Toda a política brasileira, neste momento, vive à sombra do julgamento do mensalão – a Ação Penal 470, seu nome no Supremo Tribunal Federal. Há entre os réus personalidades que muitos amam odiar ou santificar – gente que lidera e divide, como José Dirceu. Enfim, tantos anos depois dos fatos, faz-se justiça. E cabe à imprensa um papel dos mais importantes na ligação entre o Supremo e a opinião pública, exigindo postura e noticiário equilibrados e precisos.
Noticiário equilibrado não é protestar contra qualquer medida que beneficie algum réu, especialmente os mais conhecidos: é analisá-la, verificar se a concessão está ou não legalmente prevista, e qual seu sentido jurídico. Da mesma forma, se algo for negado a algum dos acusados, verifique-se o motivo, a legislação, a interpretação dos ministros. Não basta um jornalista convicto de que, por ser “do bem”, por ter intenções louváveis, por querer salvar o país e o mundo, está sempre certo, e qual Dom Quixote se mostre disposto a empunhar suas armas. É sempre bom lembrar-se de que, nesses casos, Rocinante, sua montaria, frequentemente não é um cavalo de combate, mas um asno.
Será um julgamento complexo, em que grandes advogados montaram as estratégias de defesa – e, que ninguém se iluda, certamente trarão novos pontos de vista e teses requintadas na defesa de seus clientes. Isso exigirá dos meios de comunicação que se equipem para a cobertura: precisarão de juristas, de repórteres capazes de traduzir a linguagem jurídica para algo inteligível por quem não seja formado em Direito, de checagens e rechecagens, de textos precisos e concisos – pois será preciso apresentar a Sua Excelência, o Consumidor de Informação, um resumo confiável daquilo que está em 50 mil páginas de autos. E, mais difícil ainda, necessitarão de muita humildade – a capacidade de saber que, quando um ministro do Supremo ou um advogado de primeira linha exprime uma opinião sobre temas jurídicos, por mais estranha que pareça aos repórteres, alguma base deve ter.
É claro que esse tipo de cobertura só pode ser feita por veículos sérios de comunicação: a turma que já sabe o que vai dizer, aconteça o que acontecer, continuará condenando antes da acusação ou absolvendo apesar das provas. Neste caso, o importante é a opinião, e os fatos que se danem.
Teremos de um mês e meio a dois meses de julgamento, caso tudo transcorra normalmente. Mas é um trabalho que pode transferir consumidores de informação de um veículo para outro, dependendo do que apresentem. E, uma vez criado o novo hábito, o antigo cliente pode ter sido perdido para sempre.
Questão de cidadania
Este colunista sempre se surpreendeu com a polícia: às vezes, uma estratégia bem sucedida permite prender um grupo de criminosos e colecionar provas de seus atos. Essa estratégia poderia ser repetida várias vezes, mas aparece alguém que não consegue olhar para a luz da câmera sem dizer “alô, mamãe, olha eu aqui” e conta direitinho como é que os bandidos foram surpreendidos e presos.
Burrice? Sim; burrice temperada com vaidade. Mas a imprensa não faz melhor do que isso: burramente, abre espaço para a ganância e toma atitudes que, se à primeira vista favorecem seus clientes de informação, na verdade vão contra a cidadania e transformam os tais beneficiados em vítimas da esperteza alheia.
Um bom exemplo ocorreu outro dia, numa das maiores rádios noticiosas do país: durante um bom tempo (este colunista não sabe exatamente quanto, mas foi de pelo menos dez minutos, talvez tenha chegado a um pouco mais), uma empresária fez propaganda de seu aplicativo, que localiza radares no trânsito e intercepta sinais do rádio da polícia, para que o motorista evite batidas policiais.
Propaganda? Foi – mas pareceu propaganda gratuita. E a repórter, em vez de fazer as perguntas óbvias – quem se beneficiaria, exceto infratores que colocam em risco a vida de outras pessoas, desse tipo de informação? – ficou feliz com a tecnologia inovadora, que ajuda os bêbados e os maníacos da velocidade excessiva a livrar-se da fiscalização, pelo menos até que provoquem acidentes e mortes.
