Discute-se atualmente a associação entre a mídia e as redes sociais e os jornalistas criticam as novas regras. Não seria exagerado dizer que os usuários leitores do Observatório da Imprensa estariam boquiabertos com os assuntos que lhes dizem respeito – constatar a associação entre empresas da mídia e de redes sociais – e a reclamação dos (próprios) profissionais acerca da censura à liberdade de imprensa. Haveria algo mais que poderia afetar milhões de usuários das redes sociais – além de receber conteúdo direcionado e de sofrer censura na rede – não sendo sequer empresa, tampouco profissional de comunicação? A associação parece inevitável em um cenário próximo e poderia responder às questões sobre o conteúdo da comunicação e a liberdade de manifestação.
Se o conteúdo da comunicação for afetado pela a associação entre empresas de mídia e de rede social, fala-se, na verdade, de uma “concentração de mercado de usuários”. Não seria necessário ser vidente para ter previsto que, desde quando uma emissora de TV a cabo adquiriu outra concorrente, os filmes do “cardápio HBO” já não seriam mais os filmes da “outrora HBO”.
Se a associação mencionada pode afetar os receptores da comunicação, de nada importaria dizer que se trata de um serviço gratuito e que, ao se cadastrar, o usuário teria aceitado qualquer circunstância do “contrato” (note-se que uma rede social dispõe, em contrato, no Brasil, que em caso de disputas a resolução dos conflitos se faz via arbitragem com o foro competente, o do estado da Califórnia… A rede social pagaria o bilhete aéreo?).
Censura e responsabilidade
Se determinada rede social, em associação com a mídia, posiciona seu curso de ação, expressamente, como uma “vantagem competitiva” de mercado, não seria a relação gratuita com o usuário que lhe permitiria aproveitar-se da própria torpeza. A rede social receberia uma remuneração em virtude da associação com uma empresa de mídia, clamaria o sucesso da empreitada e, com relação aos usuários, alegaria a gratuidade do serviço? Hoje, já seria extemporâneo caracterizar as empresas de rede social como entes de comunicação social.
Caberia aos profissionais da imprensa e aos veículos não simplesmente deixarem de confiar na divulgação de conteúdo via rede social, mas, sim, programarem ações para contestar o cenário. Mas isso não seria, ao combater a tal associação, o interesse final de grandes grupos econômicos da mídia. O discurso por meio do qual se afirma que “jornais e outros veículos da mídia teriam confiado na rede e hoje podem acabar lamentando o que fizeram” não faz sentido para a mídia e seus oligopólios. Os usuários, ao final, não poderiam contar com a ajuda da mídia no que diz respeito à sua irresignação acerca da associação com as redes sociais, contra a qual a própria mídia, hoje, manifesta sua discordância.
O profissional de comunicação não conseguiria reclamar de censura à liberdade de manifestação profissional se o veículo de mídia a quem presta serviços decidir se associar com uma rede social. De que serviria aos usuários o jornalista, atado às regras e interesses de um veículo por meio do qual manifesta sua expressão, indispor-se contra a censura, se o “patrão” decidir, em interesse próprio, “tocar a banda” em associação com uma rede social? A irresignação dos jornalistas tenderia à acomodação de interesses profissionais.
Questionamentos relevantes
A censura à liberdade de expressão já afeta os usuários. Além do abuso da censura à liberdade de imprensa, a decisão final de eliminar uma informação estaria sob a discrição da empresa de rede social. Já se tem notícia, inclusive, de imagens de artistas renomados – as quais envolveriam a estética “nu artístico” – que teriam sido impedidas de serem compartilhadas pelos usuários, via julgamento de valor, unilateral, pela empresa de rede social.
Sob a perspectiva do usuário, pergunta-se: seria tão difícil distinguir, por exemplo, a pedofilia de uma obra artística? Mas há, sim, confusão por parte de quem administra as redes sociais. A questão pode aparentar dificuldades para gerenciar as redes sociais, processos judiciais e outras consequências. De qualquer forma, o mínimo que se espera, por parte de quem aufere lucros com a adesão gratuita de milhões de usuários, seria um serviço decente de ouvidoria. Censurar a divulgação de uma obra de arte pelos usuários, confundindo arte com pornografia (ou pedofilia), não se pode aceitar. Tal fato parece indicar que, dentro da própria administração da empresa de rede social, o julgamento entre o que seria arte e o que seria pornografia (ou pedofilia) seria executado por “estagiários”, de tão discrepantes que são as decisões sobre a manifestação de expressão dos usuários.
A atribuição de censurar um conteúdo ilegal – pedofilia, por exemplo – veiculado por uma minoria de usuários é dever da empresa de rede social que se estabeleceu no mercado sob tais condições. Não haveria como se imaginar – se ainda nem há um consenso sobre a regulamentação da mídia – como regulamentar o conteúdo veiculado nas redes sociais por parte dos usuários. Mas a questão – o dever de distinguir os casos extremos dos compartilhamentos de conteúdo artísticos, entre os usuários – aparenta, hoje, estar abandonada pela administração das empresas de redes sociais.
Os questionamentos sobre a associação entre as empresas da mídia e das redes sociais são mais relevantes do que se nos apresentam.
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[Eduardo Ribeiro Toledo é advogado, Rio de Janeiro, RJ]