Numa prova de português do ensino fundamental, ante a pergunta sobre qual era a função do apóstrofo, um aluno respondeu: “Apóstrofos são os amigos de Jesus, que se juntaram naquela jantinha que o Leonardo fotografou.” A frase, além de alertar sobre os avanços que precisamos na excelência da educação, é didática quanto aos cuidados no uso da língua portuguesa, preciosidade que herdamos dos lusos, do galego e do latim.
O erro gritante que o aluno cometeu ao confundir dois termos com sonoridade parecida foi agravado com a colocação da vírgula depois de “amigos de Jesus”. Sim, pois o sinal tornou a frase afirmativa de que os apóstolos eram todos os amigos que Jesus tinha. Ou seja, uma simples vírgula colocou em xeque o que teólogo algum ousou questionar, em mais de 20 séculos, quanto ao número de seguidores de Cristo. Aliás, observo que vírgulas usadas indevidamente têm transformado Lula no único chefe de Estado anterior à presidenta Dilma Rousseff. Há quem escreva assim: “O ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva” (…). Ao destacá-lo entre os sinais de pontuação, o redator renega, por virgulação, todos os demais ocupantes do cargo desde a Proclamação da República.
Por falar em vírgula, lembrei-me de caso ocorrido numa cidade paulista. O vereador proponente lia seu “improviso” na cerimônia de outorga do título de cidadania a um professor de português. A iniciativa deveu-se ao fato de o mestre ter alfabetizado o nobre edil e outros munícipes no curso de adultos. O exaltado orador disparou: “Este grande letrista me transformou num competente palavrista, pontuador e virgolapense.” Um constrangido catedrático, ao discursar, agradeceu, mas recusou a homenagem. “Não a mereço”, frisou. Em tempo: virgolapense é o gentílico do município de Virgem da Lapa, localizado no Vale do Jequitinhonha (MG).
O artifício do veto
Ao não dar explicações sobre o óbvio, o velho membro do magistério evitou a redundância, esse vício que polui o idioma, como ilustra ato de assinatura de convênio para projeto de piscicultura numa pequena cidade do interior gaúcho. “Vamos vender nosso peixe em todos os países da Terra”, bradou o prefeito, num arroubo de entusiasmo. “Questão de ordem, excelência, mas só nos da Terra? Por que não também nos países de Marte, Vênus e até Saturno?”, ironizou o líder da oposição na Câmara Municipal.
O poder da vírgula e o das palavras é tão importante que, no passado, o artifício do veto à pontuação foi usado para mudar o teor das leis contra os interesses da sociedade.
Assim, preocupado com o nosso idioma e com a paciência dos leitores, encerro hoje um ano de modesta colaboração à Folha. Obrigado!
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[Josué Gomes da Silva é presidente do grupo Coteminas]