Pautas que envolvem segredos de Estado e segurança nacional são sempre delicadas – e dificilmente não vão provocar debates acalorados. No fim de maio, o New York Times publicou um artigo que afirmava que o presidente Barack Obama decidia caso a caso ataques secretos de aviões teleguiados, analisando pessoalmente fotos de possíveis alvos. Três dias depois deste primeiro artigo, uma segunda reportagem expunha um programa secreto americano de ciberarmas – mais uma vez, relatava como o presidente havia, pessoalmente, apoiado a expansão dos esforços para usar códigos de computador para destruir máquinas de enriquecimento nuclear iranianas.
Os dois textos provocaram uma resposta raivosa no Congresso. Houve quem falasse em “vazamentos de época de eleição” e quem argumentasse que o detalhamento de informações secretas poderia prejudicar a segurança nacional. As críticas, em sua maioria, se concentraram na matéria sobre as armas de guerra virtuais, que foi escrita pelo correspondente-chefe de Washington, David Sanger. O artigo contava as origens dos esforços, sob o presidente George W. Bush, para impedir o programa nuclear iraniano, e detalhava como programadores americanos escreveram um código que penetrava em computadores iranianos. Além disso, relatava como os EUA trabalharam com Israel para a criação de um vírus para sabotar as centrífugas usadas no enriquecimento de combustível nuclear. A reportagem contava ainda como, por causa de um erro de programação, um vírus conseguiu passar para a internet: ele foi descoberto, mas seu objetivo continuou obscuro, e o presidente, diante do problema, decidiu continuar com os ciberataques. Sanger terminava indicando que os ataques não se limitavam apenas ao Irã.
Pesando riscos
A divulgação de todos estes detalhes expôs ao debate público uma nebulosa arma americana. O senador John Kerry, que preside o Comitê de Relações Exteriores do Senado, afirmou em entrevista que temia que a publicação de informações tão detalhadas pudesse criar riscos para a segurança nacional. “Isso dá às pessoas dicas sobre métodos e lugares e conceitos e capacidades” resumiu, ressaltando que não é editor – e nem pretende assumir este papel. “Só acho que você tem que pesar – e isso é o trabalho de um editor – o impacto daquilo que publica, de como publica e de quando o faz”.
Os editores do Times disseram que consideraram estes fatores e seguiram o procedimento padrão: entraram em contato com oficiais do governo para determinar se havia algum impedimento em questões de segurança nacional nos dois textos. Nenhum funcionário governamental fez objeções aos artigos como um todo, e sim a alguns detalhes técnicos – que foram editados.
“Eu acho que o teste é: estes são modelos de um tipo de guerra que está sendo travada em nome do público americano, e o público se beneficia ao saber as dimensões de alguns detalhes destes programas”, disse Jill Abramson, editora-executiva do Times. Ela recorreu a dois documentos ligados ao caso dos Papeis do Pentágono para justificar sua posição. O primeiro é uma coluna de opinião escrita em 1972 por A.M. Rosenthal, então chefe de redação do Times, em que ele diz, um ano depois do caso, que a publicação dos Papeis do Pentágono foi benéfica ao público e não levou a problemas de segurança nacional. O segundo é um depoimento de Max Frankel, então chefe da sucursal de Washington, no tribunal apoiando a publicação dos documentos secretos. Trata-se de uma discussão sobre como a democracia é bem servida pelo ecossistema de repórteres e membros do governo traficando segredos enquanto protegem os principais interesses de segurança do país.
Manipulação ou jornalismo necessário?
“Nenhum material sobre detalhes de segredos governamentais chegou perto de ferir a segurança nacional em décadas”, conclui Jill. Por outro lado, este argumento não impede que muitas pessoas temam que algo ruim possa acontecer a qualquer momento. O deputado republicano Peter King, do Comitê de Inteligência da Câmara, diz que não viu sentido na publicação de tantos detalhes sobre os ciberataques. O político irritou-se com o vazamento de informações sensíveis do governo que permitiu que o Times divulgasse relatos precisos do programa de aviões teleguiados e das ciberarmas. Em seu ponto de vista, os informantes tinham como motivação mostrar o presidente Barack Obama como “um líder poderoso”.
Ainda segundo King, parece que o papel dos repórteres no acordo era simplesmente se deixar levar. O Times, por sua vez, refuta a ideia de que tenha sido manipulado por suas fontes. Sanger conta que começou a trabalhar na pauta sobre os ciberataques há 18 meses. O artigo foi adaptado de um livro escrito pelo correspondente sobre o assunto, e foi publicado dias antes do lançamento. Já o artigo sobre os aviões surgiu de uma pauta sobre a campanha eleitoral que buscava explicar as políticas de segurança nacional do governo Obama.
“Os dois artigos dizem ao público o que seu governo está fazendo”, avalia o ombudsman do Times, Arthur Brisbane. “A cobertura exagerou na imagem do presidente como tomador de decisões? Provavelmente sim. O artigo dos aviões teleguiados citava a devoção intelectual dele a Santo Agostinho e as qualidades de seu assessor de contraterrorismo: isso pareceu um pouco demais. O artigo sobre as ciberarmas fornecia mais detalhes do que o necessário sobre o vírus? Possivelmente. É plausível pensar que [o artigo] deu aos iranianos algo que eles não sabiam”.
“Mas este tipo de jornalismo não é um processo cirúrgico. É mais bruto do que isso, é um primeiro esboço sem todos os detalhes e produzido com conhecimento limitado do outro lado durante um conflito em andamento. No fim das contas, é um jornalismo essencial em uma sociedade livre”, conclui Brisbane.