Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Um jornal no devido lugar

O Jornal NH tem algo de diferente. Tem sua sede em Novo Hamburgo, região metropolitana de Porto Alegre, perto da movimentada BR 116. A proximidade das capitais costuma ser perigosa para os jornais das localidades vizinhas. No entanto, apesar da sombra ameaçadora, a 40 quilômetros de distância, do Zero Hora, Diário Gaúcho e Correio do Povo, cada um com circulação superior aos 150 mil exemplares por dia, o Jornal NH vive, sobrevive e prospera.

Com uma circulação crescente de 41,5 mil exemplares, mais de 98% deles por assinatura, o NH, como é conhecido, é o maior jornal do interior gaúcho, o maior diário brasileiro editado fora de uma capital de estado e ocupa o nono lugar em número de assinantes. Metade dos leitores está em Novo Hamburgo; a outra metade, em 46 municípios próximos.

O fator principal dessa penetração é, talvez, a decisão de fazer uma publicação eminentemente local –hiperlocal. Segue à risca o velho princípio de que, se uma bomba atômica explode sobre a área vizinha, não é notícia; notícia é a radiação que chega à sua região. A informação estadual, nacional e internacional ocupa apenas uma página e meia. Os leitores do NH não recebem muitas notícias sobre a crise da economia europeia, a transposição do rio São Francisco ou o superávit primário. Mas são informados sobre eventuais enchentes do rio dos Sinos, a liberação do trânsito num viaduto da BR 116, as atividades dos bombeiros voluntários de Nova Hartz, cidade na área de circulação do jornal, ou a Festa das Compotas em Taquara, outro município próximo.

Boa imagem e aceitação

O que faz a diferença do NH é a sua inserção na comunidade e a promoção de seu desenvolvimento, diz o presidente do conselho de administração, Carlos Eduardo Gusmão. Nos anos 1960, o jornal fez campanha para a introdução do telefone automático, quando em Novo Hamburgo havia apenas 300 aparelhos de magneto e era necessário recorrer à telefonista para fazer as ligações. Num polo calçadista, como é Novo Hamburgo, participou da criação da Festa Nacional do Calçado (Fenac). Lutou pela municipalização do abastecimento de água, pela formação da Associação dos Municípios do Vale do Rio dos Sinos, pela construção de viadutos para pedestres na BR 116, pela implantação de um polo tecnológico.

Hoje participa das campanhas para a construção de um novo aeroporto na região metropolitana de Porto Alegre e de uma rodovia que desafogue o pesadíssimo trânsito da BR 116. Promove continuamente eventos que mobilizam a população. Preocupado em atender um amplo espectro do seu mercado, o jornal é moderado em sua cobertura e independente politicamente. Apesar do aumento da violência, não dá excessivo destaque ao noticiário policial; em casos de acidentes, evita publicar fotos chocantes dos acidentados, diz seu editor-chefe, Sérgio Pereira.

O NH é um tabloide colorido, bem impresso, com apresentação gráfica limpa, grande número de fotografias e poucos infográficos. O alvo editorial parece ser um leitor médio, com pouco tempo para ler. Os textos são curtos e diretos. Alguns leitores podem sentir falta de reportagens mais longas e elaboradas, de matérias analíticas ou de uma cobertura crítica de eventos culturais. E, considerando que a maioria deles não lê outro jornal, talvez sintam necessidade de saber o que acontece no mundo além do Vale do Rio dos Sinos. Mas o NH parece satisfeito com seu foco hiperlocal, sua boa imagem e aceitação.

Caderno de classificados é único

É publicado pelo Grupo Editorial Sinos, que tem outros jornais na região. Um é o Jornal VS, com 15 mil exemplares, editado no município vizinho de São Leopoldo e que atende outras cidades no Vale do Rio dos Sinos. Daí o nome. Outro, o Diário de Canoas (DC), acaba de filiar-se ao Instituto Verificador de Circulação (IVC), a entidade que mede a difusão de jornais e revistas; em março, primeiro mês no IVC, declarava 9,7 mil exemplares de circulação, com a média de 8 mil de terça a sábado e 18,5 mil nas segundas-feiras.

