Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Demissão no Yahoo por comentário que vazou

David Chalian, chefe do escritório do Yahoo em Washington, foi demitido em tempo recorde na quarta-feira (29/8), após ter dito, sem perceber que o microfone estava ligado, que o candidato à presidência Mitt Romney e sua esposa não estavam preocupados com as vítimas afro-americanas do furacão Isaac, que se aproximava da Louisiana. “Eles estão felizes por estar numa festa enquanto os negros se afogam”, disse Chalian.

O comentário foi feito numa transmissão por internet – parceria do Yahoo com a ABC News – durante a Convenção Nacional Republicana em Tampa, Flórida. Anne Espiritu, porta-voz do Yahoo, afirmou que o comentário foi inapropriado e não representa a opinião da empresa. “Já nos comunicamos com a campanha de Romney e pedimos desculpas ao candidato, à sua equipe, aos seus seguidores e a qualquer pessoa que se tenha sentido ofendida”, reforçou. Chalian procurou o Twitter e o Facebook para pedir desculpas. “Peço imensamente desculpas por ter feito uma piada inapropriada e indelicada.”

Nova era

O fato de um jornalista de uma grande empresa de mídia digital ter sido demitido devido a um clássico erro de televisão é um alerta de como o cenário mudou. As transmissões por internet têm uma audiência bem menor do que a televisão, mas não ficam livres das armadilhas potenciais. À medida que as empresas digitais avançam para o complicado mundo dos teleprompters, microfones e comentários ao vivo, fica evidente que alguns ovos terão que ser quebrados para tornar este tipo específico de mídia uma omelete.

Não faz muito tempo, o trabalho do jornalista era prosaico: se ele (ou ela) trabalhava para um jornal impresso, coletava seus dados, escrevia sua matéria e ia para casa. Hoje, no entanto, repórteres recebem diversas ferramentas para produzir o texto – e espera-se que eles, principalmente na esfera política, façam milagres escrevendo matérias, destacando temas nos blogs, atualizando o Facebook e o Twitter e acessando a TV a cabo para fazer seus próprios vídeos. O ritmo tranquilo foi substituído por um esquema de mídia incessante, contínuo e insaciável. Às vezes os repórteres caem em armadilhas quando tentam passar de uma plataforma para outra. Com a nova mídia entrando no reino herdado da mídia tradicional – e com a chamada velha mídia adotando novas tecnologias –, multiplica-se a possibilidade de erros.

Os veículos querem que seus repórteres sejam onipresentes, criando uma identidade persistente e abrindo novos caminhos. É como se fosse uma espécie de nova era, quando as audiências têm acesso a muitas vozes e desejam uma infinidade de plataformas. Isso torna uma tarefa que já foi simples – busque a notícia, conte-a e faça a matéria – muito mais complicada.

Processo humano

Na opinião de David Carr, do blog Media Decoder, do New York Times [30/8/12], Chalian disse uma grande e deselegante bobagem que sugeria um significativo preconceito pessoal e, portanto, nada há de surpreendente que tenha acabado com problemas. Na cobertura de acontecimentos ao vivo, com áudio e vídeo, certamente é necessário que os participantes saibam quando estão no ar, ou conectados à internet, e quando não estão. “Mas não deixamos de sentir que o ousado novo mundo em que operamos teve um papel em sua demissão. A resposta a ‘Isso está ligado? ’ é sempre sim”, comentou.

No Twitter, houve quem sugerisse que, considerando o histórico de reportagens imparciais e o trabalho sólido de Chalian, o Yahoo teria agido de maneira precipitada. Para Mathew Ingram, do GigaOm [31/8/12], é hora de admitir que jornalistas têm emoções e opiniões, em vez de esperar que sejam robôs imparciais. Ele acredita que parte de grupos de mídia almeja que jornalistas como Chalian nunca expressem opiniões. “O paradoxo jornalístico é que repórteres e editores não podem ter opinião ou não podem divulgá-las”, afirma Jack Shafer, da Reuters.

O tipo de piada feito por Chalian é comum em redações ou em qualquer lugar em que jornalistas se reúnem. De alguma maneira, como as mídias sociais são um imenso “microfone aberto”, o público acaba tendo uma visão do processo jornalístico – que é muito humano. Com informações de David Bauder [New York Times, 30/8/12] e da Associated Press [30/8/2012].