Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O telejornal dos sonhos

Num artigo recente na New Yorker (9/7), “Seeing it Now”, o professor Louis Menand coloca em seu devido lugar, para não dizer que desconstrói, dois mitos do telejornalismo americano. Primeiro, escreve ele, a queda do senador Joseph McCarthy, em 1954, deve-se muito menos ao famoso programa que Edward R. Murrow fez a seu respeito na CBS, como mostra o filme Boa Noite e Boa Sorte, do que à cobertura intensiva da ABC sobre as famigeradas sessões do Senado. Segundo, diz, não há provas consistentes de que o presidente Lyndon Johnson tenha desistido de se candidatar à reeleição, em 1968, depois de assistir a Report from Vietnam, realizado por Walter Cronkite, assim como não passa de lenda que tenha dito: “Se perdemos Cronkite, perdemos metade da América.”

Murrow e Cronkite são personagens centrais na história do jornalismo americano. Não à toa, são homenageados na vinheta de abertura de The Newsroom, badalada série da HBO que acaba de estrear no Brasil. Igualmente, não é sem razão que estes dois episódios lendários são citados numa das cenas finais do primeiro episódio. Depois de anos e anos lendo notícias sem comentá-las, o âncora Will McAvoy (Jeff Daniels) dá uma guinada na carreira e é convencido a imprimir um tom mais crítico ao noticiário que apresenta. Ainda em dúvida sobre o sucesso da mudança, McAvoy é incentivado pelo veterano Charlie Skinner (Sam Waterston), chefe do jornalismo da rede de televisão, a apostar neste novo rumo para o telejornal.

CNN perdeu o próprio rumo

Na própria sala de trabalho, em torno de uma garrafa e dois copos de uísque, um clichê clássico, Skinner recita: “Âncoras com opinião não são uma novidade.” E decreta: “Murrow tinha uma opinião e pôs um fim a McCarthy. Cronkite tinha uma opinião e pôs um fim no Vietnã.” The Newsroom se constrói, portanto, muito com base na alta conta que os jornalistas têm a respeito do próprio trabalho. Ainda assim, o seriado tem o mérito de colocar em pauta um assunto que, de fato, interessa a um público maior: a qualidade do telejornalismo produzido hoje – e não apenas nos Estados Unidos.

Nitidamente, o pano de fundo de The Newsroom é o terremoto causado no “sistema” pela Fox News, do grupo Murdoch, com seu jornalismo de orientação conservadora, sem pudor de parecer enviesado. A CNN, tida como um padrão do modelo “só notícias”, perdeu não apenas audiência como o próprio rumo, enquanto âncoras e comentaristas vistos como liberais ganharam espaço em diversas emissoras.

Esforço da Globo ainda é pré-história

O telejornalismo brasileiro já ensaiou algumas experiências com “âncoras”, no sentido discutido em The Newsroom. Mas poucas prosperaram. O pioneiro Boris Casoy (Band) eventualmente manifesta sua opinião sobre determinados fatos, mas o modelo hegemônico ainda é o “só notícias”.

Sinal do atraso em que a discussão sobre a qualidade do telejornalismo se encontra no Brasil é uma novidade recente na Globo – o esforço para fazer os seus apresentadores parecerem mais naturais. William Bonner e Patrícia Poeta passam a noite trocando olhares no Jornal Nacional, enquanto Evaristo Costa e Sandra Annenberg ganharam manchetes por conta de piadas feitas ao vivo no Hoje.

Diante dos dilemas de McAvoy, isso ainda é a pré-história.

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[Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo]