Fará um ano em julho que o Congresso em Foco passou a publicar uma série de reportagens denunciando os chamados supersalários pagos a funcionários federais. Segundo o site,perto de 400 servidores recebem salários acima do teto constitucional, que hoje é de R$ 26,7 mil. A segunda edição da Revista Congresso em Foco, que circulou entre março e maio, trouxe novas informações sobre o assunto, como a de que, por exemplo, funcionários do Senado receberam rendimentos brutos acima de R$ 700 mil por ano, gerando perdas e outras irregularidades da ordem de R$ 3,3 bilhões na folha de pagamento do Congresso nos últimos cinco anos.
J&Cia conversou com o diretor do site Sylvio Costa sobre esse trabalho e suas repercussões:
Segundo divulgou o próprio Congresso em Foco, a maior parte dos processos judiciais movidos contra o site, pelo Sindilegis e por servidores insatisfeitos com a divulgação nominal de seus salários, não vem obtendo recepção na Justiça. Qual é a sua expectativa para o fim desse caso?
Sylvio Costa – É de que ele termine com justiça. Não dá para punir um veículo que publica a lista de pessoas que ganham acima do teto constitucional. Não tenho dúvida de que o interesse público não apenas permitia, como nos obrigava a publicar o material que tínhamos em mãos. Fiquei absolutamente convencido disso depois que pedi ao repórter Eduardo Militãoque ouvisse juristas, para balizar nosso comportamento. Ele falou com cinco juristas, eu próprio consultei uma desembargadora, e todos foram unânimes em dizer que a sociedade tem, constitucional e legalmente, direito de acesso a esse tipo de informação. Os que entraram com processo nos pediram mais de R$ 1 milhão. Contando com os processos iniciados pelo Sindilegis, fomos chamados a nos defender em 50 ações. Foi um sufoco. Além dos custos impostos, comparecer às sucessivas audiências realizadas na Justiça representou um transtorno enorme. Por isso, acredito que justo mesmo seria fazer essas pessoas pagarem caro por isso. Infelizmente, em nenhuma decisão até agora os autores das ações foram condenados a arcar com pelo menos parte dos honorários dos nossos advogados. O lado bom é que tivemos vitória em todas as ações julgadas até o momento.
Como servidor licenciado da Comunicação do Senado, você sofreu alguma tentativa de retaliação ou ameaça por causa dessas denúncias do Congresso em Foco?
S.C. – Não compreendo quando fazem qualquer ligação entre o meu trabalho no Congresso em Foco e a minha condição de funcionário concursado do Senado. Foi para evitar esse tipo de vinculação que entrei em licença sem vencimentos e assim me mantenho, como permite a lei. Não recebo salário nem esse tempo em que estou afastado conta para efeito de aposentadoria. Legalmente, eu poderia cumprir 30 horas semanais lá, talvez menos, receber um excelente salário e usar o resto do tempo para trabalhar no Congresso em Foco. Quanto a retaliações, desde que o site foi criado, nada foi comparável à ofensiva judicial encabeçada pelo Sindilegis.
Quando você ingressou no Senado, em 1998, já planejava criar o Congresso em Foco? E já desconfiava desses altos salários?
S.C. – Se na época eu quisesse criar o Congresso em Foco obviamente não entraria no Senado. Minhas motivações ao fazer o concurso foram outras. Comecei a trabalhar como jornalista aos 15 anos. Em 1997, ao deixar o Correio Braziliense, estava completando muito precocemente 20 anos de profissão. Achei que já tinha feito de tudo, nos lugares mais diferentes, e não estava a fim de trabalhar numa redação tradicional. Por outro lado, havia a sedução da estabilidade. Na época, os salários dos jornalistas concursados eram infinitamente menores do que são hoje. É um prazer contribuir agora para trazer a público privilégios que, a meu ver, a sociedade não deve pagar.
O senador Roberto Requião apresentou recentemente a PEC 3/12, que obriga todos os poderes a divulgar nominalmente o salário de seus servidores. Você acredita que há dúvida sobre a constitucionalidade da Lei de Acesso à Informação no que diz respeito à divulgação nominal de salários? Essa PEC é necessária ou seria redundante com a lei?
S.C. – Dúvida nenhuma. O STF, ao julgar o caso da Prefeitura de São Paulo, reconheceu o direito da divulgação nominal dos salários de servidores. Na nossa ordem constitucional, o órgão público não apenas pode fazer isso, mas deve fazer, porque dar publicidade aos seus atos é uma de suas principais obrigações. E veja que, quando publicávamos nossa série de reportagens sobre os supersalários, a diretora-geral do Senado chegou a nos mandar uma nota dizendo que a divulgação de nomes era criminosa. É a total inversão de valores. O problema não é pagar mais do que a Constituição autoriza. É publicar dados que demonstram a existência dessa prática. Além de encontrarmos aí um pensamento autoritário, por negar à imprensa o direito de cumprir o seu papel, o que vejo é uma grande demonstração de arrogância.
Nos sites da Câmara e do Senado já existe uma área, chamada Transparência, na qual são divulgados vários dados relativos a gastos das instituições com a administração, com a atividade parlamentar e com seus servidores, inclusive os salários – mas sem a identificação nominal. Como você avalia esse tipo de iniciativa?
S.C. – É uma abertura, sem dúvida. Mas, evidentemente, dessa maneira o Congresso não oferece todas as informações que a sociedade precisa saber. Se não fosse assim, a nossa série sobre supersalários não teria provocado tanta repercussão e polêmica. Apesar dessas ferramentas, o Congresso estava escondendo que paga a um grande número de funcionários vencimentos superiores aos dos ministros do Supremo. Não é uma prática exclusiva do Legislativo. De acordo com o que já veio a público, pelo menos quatro mil funcionários dos Três Poderes recebem mais do que a Constituição determina. As instituições que deveriam nos representar precisam se mancar e sanar esse tipo de irregularidade. Revelamos que no Senado teve funcionário ganhando mais de R$ 100 mil brutos num único mês. Nada pode justificar uma coisa dessas, ainda mais quando sabemos que o Congresso gastou em 2011 mais de R$ 7,3 bilhões do dinheiro dos contribuintes.