Incentivar o uso da TV móvel, item que, segundo projeções da Anatel, estará nas mãos de 100 milhões de brasileiros até a Copa de 2014, é ponto primordial para a política interna da TV Globo no momento. Enquanto difunde o uso da TV ao vivo via celular ou tablet, a emissora procura inibir o hábito da TV sob demanda e da TV que é gravada para ser vista depois.
Os planos para a TV móvel, assim como as contas que justificam o reinado da TV aberta nessa era em que internet e TV paga crescem como nunca no Brasil, foram assuntos abordados pelo diretor-geral da TV Globo, Octávio Florisbal, em entrevista exclusiva ao Estado na sexta-feira (10/8), na sede da emissora em São Paulo.
“TV no celular vai ser veículo de massa”
A Globo tem sido procurada por operadoras de vídeo sob demanda para vender seu conteúdo. Há planos para isso?
Octávio Florisbal – Como temos ainda muito bons números de audiência na TV aberta, e temos bons números de audiência na internet, com o jornalismo, o esporte e o entretenimento, não podemos fazer uma autofagia, não podemos estimular o nosso telespectador a deixar de ver televisão linear, ao vivo, para ver depois, porque isso aqui (a TV linear) vale muito mais que o outro lado.
Ao mesmo tempo, a emissora tem incentivado o público a ver TV móvel, por meio de suas novelas. É uma aposta para a Copa?
O.F. – O Ibope agora fez uma parceria com a Video Research, empresa japonesa que já avançou nesse terreno para medir a audiência da TV móvel. Se isso der certo aqui, será um ótimo negócio para a Copa. Temos um estudo, há bastante tempo, para saber como manter a nossa audiência na TV aberta e nos nossos portais e, ao mesmo tempo, como explorar aplicativos em celulares e 3 G para a Copa. TV no celular, em 2014, vai ser veículo de massa. A gente olha isso e olha a questão das redes sociais, em que as pessoas têm o hábito de comentar a TV.
“Acompanhamos a questão de audiência, somos neuróticos”
E a TV móvel pode inibir o hábito da TV sob demanda?
O.F. – A questão de você assistir à TV time shifting, como eles dizem nos EUA, que é gravar para ver depois, vai criando um hábito de não mais precisar chegar em casa para ver a novela, você assiste depois. Isso, com o tempo, vai corroendo a audiência. Quantas vezes fomos procurados por Netflix, pelo Now (da Net), e dissemos “Não”? Temos de ver como criar o nosso próprio video on demand. Agora, fora do lar, temos todo o interesse em cultivar esse hábito.
Nos últimos cinco anos, em termos porcentuais, a Globo reduziu sua fatia de audiência, mas não perdeu receita publicitária. Como a TV aberta abocanha 65% da publicidade, com internet e TV paga em pleno crescimento?
O.F. – Nós acompanhamos essa questão de audiência, somos neuróticos. Temos duas reuniões por semana, de programação, conteúdo, e a gente fica mapeando tudo. O PNT (Painel Nacional do Ibope) foi inaugurado em 1997. A Globo tinha, de 97 a 2004, 21 pontos das 7h à 0h. O SBT vinha em segundo, a Record, em terceiro – somavam 12, 13 pontos, a mesma coisa que hoje. Entre 2005 e 2006, fomos a 23 pontos. Depois voltamos a 21. Nos últimos anos, no PNT, temos 18, 19 pontos. Se você olhar assim, tem uma perda percentual, mas, hoje, os 18 pontos são muito mais telespectadores do que os 21 de 1997, porque hoje há 55 milhões de domicílios vendo TV e lá havia 35 milhões.
“Classe C assiste TV aberta, filmes dublados e canais de esportes”
A queixa da Record é que a fatia que a Globo tem disso em publicidade já não corresponde à fatia de audiência.
O.F. – No primeiro semestre deste ano, numa lista dos 50 programas de maior audiência, 47 são da Globo (PNT). As agências e os anunciantes sabem o target que eles querem atingir, e eles fazem esse ranking, eles têm lá os simuladores deles. Eles pegam assim os 30 maiores e a grande maioria é da TV Globo. A TV Globo, de fato, nesses 65% de TV aberta, tem uma participação majoritária, acima de 50%. E há o parâmetro dos dois dígitos (acima de 10 pontos no Ibope). Atingir dois dígitos é um fator que desperta a atenção do mercado. Ontem (quinta-feira, 9/8), nós tivemos 22 ou 23 programas acima de 10 pontos. A Record teve um programa e o SBT teve um. A Globo tem o menor custo por mil (consumidores).
O crescimento da TV paga não afeta o faturamento da aberta?
O.F. – A TV paga sempre se colocou como uma TV da classe AB, é mais para nichos, mesmo com a chegada agora da classe C. Os anunciantes quase não programam TV paga para públicos de classe B2 para baixo porque eles já foram atingidos pela TV aberta, que é muito assistida por quem tem TV paga. A TV aberta ainda tem 55% de participação na audiência de quem tem TV paga – selecionando só a classe C que entrou na TV paga, essa participação da TV aberta é de 75%. Fizemos uma pesquisa para saber sobre a classe C que agora está entrando bastante na TV paga: eles assistem maciçamente TV aberta, filmes dublados e canais de esportes.
“Não vai haver velhinho enlouquecido nas redes sociais”
A Globo agora tem duas novelas no ar, com caráter inovador: Avenida Brasile Cheias de Charme, que exploram como nunca as classes ascendentes e a internet. É proposital?
O.F. – São duas novelas muito boas, de tempos em tempos se consegue isso. Elas são para todos os públicos, mas têm uma abordagem mais popular. Tem muito aí das pesquisas que a gente faz com essas novas classes sociais ascendentes, como elas se veem, como elas vivem. A gente faz algumas pesquisas com jeitão antropológico, que colocam pessoas da família para pesquisar a própria família, para ver o papo que rola, como elas se alimentam, como se vestem, sem interferência de pesquisador. Aí o irmão brinca com a irmã: “Suponha que você vai a um baile funk. Me conta com que roupa você vai.” E a gente vai vendo as preferências, as cores, os pontos de encontro fora de casa, o que eles valorizam. No passado, eles miravam muito a classe superior. Agora eles têm um desejo de ascensão, de mobilidade social, mas são muito orgulhosos da posição que conquistaram: não querem sair do bairro onde estão, querem ser reconhecidos ali. É algo que essas novelas conseguiram captar.
A Globo reduziu seu conteúdo infantil a uma sessão semanal: como se cria uma nova geração de espectadores sem isso?
O.F. – Na prática, a gente não deixa de criar o hábito do público infantil, porque as crianças assistem à programação com os pais, elas vão se habituando a ver a novela, o jornal, o jogo. Se você computar, tem mais criança assistindo novela do que programação infantil. E tem um rito de passagem. À medida que você vai evoluindo, vai modificando seus hábitos. Hoje, um adolescente de 14 anos está muito envolvido com internet, redes sociais: será que no futuro ele vai deixar de ver TV? Não vai. Quando ele casar, tiver filhos e chegar em casa, ele vai jantar, querer ver o jogo de futebol e não vai ficar como um maluco na internet. É claro que as pessoas de mais idade são as que assistem à TV aberta, em qualquer lugar do mundo. Não vai existir um velhinho enlouquecido nas redes sociais.
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[Cristina Padiglione, do Estado de S.Paulo]