Tanto o VS como o DC, são vulneráveis às investidas dos jornais da capital, muito próxima – Canoas é praticamente um enorme bairro de Porto Alegre. O Diário Gaúcho, um jornal popular, supera os dois em circulação em suas respectivas áreas. Mas, como no caso do NH, que lhes serve de modelo, a força do VS e do DC está no foco marcadamente local, na moderação no tratamento do noticiário e no envolvimento na vida da comunidade. Há três anos, o Grupo Sinos pôs um pé na Serra gaúcha ao comprar o Jornal de Gramado (JG), bissemanário com 4 mil exemplares – não auditados pelo IVC – nas terças e sextas-feiras.

Os três diários circulam de segunda a sábado; no sétimo dia da semana é publicado o ABC Domingo, entregue aos assinantes de todos os jornais. O ABC foi lançado em 1995. Sua circulação, superior aos 70 mil exemplares, deverá ser auditada ainda neste ano pelo IVC. O caderno de classificados, o único diário da imprensa gaúcha, é encartado em todos os jornais do grupo. A empresa edita ainda várias publicações especializadas. Em 1979 foi lançado o Diário de Indústria e Comércio, para atrair a publicidade legal da região; hoje, é semanal e tem pouca expressão.

Inspiração no La Repubblica

Todos os jornais seguem o mesmo padrão editorial e gráfico, que foi atualizado em março deste ano. Têm páginas comuns dedicadas a esportes, entretenimento, noticiário nacional e internacional e, com frequência, publicam a mesma manchete. Um concorrente direto do VS surgiu em 2005 com o lançamento de Hoje, um novo diário em São Leopoldo, feito por antigos funcionários do jornal, mas teve vida curta.

Desde 1972, as assinaturas dos jornais são pagas mensalmente: se as contas do telefone, luz e água são mensais, por que o assinante teria que pagar por ano ou por semestre a assinatura do jornal? A cobrança é feita junto com as contas da luz, no cartão de crédito ou por débito bancário. Outros jornais adotaram esta prática depois.

Nem todas as iniciativas foram bem-sucedidas. O maior fracasso foi a ambiciosa tentativa de pôr um pé em Porto Alegre. Com o fechamento, em 1984, do Correio do Povo e da Folha da Tarde, 82 mil assinantes ficaram sem jornal. O Grupo Sinos viu uma oportunidade e preparou o lançamento de um novo diário, O Estado do Rio Grande. Seria feito em Porto Alegre, por jornalistas do antigo Correio do Povo, e incorporaria várias novidades, como a eliminação da máquina de escrever e a edição, pela primeira vez no Brasil, das páginas do jornal em terminais computadorizados, que seriam transmitidas por linha telefônica a Novo Hamburgo para impressão nas rotativas do NH. Graficamente, seria inspirado no diário italiano La Repubblica. Para bancar a iniciativa, a empresa procurou sócios entre os empresários gaúchos.

Offset era o futuro

Os 40 mil exemplares da primeira edição do Estado, em 4 de março de 1985, foram vendidos em poucas horas. Mas só saíram doze números. A empresa alegou “motivos técnicos”. Aparentemente, o lançamento foi precipitado e sem os devidos testes. Os jornalistas não estavam bem treinados. Os terminais não funcionaram como fora previsto e as linhas de telefone apresentaram problemas; as matérias tinham que ser levadas de carro até Novo Hamburgo, provocando enormes atrasos na impressão e distribuição. O Estado foi fechado para evitar que seus problemas afetassem a saúde do resto da empresa. Algum tempo depois, o Correio do Povo foi relançado por outro grupo.

A história do Grupo Editorial Sinos começa nos últimos dias de 1957, quando dois irmãos, Paulo Sérgio e Mário Alberto Gusmão, lançam um tabloide quinzenal de oito páginas, o Jornal SL (atual Jornal VS), de São Leopoldo, apesar do fracasso de outras tentativas anteriores, na cidade, de fazer um jornal. Eles eram repórteres, gráficos, vendedores de anúncios, entregadores. O texto era composto a mão; as palavras, montadas letra por letra, como nos tempos de Gutenberg. Em poucos meses, o jornal era semanal e gerava recursos para, em 1960, se lançar outro semanário em Novo Hamburgo, o Jornal NH. As publicações, já compostas em linotipo, eram impressas em Porto Alegre e Canoas.

Um repórter brizolista, que tinha trabalhado no jornal e saíra do país depois do golpe de 1964, escreveu a seus antigos empregadores que no Uruguai circulava um jornal tabloide impresso em offset, uma tecnologia de vanguarda. Mandou um exemplar do diário BP Color (Bien Público) e uma pergunta: “Caro Mário Gusmão: quando o NH terá essa qualidade de impressão?” Mário e Paulo Sérgio viajaram a Montevidéu e voltaram com a convicção de que o offset era o futuro.

