Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Pesquisador incansável, líder admirado

O falecimento precoce de Valério Cruz Brittos abre uma lacuna irreparável para os estudos em Economia Política da Comunicação (EPC). Natural de Pelotas, o pesquisador da Unisinos, do Rio Grande do Sul, ingressou na instituição em 1997 e, desde 2001, atuava no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação (PPGCC) da universidade. Intensamente empírico em suas concepções, Brittos encontrava-se em pleno afinamento com os problemas fundamentais relacionados aos fenômenos midiáticos, especialmente no que diz respeito ao estudo do mercado brasileiro de televisão. A partir da EPC, interdisciplina que regia suas pesquisas, buscava analisar as relações de poder desenvolvidas nos processos de produção, distribuição e consumo dos recursos comunicacionais.

Organizador de diversos livros, seus esforços acadêmicos foram especialmente direcionados para a formação de novos pesquisadores. Não obstante, seu talento em gerir competências, sua capacidade intelectual e a forte exigência pessoal transformaram Brittos em um dos mais prolíferos colaboradores da sua área de conhecimento. Com uma densa coleção de publicações, o intenso ritmo de trabalho do pesquisador mantinha-se coerente com suas concepções materialistas, no melhor sentido da teoria marxista. Sob sua supervisão, era forte o intercâmbio de expertise entre docentes e discentes, uma vez que cada qual colaborava a partir de sua condição, aliando às análises a autoridade de um pesquisador sênior com o grau de conhecimento de seus colaboradores – essencialmente seus mestrandos e doutorandos.

Seu último livro em vida, o ainda inédito Economia Política das Indústrias Culturais, co-organizado com Andres Kalikoske, representa o esforço dos economistas políticos da comunicação em analisar as chamadas indústrias criativas, concepção que Brittos ambicionava pesquisar a partir do próximo ano. Com textos assinados por pesquisadores de renome, a obra será lançada simultaneamente no Brasil e em Portugal a partir de setembro de 2012, sob o selo da editora lusitana Media XXI.

Multiplicidade da oferta

O grupo de pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (Cepos), criado e liderado por Brittos desde 2002, constituiu-se ao longo dos últimos dez anos um dos principais polos de produção científica dos estudos em EPC. Trata-se de um expoente regional que se materializa mundialmente a partir de sinergias acadêmicas diversas, que envolvem reconhecidos pesquisadores brasileiros, latino-americanos e europeus de importantes instituições. Apostando na diversidade, Brittosconseguiu reunir em seu grupo de pesquisa doutores, doutorandos, mestres, mestrandos, graduados e graduandos. Assim, inegavelmente fomentou um espaço plural e qualificado para o debate acadêmico. Os três principais conceitos desenvolvidos por Brittos durante sua atuação como pesquisador são recuperados e resumidamente discutidos a seguir.

Um dos conceitos-chave na obra de Brittos foi sua identificação sobre o fenômeno denominado Fase da Multiplicidade da Oferta, cujo desenvolvimento iniciou-se em 1995. Trata-se da ampliação substancial do número de opções comunicacionais, com todos os setores disputando a atenção do consumidor. Na indústria televisiva, tecnologia e comunicação rendem-se aos interesses do capital, representando uma maior possibilidade de escolha para o consumidor. Inicialmente concebido para o mercado televisivo, a Fase da Multiplicidade da Oferta acaba por compreender também a indústria radiofônica, sendo posteriormente estendido a diversos suportes digitais convergentes.

Mas tal ampliação não deve confundida com diversidade, alertava Brittos. Este foi um período marcado pela exclusão pelos preços, uma vez que a cobrança direta das ofertas disponibilizadas acabou por restringir o acesso a determinados conteúdos – como no caso da TV paga –, atingindo especialmente os consumidores economicamente menos favorecidos. As empresas recorrem a alianças, economias e sinergias para aumentar a rentabilidade de seus produtos e, assim, explorar novos espaços.

Conteúdos não-hegemônicos

Brittos foi o principal responsável por categorizar o padrão alternativo encontrado nas produções audiovisuais. Juntamente com seus colaboradores, considerou que este modelo de audiovisual envolve os seguintes elementos:

a) conteúdo social, a partir da realização e veiculação de material que contenha dimensão libertadora, portanto diferenciando-se do sistema hegemônico, independentemente de tratar de questões políticas ou de outra ordem;

b) baixo custo, uma vez encoraja-se o usuário doméstico a controlar todas as fases de produção de maneira a poder ser desenvolvida por comunidades e organizações de segmentos diversos, otimizando recursos públicos envolvidos e buscando não excluir através de taxas de acesso;

c) múltiplas plataformas, a partir de reconstruções e respostas dos usuários ao audiovisual originalmente produzido, que pode ocorrer a partir da produção de um novo audiovisual ou mesmo com o processamento coletivo do original em escolas ou comunidades, efetivando assim o debate do conteúdo;

d) produção descentralizada, a partir da disseminação do audiovisual entre agentes que tradicionalmente não integram esta cadeia de valor. Compreende-se que, para que isso possa ocorrer, é necessário financiamento, preparação dos usuários através de treinamento específico e utilização de plataformas amigáveis;

e) interação, estimulando a organização de debates nas comunidades, posteriormente a exibição dos conteúdos. Deve-se, portanto, ir além dos limites tecnológicos disponíveis, cuja utilização também deve ser encorajada;

f) criatividade, incentivando o espírito inventivo do brasileiro não somente como resposta para as limitações técnicas, mas no conjunto das ações que envolvem a produção audiovisual (formato, recursos humanos, logística, cenografia locações etc.).

A inovação da PluriTV

Um novo modelo de negócio para os conteúdos audiovisuais se clarificou a partir do conceito que Brittos denominou de PluriTV. Com a digitalização dos conteúdos, o pesquisador considerou a pluralidade das ofertas audiovisuais, uma vez que a televisão perde sua hegemonia e seus conteúdos passam a integrar novas telas – que se fazem presentes especialmente em grandes centros de compras e meios de transportes, etc. Com a convergência intensificada, a televisão perde gradativamente sua capacidade de mediar o controle social, passando a dividir este lugar também com outros aparelhos eletrônicos, como celulares multifuncionais, computadores portáteis e tablets.

Mas a TV tradicional não sai de cena, passando a conviver com uma pluralidade de telas, com modelos específicos de serviços e negócios, que passam a oferecer poucas certezas e muitas possibilidades. No quesito conteúdo, a inovação da PluriTV poderia ser muito maior. Isso porque seu potencial rapidamente chamou a atenção de atores hegemônicos do mercado televisivo, que passaram a redistribuir seus produtos estoques nas múltiplas telas.

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[Andres Kalikoske é coordenador e professor da especialização “Televisão e Convergência Digital” na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos)]