Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A inacreditável realidade brasileira

Se existe algo absolutamente revoltante (e inacreditável) na atualidade, é sem dúvida nenhuma, a “verdade” que nos é oferecida pela mídia. Há pouco tempo, li uma matéria na Veja que estampava a imagem dos cinco Mosqueteiros da Ética. Eram eles: Gabeira, Simon, Jarbas, Demóstenes Torres e Jefferson Peres. A matéria, assinada por Otávio Cabral e Alexandre Oltramari, discorria sobre os feitos heroicos, quase homéricos, dos nobres políticos da nossa nação. Mas um, em especial, chamou minha atenção. Vejam como a Veja via o senador Demóstenes:

“O outro é o incansável senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás. No Conselho de, digamos assim, Ética do Senado, ele é uma das únicas vozes a exigir investigações sérias e denunciar as manobras para absolver sem apurar. Demóstenes Torres entende o que muitos senadores fazem questão de não ver: o Senado está se desmoralizando numa velocidade avassaladora.”

Não contente com tamanhos elogios aos políticos, os autores ainda os recrutaram para salvar o nosso país: “A esperança que resta é que esse pequeno conselho de mosqueteiros da ética consiga derrotar as malandragens do grande Conselho de, digamos assim, Ética do Senado.”

Questão de ordem

Pouco tempo depois apareceu a verdadeira ligação do benemérito senador com a Editora Abril e tudo ficou claro e límpido, como água de cachoeira. Desmoronou-se a imagem de mosqueteiro e, quem diria, o verdadeiro malandro apareceu e teve de se apresentar no “grande Conselho de, digamos assim, Ética do Senado”. Com a CPMI instaurada, todos queriam ouvir as explicações do nobre senador sobre sua ligação com o contraventor Carlinhos Cachoeira, seu envolvimento com a revista Veja e, principalmente, por que o repórter Policarpo Junior (autor da primeira matéria sobre o mensalão) tinha acesso ao seu gabinete e conversas gravadas com Cachoeira. E eis que o defensor da ética calou-se diante dela. O silêncio vergonhoso de um réu confesso.

Indignado com a palhaçada do “quadrilheiro careca”, eis que surge uma voz para dizer o que nós, o povo, pensávamos naquele momento. O deputado Sílvio Costa (PTB-PE), exaltado como qualquer um que assistia aquele silêncio absurdo soltou o verbo sobre o nobre senador: “O seu silêncio é a mais perfeita tradução da sua culpa. Ele escreve em letras garrafais: eu, Demóstenes Torres, sou, sim, membro da quadrilha do senhor Cachoeira. Eu, Demóstenes Torres, sou, sim, o braço legislativo da quadrilha do senhor Cachoeira.” Depois de tudo isso ainda chamou Demóstenes de mentiroso, hipócrita e futuro-ex-senador. Ainda vibrávamos com aquela atitude de Sílvio Costa quando o deputado Pedro Taques (PDT-MT) pediu uma “questão de ordem” para, em outras palavras, elogiar a postura de silêncio do senador e criticar o deputado pernambucano. Assistindo a tudo incrédulo, vi a “questão de ordem” ser acatada pelo presidente da mesa que retornou a fala ao deputado Costa, mas logo após encerrou a sessão, liberando o senador Demóstenes.

Verdade cruel

Pensei comigo: o homem sofre acusações gravíssimas, como de ter armado a denúncia do mensalão, de ter ligações com contraventor, esquema com um dos mais vendidos veículos de comunicação do país e, mesmo assim, quando alguém o acusa frontalmente, eis que surge uma “questão de ordem”, a justiça, um “direito democrático” e um comparsa para defendê-lo. É indigno, senhores. E assistir a isso tudo pelas câmeras da TV Senado foi surreal demais.

Demóstenes Torres (sempre DEM-GO) fez como o assecla Carlinhos Cachoeira e preferiu o silêncio. A diferença é que o bicheiro preso tem como advogado o ex-ministro da Justiça do governo de Lula, Márcio Thomaz Bastos. Ou seja, logo será solto. É triste, é surreal, é revoltante e é inacreditável. Mas essa é a mais pura e cruel verdade brasileira a que somos submetidos.

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[Erick da Silva Cerqueira é publicitário e colunista da TipoRevista.com.br]