A falta de credibilidade da mídia jornalística bateu outro recorde nos Estados Unidos. Uma pesquisa do Instituto Gallup revela que 60% dos americanos têm pouca ou nenhuma confiança na informação transmitida pela mídia. Não é surpresa que republicanos constituem uma parcela expressiva dos desconfiados, uma vez que o bordão populista do partido demoniza jornalistas como esquerdistas bebedores de Romanée Conti.
Mas o número que me assusta não é o da divisão ideológica e sim o geracional. Apenas 39% dos americanos disseram que estão acompanhando regularmente o noticiário sobre a campanha presidencial, uma queda de 5% em relação a 2008, uma campanha mais passional, sim, com o ineditismo do primeiro candidato negro da história. Mas, este ano, o orçamento da propaganda eleitoral é muito mais alto. A questão é, quem está assistindo aos anúncios da campanha?
Outro número sinaliza a mudança demográfica: as pesquisas de opinião que usam celulares e interação ao vivo com o eleitor dão vantagem maior a Barack Obama. Um terço dos domicílios americanos não possuem telefone fixo.
Agora, o número para arrepiar: somente 11,5% dos americanos assistem à TV aberta em tempo real. Sei que o Brasil ainda está distante deste cenário e que a nossa banda larga, tão real quanto Papai Noel, ainda não permite a migração dos hábitos de assistir ao vídeo de maneira tão radical. Além disso, só 1/3 dos brasileiros têm acesso à banda larga em casa.
A resposta
A publicidade online ainda está longe de financiar os custos de TV de alta qualidade, seja nas minisséries brasileiras ou no drama refinado exibido pelas redes de cabo aqui, como HBO e Showtime. Por isso, a juventude que abandona a TV aberta ou a cabo é má notícia para todos. A TV americana é hoje uma usina de ideias muito mais vibrante do que Hollywood.
Mas, voltemos à noção de que 39%, menos da metade deste país, onde o voto não é obrigatório, acompanham regularmente a eleição presidencial. Com a permissão de todos que prestigiam esta coluna com paciência e comentários (Lucia.Guimaraes@estadao.com.br), eu me dirijo agora a você, o leitor que não passou dos 25 anos.
Você poderia ser meu filho ou minha filha. Perdoe o tom maternal, mas, estarei certa se concluir que você não assina um jornal impresso? Que você não organiza a sua noite em torno do horário de um telejornal em rede? Se você ainda não tem capital para assinar a Veja ou a Época, disputa a leitura do exemplar que seus pais recebem?
Sim, você passa muito mais tempo online do que seus pais passam lendo jornal, ouvindo rádio ou assistindo ao noticiário pela TV. Quantas vezes você clicou num vídeo da guerra civil em curso na Síria, na última semana? Uma vez que, na noite em que Bill Clinton fez seu famoso discurso na Convenção Democrata, você estava malhando ou tomando uma cerveja no Baixo Gávea (perdoem a carioca, não sei onde tomar cerveja em São Paulo), você clicou na versão completa, de 50 minutos, quando voltou para casa? A resposta, adivinho sem a menor condescendência, é "não".
Veja, tanto quanto você, eu fico uma pilha de nervos a cada nova cena de crianças sírias gritando de dor. Prefiro clicar no vídeo do Grizzly Bear (a ótima banda do Brooklyn, não a espécie ameaçada de extinção que frequenta o National Geographic Channel).
A outra praça
Mas a diferença é que a minha juventude não foi marcada pela escolha. A mídia de massa em rede, o jornal toda manhã na porta de casa, faziam a curadoria para mim e me impediam de ignorar a guerra civil na Síria, uma das grandes calamidades desta segunda década do milênio. A falta de escolha aqui não é sinônimo de opressão. Foi libertadora porque me expôs a uma realidade muito mais complexa do que a acessada pelo adolescente da solidão de seu quarto.
É impossível dissociar o crash de 2008, que resultou em tanto trauma econômico mundial, da maneira customizada de consumir realidade. Basta ver o número de livros que apuraram a extensão da corrupção na elite financeira. Eles são, na prática, reportagens tardias sobre o que se passava na nossa frente.
Então, leitor-que-poderia-ser-meu-filho(a): conto com seu contemporâneo americano para reeleger Barack Obama. Mas, se nós, apesar da diferença de idade, podemos nos esbarrar num concerto do Grizzly Bear, como vamos nos encontrar naquela outra praça? Falo da praça da história, da qual o jornalismo é a primeira versão.
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[Lúcia Guimarães é jornalista, em Nova York]