande novidade desse negócio é a mudança da valorização da questão da leitura. Antes havia uma confusão entre literatura e leitura, e hoje se percebe o seguinte: não tem literatura sem leitura. Primeiro leitura, depois literatura.

Editoras brasileiras têm sido assediadas pelos estrangeiros. E a Record?

S.M.– Eles vêm conversar, estão sempre vindo. Tive essa conversa várias vezes.

O senhor avalia a possibilidade de vender a Record no futuro?

S.M.– Isso é uma hipótese. Eu sou comprador e vendedor, tudo é uma questão de preço. Só tem um motivo para uma pessoa não vender uma coisa: foi você que fez, ou você tem uma relação especial com aquilo. Eu não tenho. Agora, eu acho que hoje estão um pouco menos em evidência essas possibilidades. Por causa do e-book. Os estrangeiros estão começando a se perguntar: “Será que eu preciso ter uma editora no Brasil?” Por isso que é muito importante resolver essa questão da Amazon e a do e-book no Brasil.

Como será esse livro de memórias?

S.M.– Vou contar o sequestro da minha irmã, em 1997, quando eu estava em Frankfurt. Mas vou contar em fatias, criando suspense, voltando no tempo: como fui parar naquela feira de livros, relatando um pouco da minha história. No momento, está meio parado. Mas vai ter muitas histórias. Do Jorge Amado, por exemplo. Disto eu sinto falta: a relação com esses tipos de autores.

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Um catálogo que inclui best-sellers e títulos clássicos

Inspirada em grandes grupos editorias, como a Random House, a Record foi pioneira na aquisição de editoras e criação de selos que garantem a coexistência no catálogo de autores tão diferentes como Agatha Christie, Meg Cabot, Karl Marx, Umberto Eco, García Márquez e Ariano Suassuna.

Liderança

Alfredo Machado fundou a Record em 1942 com o cunhado Décio Abreu e a dirigiu até 1991, quando morreu, deixando-a para os filhos Alfredo, que não está mais lá, Sergio e Sônia. Hoje, são 5 editoras (e participação numa 6ª) e 9 selos.

60 livros são lançados em média todos os meses pelo grupo editorial carioca, que tem 7.300 títulos e 3.500 autores no catálogo.

Autonomia

Com dois conjuntos Cameron, de máquinas de impressão e acabamento, o parque gráfico da Record tem, desde dezembro de 2010, capacidade de imprimir 10 milhões de livros por ano – o que dá uma média de 27 mil exemplares por dia.

1,5 milhão delivros vendidos fizeram deVidas Secas (G. Ramos) e Quem Mexeu no Meu Queijo (S. Johnson) os best-sellers da editora

Estrutura 

Maior conglomerado editorial da América Latina, a Record fica numa área de 8,5 mil m2 no bairro de São Cristóvão, no Rio, e emprega 350 funcionários. Possui ainda um depósito de 2,6 mil m2, na mesma cidade, e um escritório em São Paulo.