Um dos esportes preferidos deste verão escorchante é tomar partido na polêmica sobre The Newsroom (A Redação), a nova série da TV a cabo que marca a volta de Aaron Sorkin, depois do triunfo de filmes como A Rede Social e Moneyball, O Homem Que Mudou o Jogo.
A trama: âncora apelidado de Jay Leno do telejornal vai a um evento numa universidade e reage à pergunta – “o que faz a América ser o maior país do mundo?” – com um ataque semelhante ao de Peter Finch no clássico Network (1976), escrito por Paddy Chayefsky. Sobrevoando a estupidez da pergunta, o âncora Will McAvoy se lança num discurso sobre a decadência americana, com truísmos do tipo “Nós combatíamos a pobreza, não os pobres!” e o vídeo, é claro, se torna viral. Está montado o cenário para a redenção do herói nas mãos da idealista produtora executiva contratada para mudar o rumo da divisão de jornalismo com um novo telejornal. Ela só se manifesta em sermões, “Nós não fazemos boa TV, fazemos jornalismo”. Vamos sobrevoar o fato de que nenhuma redação de TV é habitada por hipercafeinados Ruys Barbosas. Afinal, como lembrou o crítico David Denby, num pomposo artigo em defesa de Aaron Sorkin, os jornalistas também não falavam como os personagens de Ben Hecht em The Front Page. Não sejamos literais.
Mas o próprio Sorkin convida ao literalismo porque seus jornalistas cobrem crises que aconteceram de fato e, ao reencenar dramas como o cataclísmico vazamento da plataforma da British Petroleum no Golfo do México, parecem estar nos dando uma lição de ética e competência. E por falar em competência, as duas mulheres mais talentosas da redação têm vidas afetivas desastrosas. Para entender um pouco o clichê, faça uma busca online com estes dois nomes, Aaron Sorkin e Sarah Nicole Prickett, a correspondente do jornal canadense Globe and Mail (inserir aqui efeito sonoro semelhante ao grito de Tarzan).
Aaron Sorkin, é bom lembrar, reinventou o drama na TV nos anos 90 com The West Wing, a série que representava uma Casa Branca idealista e inspirou muitos jovens a entrar na política. Seu diálogo é tão marcante que ele mesmo não resiste a se plagiar, como mostra uma esperta montagem Sorkinism – A Supercut, feita por um fã no YouTube. Um sorkinismo é um diálogo acelerado em que pessoas nunca acometidas por dúvidas esvaziam o cartucho de sua metralhadora moral com a destreza dos personagens de Frank Capra. No evangelho segundo Aaron Sorkin, aqui caberia um comentário sarcástico para embaraçar os leitores jovens que não sabem quem diabos é Frank Capra. Mas não me interesso pelo tipo de desprezo geracional exibido pelo protagonista-alter ego de Sorkin, Will McAvoy, vivido por Jeff Daniels: “A sua é a pior – ponto – geração – ponto – de todos os tempos”, diz ele, logo no começo do primeiro episódio.
O que me leva a especular sobre o verdadeiro racha exposto pelos defensores e detratores de The Newsroom.
O confronto aqui não é entre a virtude da era de jornalistas como Edward Murrow (bem representada em Boa Noite, e Boa Sorte) e o oportunismo invertebrado do jornalismo na era digital. Sorkin deixa claro que detesta Facebook, Twitter e despreza a incultura dos novos habitantes das redações.
No planeta de Aaron Sorkin, a “América”, este país só assim chamado pelos estadunidenses, já foi, sim, o maior e melhor país do mundo, até começar a pecar com a Guerra do Vietnã. O jornalismo americano era uma bolha de integridade não afetada pela ganância das novas corporações de mídia. E homens brancos com a cabeleira cada vez mais rala podiam encher a cara de scotch às 3 da tarde e arrotar insultos porque sua superioridade intelectual e moral justificava qualquer preço pago por mulheres e minorias, representadas em The Newsroom pelo inevitável indiano nerd e o produtor negro que tem coragem de criticar Obama.
Como uma profissional jurássica, isto é, pré-internet, e com experiência de redação no tempo em que o país todo se reunia em torno do telejornal noturno, eu não reconheço este mundo de Aaron Sorkin. Mas reconheço que, se for convidada, a qualquer hora do dia posso ajudar Aaron Sorkin a esvaziar uma garrafa de single malt e chorar as perdas da minha profissão.
Desconfio que o saudosismo feroz do autor não é apenas pelo papel do jornalismo na vida cívica. É pelo declínio do seu próprio papel, como membro de uma elite da cultura popular traumatizada com o impacto tecnológico. O mundo do trabalho não opõe simplisticamente luditas a savants digitais. Sorkin ganhou o Oscar pelo ótimo roteiro em que reduz a emergência do Facebook à dor de cotovelo de seu fundador. Mas desprezar Mark Zuckerberg não é o mesmo que apontar para um futuro alternativo.
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[Lúcia Guimarães é jornalista, em Nova York]