É estranho ter de lembrar isso a um repórter – que, quando entrevista alguém cujo trabalho é driblar a fiscalização, iludir as autoridades, burlar a lei, deve pelo menos perguntar algo a esse respeito.
Lutando contra o voto
Um caso interessantíssimo ocorre em São Paulo: um promotor federal determinou ao governador Geraldo Alckmin que demita o secretário da Segurança. Fez isso em entrevista coletiva, com ameaças (se o governador não aceitasse seu ultimato em poucos dias, entraria com ação na Justiça), e nenhum repórter lhe perguntou em que lei se baseava para determinar a um mandatário eleito que o obedecesse. Ninguém lhe perguntou por que, já que considerava o secretário inepto para a função, não entrava imediatamente com a ação judicial, dispensando o prazo da ameaça.
Imaginemos que o caro colega saiba de algo profundamente desabonador a respeito de alguém. Ou faz a denúncia, se achar que é o caso, ou se cala; se procurar a pessoa referida para determinar-lhe que faça algo em troca do silêncio, estará incorrendo em crime. Por que, no caso de uma autoridade, tem de ser diferente?
Este colunista já apontou várias falhas que, a seu ver, prejudicaram fatalmente o trabalho do secretário da Segurança. Não ficaria nem um pouco triste se alguém mais eficiente assumisse o posto. Mas daí a aceitar que um cavalheiro não-eleito dê ordens a quem foi eleito para governar vai uma distância imensa.
A propósito, quem é o promotor? É o que recentemente foi punido pelo Conselho Nacional do Ministério Público, por 10 votos contra 2, com pena de demissão. A pena foi comutada em três meses de suspensão (há quem diga que, neste período, ele foi também proibido de comer doces na sobremesa). É o mesmo que, quando quis ouvir a empresária Eliana Tranchesi, dona da loja de modas Daslu, mandou invadir o estabelecimento com policiais equipados com armas longas.
Para quê? Para nada: se tivesse telefonado ao advogado dela, um dos profissionais mais corretos e respeitados do país, pedindo que fosse a seu escritório prestar depoimento, ela teria ido; ou, se quisesse certificar-se de que não haveria problemas, poderia ter enviado um policial ou dois para escoltá-la, poupando-nos das caríssimas (e ridículas) cenas de cerco armado a uma loja feminina. A moça era culpada? Deveria ser, tanto que foi condenada na Justiça; mas a exibição de poderio bélico era absolutamente desnecessária.
Mas o problema, lembremos, é outro: quem o cidadão elegeu para governar foi o governador. Quantos votos terá tido o cavalheiro que quer governar em seu lugar?
Nóis qué lê
O lendário Júlio de Mesquita Filho fazia questão de ter, como editorialistas de O Estado de S.Paulo, profissionais de grande cultura e texto de primeira. Um deles, Miguel Urbano Rodrigues, famoso pela competência como escritor e jornalista, certa vez questionou o chefe sobre o uso de uma palavra incomum, que poucos leitores conheceriam. O dr. Julinho lhe perguntou se a palavra estava no dicionário. Estava, claro, confirmou Miguel Urbano. O dr. Julinho completou: “Ótimo. Ir ao dicionário descobrir o que o termo significa faz bem para a cultura do leitor”. Na época, o professor Napoleão Mendes de Almeida escrevia no jornal a coluna “Questões Vernáculas”, discutindo o uso correto do idioma.
