Não entendo como é possível apresentar à sociedade um ranking das universidades brasileiras, tal como o apresentado nesta semana, onde em um dos indicadores – e logo qual, a qualidade do ensino – 132 das 191 instituições listadas aparecem com pontuação zero (0) [ver caderno especial da Folha de S.Paulo (3/9/2012)].
O descalabro une, num mesmo zero, universidades de portes muito distintos. Algumas detentoras de larga história como é o caso da Universidade Federal da Paraíba, criada em 1955 e classificada em 26º lugar (24.217 alunos e 115 cursos), muito bem pontuada em pesquisa por exemplo, e outras recém-criadas tais como a Universidade Virtual do Estado do Maranhão, criada em 2008, e classificada em 187º lugar (17 alunos, 1 curso), ou a Universidade Estadual de Roraima, de 2005, 188º lugar (3240 alunos, 22 cursos).
Esse ‘efeito especial’ é o resultado direto da metodologia adotada, que envolveu a realização de entrevistas com 597 pesquisadores, os quais deveriam apontar as 10 melhores instituições em suas respectivas áreas de atuação. Cheguei a escrever aos organizadores para me certificar de que foi só isso – mas não obtive resposta.
Esse método é bom para estabelecer “um certo consenso” sobre as melhores, mas como estratégia de avaliação do ensino é pra lá de bizarro. Concentra o foco em um conjunto pequeno de universidades e homogeneíza todo o restante – deixando 132 instituições com indicador zero.
Outras instâncias
Na verdade, o índice falsifica toda a rede de números produzidos, não apenas os zeros, ampliando a nota das universidades mais citadas. O ensino é algo bem mais sutil e fundamental (ou pelo menos pode ser, deve ser), é esteio de vida – merece, dessa forma, uma abordagem mais ‘civilizada’.
Além disso, o episódio é estranho porque não estamos mais num ambiente desprovido de informações sobre nossas universidades. O próprio site do ranking faz referência ao IGC – Índice Geral de Cursos do MEC, no caso, em sua forma integrada (ensino de graduação e pós-graduação). Sendo assim, porque não integrou esse valioso dado em sua paleta de indicadores?
O mundo transformou em moda a divulgação de rankings de universidades (o problema já começa daí, da palavra). Parece de bom tom exercer o poder de classificá-las, transformá-las em selos de distinção – como se o conhecimento fosse mercadoria, tal como previu Lyotard em 1979.
E é aí que as coisas se enroscam. Algo que poderia ter a função de aumentar a consciência da sociedade sobre o valor estratégico do mundo do conhecimento, sobre o verdadeiro papel de sistema imunológico que a produção de conhecimento desempenha numa sociedade, acaba diminuindo. Entre mérito e ideologia a separação é tênue.
Estou me referindo de forma especial à ideologia do ‘centrismo’ – a inconsciência com relação às diferenças regionais, a incapacidade de perceber o tamanho da injustiça resultante dessa projeção da imagem de 132 instituições brasileiras, a insensibilidade diante do esforço de várias gerações de estudiosos e pesquisadores, quando zero mesmo merecia o próprio desindicador de ‘qualidade de ensino’.
Com relação aos outros indicadores não resta dúvida que é importante a inclusão da percepção do mercado – mas será preciso avançar para incluir outras instâncias de avaliação da sociedade sobre a gestão do conhecimento. O indicador de inovação traduz uma urgência entre nós, e é muito oportuno. Espera-se, portanto, que a metodologia seja repensada.
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[Paulo Costa Lima é compositor e escritor. Pesquisador CNPq. Academia de Letras (cadeira 8 – Cipriano Barata) e Academia de Ciências da Bahia. Professor Composição e Análise. Mestre (Univ. Illinois) Doutor (UFBA e USP)]