Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

(Tele)Jornalismo como crença

Personagem de destaque na sociedade brasileira, a televisão pode ser motivo ou pretexto para o lazer, para a informação, para os encontros, e ainda para as críticas, com maior ou menor grau de precisão. Apesar disso, ou talvez exatamente pela sua intensa presença em nosso cotidiano, sua análise se constitua um desafio, que se renova junto ao seu fluxo, e às mudanças tecnológicas e mesmo sociais.

Desde 1950, quando chega ao país em emissões inicialmente restritas a São Paulo (TV Tupi), a TV acenava com a perspectiva de reduzir as diferenças no acesso ao entretenimento, nos anúncios que prometiam a chegada do cinema às casas de quem adquirisse um aparelho receptor. Ainda que presente desde o segundo dia de programação, o jornalismo televisivo só veio a consolidar-se mais tarde, à medida que essa mídia se popularizava, e os avanços tecnológicos permitiam o surgimento de práticas de reportagem capazes de utilizar as potencialidades e mesmo a linguagem desse meio.

Desde a década de 1970 contudo o telejornalismo ocupa um lugar central como meio de informação de significativa parcela da população brasileira. Marcada pelo predomínio da oralidade como forma preferencial de expressão, a sociedade é narrada, e-ditada , pelos jornais televisivos, por meio dos quais deveria em tese se atualizar e (re)conhecer. Mas seria essa promessa cumprida, em um país que também tem como uma de suas características grandes diferenças ou variações de hábitos, costumes, origens, sotaques, culturas e religiões, sem contar com a grande desigualdade social?

As respostas a essa questão também podem ser diversas, conforme o grau de proximidade com a televisão, suas práticas de produção e consumo. De maneira geral, contudo, as queixas de que haveria uma excessiva superficialidade costumam destacar-se, especialmente entre aqueles que analisam a televisão a partir de sua inserção social, ou a partir do que Wolton denomina ideologia política da TV. Os mais envolvidos com as práticas costumam responder a essas críticas ressaltando as características, sobretudo técnicas, do veículo.

Percepção da imagem

Nos últimos anos, o telejornalismo tem se constituído no Brasil também como objeto de estudo em profundidade, e mobilizado pesquisadores que se reúnem sobretudo por meio de sociedades científicas da área de Comunicação. Desde 2009 a Intercom, Sociedade Brasileira de Estudos em Telejornalismo, mantém um grupo de pesquisa voltado especialmente para o jornalismo audiovisual, com a apresentação de cerca de 100 trabalhos nos últimos três anos. Nos encontros anuais da Associação Brasileira de Pesquisadores de Jornalismo (SBPJor), desde 2004 há sessões coordenadas voltadas à apresentação de pesquisas sobre telejornalismo, além de uma rede que reúne seus pesquisadores.

Grande parte dos textos apresentados dedica-se a analisar os programas jornalísticos na televisão, ou algumas coberturas em particular. Outros trabalhos buscam discutir as características da linguagem ou as especificidades da narrativa no telejornalismo e sua qualidade, sendo menos numerosas as pesquisas que se voltam à análise da recepção dos conteúdos noticiosos televisivos, ou de sua eficácia informativa. Dessa forma, a publicação desse livro, “Discurso, identidade, representaç?o – A presença evangélica no telejornalismo brasileiro” constitui-se em uma importante contribuição para que possamos compreender melhor os noticiários televisivos, e por meio deles, a própria sociedade brasileira.

Resultado da dissertação de mestrado da autora, o trabalho ainda representa a oportunidade de suprir uma lacuna nos estudos que tratam da relação entre mídia e religião. Vista com desconfiança ou restrição em algumas correntes religiosas, a televisão teria ocupado um lugar próximo a um altar como apontam estudos que tratam dos programas religiosos ou das estratégias de evangelização eletrônica. A presença da religião em telenovelas, ou mesmo a propriedade de emissoras de TV por grupos religiosos é foco de outras pesquisas já publicadas no país.

Investigar a relação entre o jornalismo e os evangélicos, grupo que tem se tornado a cada ano mais numeroso, como apontam os levantamentos censitários, permanecia uma promessa, agora cumprida com esta publicação. Em seu estudo, Hideíde Brito Torres avalia a forma de representação de dois grupos protestantes históricos – Batistas e Metodistas – em dois telejornais veiculados em rede nacional de televisão: Jornal Nacional (TV Globo) e Jornal da Record (TV Record). O trabalho apresenta uma análise atenta das estratégias narrativas e discursivas utilizadas por uma emissora laica e outra ligada a uma denominação religiosa para representar os evangélicos, buscando construir assim sentidos de identidade e alteridade.

Mas se para os produtores dos telejornais a audiência permanece presumida, como conceituou o pesquisador Alfredo Vizeu (2005), as percepções dos evangélicos acerca de sua imagem, narrada nos noticiários televisivos, também foram levantadas no trabalho da autora. Será que os batistas e metodistas se reconhecem nos discursos que os telejornais ofertam aos seus telespectadores? Para responder a essa questão, resta um convite-provocação: à leitura!

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Resumo

A obra, fruto da dissertação de mestrado da autora, aborda a construção identitária dos evangélicos no Jornal Nacional e no Jornal da Record, pelos marcadores discursivos da identidade e da alteridade. Também contempla um estudo de recepção das notícias analisadas junto a fiéis metodistas e batistas de uma cidade do interior de Minas Gerais, indagando se o fato de uma emissora estar ligada a esse segmento promove ou não uma identificação dos evangélicos com a mesma. Os referenciais teóricos envolvem as discussões promovidas pelos Estudos Culturais Britânicos e o Interacionismo Simbólico e as metodologias incluem a análise de discurso com base em Foucault, a dramaturgia do telejornalismo e grupos focais.

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[Iluska Coutinho é jornalista formada pela Universidade Federal do Espírito Santo, mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade de Brasília e doutora em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo. Professora adjunta da Universidade Federal de Juiz de Fora e orientadora desta pesquisa]