De lá para cá, houve fortes mudanças no jornalismo, passou-se a exigir dos profissionais o domínio de várias línguas estrangeiras, mestrados, doutorados, pós-doutorados. E se esqueceram de exigir o domínio do português. A última flor do Lácio, inculta e bela, tem sofrido barbaridades nos nossos jornais. Ainda existem colunas sobre o uso do idioma – como uma ótima, do professor Pasquale Cipro Neto, na Folha de S.Paulo. Mas, fora dessas colunas, o português está perdendo de goleada para algum dialeto misturado, um patoá amalucado. A regência dos verbos, que não é tão difícil assim, foi totalmente abandonada: “ele o agradeceu”, “eu vou lhe encontrar” são frases salpicadas não apenas nos textos de internet, que pelo menos têm a desculpa da velocidade com que foram redigidos, mas também por toda a extensão dos jornais impressos.
Engraçado é que toda a imprensa atacou o livro que o então ministro Fernando Haddad, hoje candidato a prefeito de São Paulo pelo PT, mandou editar, e em que havia frases como “os menino pega os peixe” ou semelhantes. Como é que podem criticar se fazem exatamente a mesma coisa?
A grande Senhor
É uma mescla notável: Nahum Sirotsky, um dos maiores jornalistas brasileiros, criou Senhor, com o primeiro time de todas as áreas: Paulo Francis, Bea Feitler, Carlos Scliar, Glauco Rodrigues, Luiz Lobo, Jaguar, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Newton Rodrigues, Carlos Lacerda, Ferreira Gullar, Millôr Fernandes, Otto Maria Carpeaux, Darcy Ribeiro, Vinícius de Moraes. Foi um sucesso estrondoso – uma revista bonita, bem feita, com excelente conteúdo; tão boa que, mesmo custando praticamente o mesmo preço de um bom livro, chegou a 45 mil assinaturas, fora a venda em bancas. E Ruy Castro, com seu texto maravilhoso, um dos melhores biógrafos do país, foi convocado para retratá-la, com criação gráfica de um astro, Hélio de Almeida.
Só podia dar certo: O Melhor da Senhor reúne artigos, entrevistas, fotos, cartuns, poesias, crônicas, até mesmo propaganda – pois os anúncios também eram de primeira linha. E traz um texto novo, atual, uma preciosidade: “Antimemórias da Senhor”, de Nahum Sirotsky, que hoje trabalha com entusiasmo e brilho como correspondente brasileiro em Tel-Aviv.
Ao mesmo tempo, sai também Uma senhora revista, com os bastidores de Senhor em textos de Nahum Sirotsky, Luiz Lobo, Ivan Lessa, Edeson Coelho, Paulo Francis, João Antônio Buhrer.
Os dois livros, editados pela Editora da Imprensa Oficial de São Paulo, são vendidos juntos. No total, são 520 páginas, por R$ 120,00. Valem cada centavo – aliás, só os textos de Sirotsky compensam o preço, e as esplêndidas colaborações e complementos vêm como brinde. Lançamento no dia 7, a partir das 19h, na Livraria da Vila – rua Fradique Coutinho, 915, São Paulo.
A grande família
Guerra? Sim – mas só lá no Oriente Médio, bem longe daqui. Aqui, sírios e libaneses se integraram, cresceram, ajudaram a criar a cultura de nosso país (hoje, o quibe e a esfiha são tão brasileiros quanto a pizza, o frango xadrez e o pão francês feito por portugueses), atingiram o ponto mais alto do empresariado, da ciência, da medicina, do comércio. Está tudo no livro Libaneses e sírios que fazem o Brasil, de Carlos Abumrad, que conta com muito amor a saga das famílias que alcançaram o objetivo que as trouxe à América do Sul: vencer – e vencer com brilho, para benefício de todos. Edição da CLC, já nas livrarias.
Coisa estranha
Coleção de frases esquisitas:
** “BC faz projeções para 2° semestre otimistas”
Ah, sim: a frase toda torta não trata do Brasil, mas da China.
** “Gol 1.6 muda cara, fica mais bonito e mantém sua alma”
Os teólogos das diversas religiões devem estar debatendo o assunto até agora.
** “Chega ao Brasil do Peru corpo de jovem que caiu de penhasco”
** “Indústria de Manaus perde US$ 16 mi por”
Por? Por mês, por dia, por ano? Ou por falta de gente suficiente no portal?
