Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O seqüestro como novela

No dia 14 de setembro fez um mês que dois engenheiros da construtora mineira Andrade Gutierrez, Demétrio Mendonça Duarte e Eduardo Batista de Oliveira Resende Costa, foram seqüestrados por guerrilheiros na Colômbia. Desde o quarto dia do seqüestro, o grupo Estado de Minas, que além do jornal do mesmo nome edita o Diário da Tarde, mantém correspondente na Colômbia. Isso, em si mesmo, já significa que o assunto mobiliza a opinião pública mineira.

Quase diariamente, os jornais do grupo Estado de Minas têm publicado matérias sobre o seqüestro. E aí podem ser observados vários problemas. Os jornais, por exemplo, apresentam várias versões de negociação, todas fantasiosas (pagamento de taxa de proteção, US$ 1 milhão e obras para a comunidade pelos reféns, etc., etc., etc.). O que é noticiado num dia é simplesmente mudado pela versão do dia seguinte.

As notícias apresentam dados alarmantes para as famílias, coisas como o sofrimento no cativeiro, dificuldades no processo de negociação e violência dos guerrilheiros. Não existe qualquer preocupação em preservar, ou contribuir, para um bom clima emocional das famílias dos seqüestrados. Não há respeito em face do momento delicado.

Um exemplo: no dia 2 de setembro, O Estado de Minas estampava matéria com a seguinte manchete "Reféns Sofrem no Cativeiro". No texto principal, entrevista com a psicóloga colombiana Olga L. Gomes que "confirma a tese universal de que as seqüelas nas vítimas de seqüestro são para sempre" (….) "Os seqüestrados passam a viver o que os especialistas da área chamam de "Síndrome de stress pós-traumático". Em outras palavras, a vítima, após ser libertada, entra no processo de flash back, revivendo tudo o que passou em cativeiro".

O quadro se agrava porque as fontes envolvidas diretamente nas negociações, entre elas a Andrade Gutierrez, por razões óbvias não podem se manifestar.

Os editores e repórteres dos jornais do grupo Estado de Minas poderiam mirar-se na experiência de cobertura de seqüestros dos seus colegas do Rio e São Paulo, onde o silêncio, em respeito aos seqüestrados e suas famílias, tem sido regra de ouro. A Folha de S.Paulo chegou a criar a expressão "razões de segurança", em seu Manual de Redação, para nortear a cobertura de tudo que coloque em risco a segurança pública, de pessoas ou de empresas.
 

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[Paulo Nassar, jornalista]