Parque gráfico

Consultados, importadores de equipamentos gráficos asseguraram que “não existe rotativa offset”. Até que, meses depois, descobriram um fabricante nos Estados Unidos. Em agosto de 1968, depois de demoradas negociações para conseguir financiamento, o NH era o primeiro jornal da região Sul a ser impresso em offset, numa Goss Community com duas unidades. Para dar a entrada, o jornal vendeu 400 assinaturas por dez anos. Nesse ano, passou a bissemanário; dez anos depois, era diário. O VS é diário desde 1979.

Em 1975, o NH introduziu a composição eletrônica do texto e foi o primeiro jornal da América do Sul a adotar, em 1984, a gravação direta de chapas de impressão, eliminando o fotolito. O jornal foi igualmente pioneiro na transmissão de coberturas externas e um dos primeiros a enviar diretamente para a rotativa as páginas montadas na redação, processo conhecido como computer-to-plate.

O grupo investiu também em impressoras modernas. Em 2008, apesar das previsões pessimistas sobre o fim próximo do jornal impresso, importou uma rotativa Goss Community SSC. Seu parque gráfico em Novo Hamburgo, onde imprime também o jornal diário Metro, está entre os 15 maiores do país. A rotativa usada foi vendida a um jornal de Santa Catarina, da RBS. O grupo conta com a segunda emissora em audiência de rádio em Novo Hamburgo, a ABC 900 AM, filiada à Rede Jovem Pan Sat.

Pagamento em dia

Em 1994, o NH organizou os primeiros conselhos consultivos de redação no Brasil, compostos por leitores e jornalistas, a partir de uma experiência bem-sucedida do jornal El Norte de Monterrey, no México. A experiência foi descontinuada, mas deverá ser retomada ainda no segundo semestre deste ano, segundo Carlos Eduardo Gusmão, filho de Mário.

A estratégia geral parece dar certo. O grupo é uma das mais prósperas e sólidas editoras de jornais do país. Em 2011, obteve uma receita operacional líquida de R$ 72,9 milhões, cerca de 10% acima do ano anterior, com lucro líquido de R$ 6,1 milhões. O patrimônio líquido é de R$ 27,1 milhões.

Os empregados participam dos resultados. Sobre o exercício de 2011, receberam um 14º salário e 80% do 15º, além de dividendos: eles têm 14% do capital. A empresa nunca deixou de distribuir dividendos. Com dinheiro em caixa, pode negociar com vantagem a compra de insumos e estudar novos negócios. Um dos orgulhos de Mário Gusmão é que, nos últimos 35 anos, nunca foi atrasado o pagamento de empregados ou fornecedores.

Futuro eletrônico

Está em marcha um processo de renovação do comando do grupo. Mário Gusmão, um dos fundadores, deixou a diretoria executiva. Passou para o conselho de administração, do qual participam um funcionário e representantes da comunidade, e atualmente preside o conselho de acionistas, criado em 2011. Desse conselho fazem parte as duas famílias fundadoras e um funcionário. O outro fundador, Paulo Sérgio, morreu em 1997.

Com o declínio da indústria do calçado, tradicionalmente a principal fonte de riqueza de Novo Hamburgo, a expansão da empresa estaria comprometida. No entanto, o grupo acredita que a economia da região está encontrando focos alternativos de crescimento, como as novas tecnologias, e vê uma reação do setor calçadista. A empresa acredita que há espaço para o crescimento das assinaturas dos jornais impressos, principalmente nas cidades satélites. Vê também um bom mercado potencial para ampliar a circulação do jornal de Canoas.

A empresa começou a colocar notícias e vídeos na internet em 1996, tem um provedor de acesso e conta com vários portais e sítios de negócios. Estuda uma operação de webTV com programação regular. Seus jornais estão disponíveis para leitura em iPads, tablets, e-readers, e são dos poucos no Brasil que cobram pela informação na internet: 373 leitores do NH e 184 do VS assinam apenas a edição digital. Atualmente, 2% das receitas provêm das operações digitais; em três anos, espera-se chegar a 12%. O grupo, hoje firmemente ancorado em papel e tinta, tenta adaptar-se ao futuro eletrônico.

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[Matias M. Molina é jornalista e autor de Os melhores jornais do mundo]