** “Idade média do produtor sobe, e sucessão na agricultura fica cada vez”
Cada vez, então. Ou cada vez, pois é. Ou ainda, cada vez o que?
Como…
De um grande jornal impresso:
** “(…) em processo que envolve (…) o ex-dono da Varig, Wagner Canhedo”.
Isso no título. No texto, Canhedo é apresentado como ex-proprietário da Vasp. O título está errado, o texto está certo.
…é…
De um grande portal noticioso, ligado a um jornal importante:
** “Nuzman vira membro vitalício do COI até morrer”
Claro: não ficaria bem continuar como membro vitalício exceto em vida.
…mesmo?
De um grande jornal, em matéria sobre vela olímpica, refere-se ao slalom.
Pena que não exista slalom na vela olímpica. Existe em windsurf, mas não nas Olimpíadas (só nas de inverno). De que tratava então a notícia?
Mundo, mundo
Veja só:
** “Atirador do cinema se encontrou com prostitutas antes do ataque, diz site”.
Logo antes? Não, meses antes. Quase um ano: mais precisamente, em agosto de 2011. E que têm elas a dizer sobre ele?
Uma diz que seus traços parecem conhecidos, mas se lembra muito vagamente do rapaz e nem tem certeza de que seja ele. A que o encontrou duas vezes disse que não teve qualquer problema com ele, que foi muito gentil. A outra nem se lembrava do tal rapaz, embora estivesse assinalada em seu computador, num portal de garotas de programa.
Uma dúvida igual à da nota anterior: cadê a notícia?
E eu com isso?
No comecinho do século 19, o presidente americano Thomas Jefferson comentou com um amigo que seu embaixador na França, Benjamin Franklin, não dava notícias há dois anos, e que se ficasse sem contato por mais alguns meses ele lhe escreveria uma carta. Franklin era embaixador numa das grandes potências da época, aliada dos Estados Unidos, que há pouco tempo haviam se tornado independentes da outra grande potência, a Grã-Bretanha. As informações de que precisava eram essenciais para a sobrevivência da jovem nação.
Hoje o mundo está menor, as comunicações são quase instantâneas. Então, temos alguns privilégios que Jefferson não teve. Por exemplo, sabemos que:
** “De gravata rosa, Cachoeira chega para depoimento na Justiça Federal”
** “Kristen Stewart admite pulada de cerca e pede desculpas”
** “De camiseta, Sabrina Sato agradece presente que ganhou de Pato”
** “Kelly Clarkson coloca mansão à venda”
** “Zilu, mulher de Zezé Di Camargo, posa de biquíni em Miami”
** “Documentário mostra Kate Perry chorando no Brasil”
** “Neymar publica foto do filho Davi Lucca usando óculos escuros”
** “Rihanna usa vestido transparente e mostra piercing no mamilo”
** “Incomodada com sandália, Fernanda Paes Leme fica descalça em shopping”
** “Brian de Palma estará em Veneza”
** “Rafinha Bastos não quer que o mundo acabe antes de seu programa fazer sucesso”
Uma boa notícia: tão cedo o mundo não vai se acabar.
O grande título
Há manchetes inegavelmente notáveis. Por exemplo, esta:
** “Câmeras gravaram criminosos de atirar em bancário em SP”
Ou esta:
** “Gata do Paulistão turbina silicone”
Este colunista é do tempo em que se usava silicone para turbinar seios e nádegas. Como será que se faz para turbinar o próprio silicone?
Uma boa manchete, no quesito frase confusa e ainda por cima errada:
** “Bellucci vira sob 8º do mundo e é bi na Suíça”
Se ele virasse sob o oitavo do mundo, seria mesmo bi. Mas fez coisa melhor: tornou-se bicampeão virando sobre o oitavo do mundo.
Na opinião deste colunista, o título abaixo é o melhor por causa da novidade:
** “Maria-chuteira conta com ajuda de amiga e se refresca com picolé de biquininho”
Qual será o sabor de um picolé de biquinininho?
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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]