A comunicação alternativa no Brasil tem sofrido mudanças circunstanciais desde o início dos anos 1980, quando o vídeo popular começou a ser difundido entre os movimentos sociais. Ainda naquela década, registros de reivindicações, notadamente protagonizadas por sindicalistas engajados, começaram a constituir um padrão de produção que se distanciava do hegemônico, desde suas lógicas até seu conteúdo. Os chamados “sem tela” enfrentavam as mais diversas dificuldades, tais como deficiência organizacional de seus movimentos, ausência de capital para concorrer às concessões de emissoras de TV e, sumariamente, falta de condições técnicas para produzir. Somado a tais fatores também estava a imagem dos movimentos sociais frente à opinião pública, nem sempre favorável aos seus instintos revolucionários.
No âmbito do audiovisual, desde a popularização do vídeo até o advento da TV paga, algumas brechas garantiram a midiatização dos movimentos sociais. Um exemplo da segunda metade dos anos 1990 são os canais comunitários – em tese, responsáveis pela difusão de questões não contempladas por grupos comunicacionais hegemônicos. Posteriormente, no início dos anos 2000, equipamentos digitais de captação de som e imagem colaboraram para a ampliação da produção alternativa no Brasil. Nesse momento o cenário altera-se completamente: o audiovisual torna-se acessível e possível de ser realizado por grupos alternativos, especialmente a partir de experimentações em universidades, escolas, associações de bairro, centros comunitários e organizações de níveis diversos. Assim, notadamente por seu conteúdo, um padrão alternativo possibilitado a partir do paradigma digital começa a se constituir.
Softwares gratuitos, plataformas amigáveis
O padrão tecnoestético não hegemônico hoje se encontra na baliza das produções alternativas, diferenciando-se circunstancialmente em seu poder de produção, distribuição e alcance. Pode ser produzido por indivíduos a partir de equipamentos não profissionais, e sua distribuição pode ocorrer via internet, a fim de atingir usuários dos mais diversos níveis socioeconômicos e faixas etárias. Sua produção envolve os seguintes elementos:
a) conteúdo social, a partir da realização e veiculação de material que contenha dimensão libertadora, portanto diferenciando-se do sistema hegemônico, independentemente de tratar de questões políticas ou de outra ordem;
b) baixo custo, uma vez encoraja-se o usuário doméstico a controlar todas as fases de produção de maneira a poder ser desenvolvida por comunidades e organizações de segmentos diversos, otimizando recursos públicos envolvidos e buscando não excluir através de taxas de acesso;
c) múltiplas plataformas, a partir de reconstruções e respostas dos usuários ao audiovisual originalmente produzido, que pode ocorrer a partir da produção de um novo audiovisual ou mesmo com o processamento coletivo do original em escolas ou comunidades, efetivando assim o debate do conteúdo;
d) produção descentralizada, a partir da disseminação do audiovisual entre agentes que tradicionalmente não integram esta cadeia de valor. Compreende-se que, para que isso possa ocorrer, é necessário financiamento, preparação dos usuários através de treinamento específico e utilização de plataformas amigáveis;
e) interação, estimulando a organização de debates nas comunidades, posteriormente a exibição dos conteúdos. Deve-se, portanto, ir além dos limites tecnológicos disponíveis, cuja utilização também deve ser encorajada;
f) criatividade, incentivando o espírito inventivo do brasileiro não somente como resposta para as limitações técnicas, mas no conjunto das ações que envolvem a produção audiovisual (formato, recursos humanos, logística, cenografia locações etc.).
Apesar da existência de diversas variáveis, o padrão tecnoestético alternativo pode ser compreendidocomo o audiovisual que se afasta dos padrões hegemônicos. Por seu baixo custo, muitas vezes é sinônimo de produção caseira ou amadora, como as produções de usuários da internet, a partir de softwaresgratuitos com plataformas amigáveis. Seus diversos formatos diferem-se esteticamente, com alto grau de experimentação e inovação. Contudo, para a efetivação de tais ações, considera-se necessária a participação do Estado em sua promoção, a partir de leis e incentivos.
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[Valério Cruz Brittos e Andres Kalikoske são, respectivamente, professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e doutorando no mesmo programa]