O “escândalo dos alvarás”, que revelou como grandes construções de São Paulo foram aprovadas ao arrepio da legislação, foi detonado pela Folha em maio. Em uma série de boas reportagens, o jornal mostrou a “explosão patrimonial” do homem que era responsável por aprovar imóveis (Hussain Aref Saab) e apontou irregularidades em vários shoppings.
As denúncias não eram baseadas no “disse isso”, “disse aquilo”. A primeira reportagem foi feita com base em levantamento em cartórios, ao longo de 45 dias, que mostrou que Aref adquiriu 106 imóveis enquanto esteve à frente do setor responsável pela liberação de alvarás na Prefeitura, o Aprov.
Estimulada pelo que viu no “TV Folha”, a executiva Daniela Gonzalez procurou os repórteres para contar que a empresa onde trabalhava pagou propina para liberar obras dos shoppings Pátio Higienópolis e Pátio Paulista. Ela entregou cópias de notas fiscais e e-mails. Aref negou todas as acusações.
A Folha foi a campo verificar possíveis irregularidades. Mandou 11 jornalistas ao estacionamento do Higienópolis contar o número de vagas e constatou que faltam 349 lugares para carros.
Há 10 dias, na cascata de denúncias, o jornal publicou, com destaque na capa, uma acusação contra o ex-secretário do Verde e do Meio Ambiente Eduardo Jorge. Nesse caso, a reportagem tinha apenas a declaração de uma testemunha, que não quis revelar o nome, que disse ao Ministério Público ter participado de “reuniões nas quais o ex-secretário foi citado como beneficiário da propina”. A “testemunha D”, que trabalhava na mesma empresa de Daniela Gonzalez, disse que foram pagos R$ 200 mil para que fosse aprovada a remoção de árvores na construção do Higienópolis.
“Estou decepcionado com o modo irresponsável com que a ‘nossa’ Folha trata questões desta natureza. As matérias são enviesadas no sentido de aceitar, quase sem critério, acusações a figuras de transparente e ilibada conduta”, protestou José da Rocha Carvalheiro, professor titular de medicina da USP, que conhece Eduardo Jorge “desde sua militância discreta, mas consistente na periferia de São Paulo”.
O inquérito é sigiloso. A afirmação da “testemunha D” foi passada aos repórteres, que, em vez de correrem para “dar o furo”, deveriam ter apurado melhor. Poderiam ter estudado o processo de compensação ambiental, tentado ouvir pessoas envolvidas e até investigado se o ex-secretário deu sinais de enriquecimento repentino.
Na semana passada, uma reportagem tentou mostrar que o prazo de aprovação do laudo ambiental do shopping foi curto, mas isso depende de que datas são usadas.
Eduardo Jorge alega inocência, ameaça processar a “testemunha D” -que nem ele sabe quem é- e diz que foi irresponsabilidade da Folha dar a notícia desse jeito. “O que você responde a um repórter que diz que uma pessoa o acusa de corrupção, mas ele não pode contar quem é nem quem passou a informação?”, afirma o ex-secretário.
O jornal precisa tomar cuidado para não comprometer um trabalho que começou bem. Deve insistir em investigação própria para não comer pela mão do Ministério Público. Denúncias no atacado caem no vazio e atropelam reputações.
Mais para a direita
A “Ilustrada” tentou fazer polêmica fácil em sua página de livros da semana passada. Entregou “A Esquerda que Não Teme Dizer seu Nome”, de Vladimir Safatle, para ser resenhado por João Pereira Coutinho. Resultado: comentário genérico e avaliação “ruim”.
Os dois colunistas se enfrentaram em polêmica feroz em fevereiro. “Foi como se o presidente da Gaviões da Fiel fosse chamado para comentar uma obra sobre o Palmeiras”, comparou um dos 13 leitores que reclamaram.
Safatle foi convidado a fazer o mesmo com o livro de Coutinho (“Por que Virei à Direita”), mas se recusou por não ter a “imparcialidade necessária”. Já que um não quis “armar o barraco” ensaiado, a “Ilustrada” não poderia ter publicado a resenha nada neutra do outro. O desequilíbrio ficou evidente.