Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Espaço público, direitos e multimídia

Esta coletânea Espaço Público, Direitos Humanos & Multimedia: novos desafios reúne artigos de diferentes campos e traz para debate novos olhares, perspectivas e desafios trazidos pela contemporaneidade.

A sociedade contemporânea é caracterizada por uma pluralidade de manifestações culturais, assim a primeira parte da coletânea, “Diversidade Cultural”, abre com sete textos que refletem em diferentes pontos a problemática das praticas culturais, o direito á diferença e os limites dos direitos humanos. Entendemos aqui que o conceito de Diversidade cultural é fator fundamental para a construção contemporânea das Políticas Públicas, especialmente nas áreas da Cultura e das Políticas Sociais. Os processos de globalização e/ou mundialização, caracterizados pelo rápido avanço das tecnologias da informação e da comunicação constituem hoje desafios para a preservação e promoção dessa diversidade.

Neste sentido, Rosana Martins discorre sobre a inserção da capoeira no âmbito internacional e se transformação num dos veículos mais significativos de inserção da cultura brasileira no exterior. Híbrida ou mestiça, a capoeira encontra-se assim mais dominada do que nunca pela problemática da identidade. Tudo isso contribui para a complexidade e heterogeneidade entre os grupos e na maneira de se pensá-la e praticá-la. Através do estudo de caso sobre o grupo Abadá Capoeira, a autora reflete que houve uma expansão significativa da capoeira como veículo de agregação de uma identidade supranacional. Nesse sentido, tanto Rosana Martins como o artigo seguinte de Chloe Burie, sobre Abadá Capoeira na Cidade do Cabo, Afica do Sul, evidencia a intensificação da narrativa identitária que se constrói por meio de uma reflexividade que tem um papel muito importante no processo de (re)construção, (re)significação do sujeito, das suas ações no social, no qual se tornará o protagonista de sua própria história.

Ana Stela de Almeida Cunha, ao tomar como análise a Associação Cultural e Folclórica Vimarense, mais conhecida como Boi de Guimarães (brincadeira de Bumba-Boi oriunda de um quilombo do interior do Maranhão, Damásio – Brasil), reflete sobre o impacto e resultados da inserção dessa cultura popular no mercado cultural. A autora discutirá sobre as problemáticas na dinâmica social das relações mercantis envolvidas neste processo, o perigo de descontextualização que acabam por redefinir identidades e valores.

No artigo seguinte, Beatriz Padilla e Filipa Palma, focamna problemática do racismo em Portugal sobretudo aquele que é dirigido à comunidade negra quer seja de origem imigrante quer os jovens de segunda geração, e o impacto que as atitudes racistas têm na formação da identidade desses jovens. A “raça” é associada a características negativas sendo comum a associação à criminalidade e a hostilidade. O estudo revindica a necessidade de políticas tendo por base uma “inclusão cultural” e de reconhecimento cultural e étnico de forma a facilitar e promover a integração dessas comunidades. Na mesma sequência, Lorenza Tiberi discute situação dos imigrantes na Itália e na tentativa de repensar essa a integração (ou controle), a autora propõe e a tarefa de se investir em nossos recursos para a integração social. O artigo apresenta uma reflexão em torno do contributo teórico geral para uma aproximação aos conceitos de integração e diferenciação.

Derek Pardue ressalta no seu artigo “Hip-Hop Paulistano: a relação entre conquistar e contestar espaço” aimportância da cultura de hip hop paulistana e sua influencia na composição da cidade de São Paulo. Assim o hip-hop positivo envolverá novos processos de identificação nos quais os hip hoppers (protagonistas locais) imaginam suas questões locais e estão preparados para oferecer “soluções” integrativas à realidade da periferia. O Hip-Hop como forma de expressão, e também a uma ferramenta importante na integração e inclusão social dos jovens periferias urbanas. Esta primeira parte encerra com a contribuição da jornalista Maria Goretti Pedroso que propõe um olhar atento ao cinema brasileiro, enquanto meio audiovisual e recurso pedagógico, no papel de estabelecer o espírito crítico na de divulgação e celebração dos Direitos Humanos. A jornalista destaca em seu ensaio o uso do audiovisual no incentivo de uma cultura de diálogo com a Polícia Civil de São Paulo, o agente de segurança pública, sujeito de direitos e deveres. Além disso, a autora realça a importância da educação para os Direitos Humanos na formação e preparação dos agentes policiais encarregados de aplicar a lei.

Desenvolvimento humano e cidadania

Na segunda parte da coletânea, o enfoque é centrado na discussão do conceito de Cidadania defrontada ao contexto atual de globalização, no que diz respeito à representação, apropriação e prática dos direitos humanos. Em seu artigo Massimo Canevacci vai abordar o conceito clássico de cidadania influência das mídias digitais na metrópole contemporânea. Ele capta a imensa possibilidade de interação, participação e de criação de um novo tipo de sujeito, múltiplo e ativo. Nesse limite, o autor visualiza a metrópole contemporânea como um espaço material e virtual de contornos praticamente indefiníveis.

No artigo “Declaração Universal dos Direitos Humanos: desafios e perspectivas”, Flávia Piovesan, acentua algumas reflexões os direitos humanos e seus desafios na ordem contemporânea. Piovesan ressalta a importância da abertura do diálogo entre as culturas, com respeito à pluralidade cultural, com base no reconhecimento do outro, como ser pleno de dignidade e direitos, e requisito fundamental na promoção positiva e pró-ativa dos direitos humanos. A questão da diversidade linguística se insere no universo mais amplo da preocupação com a diversidade cultural, entendendo como fator importantíssimo para a identidade de um povo, por se constituir em um de seus principais suportes culturais a autora Márcia Santos Duarte de Oliveira enfoca o projeto-piloto ‘inventário linguístico de comunidades afrobrasileiras: Minas Gerais e Pará, como uma resposta à declaração universal dos direitos linguísticos, relacionada a comunidades negras brasileiras e ainda como uma importante complementaridade às ações já em curso envolvendo as comunidades quilombolas.

Camila Teodororeflete em seu artigo a cidadania feminina no Brasil, os aspectos ligados à identidade e à igualdade de gênero, ao combate à violência contra a mulher e à questão da autonomia econômica feminina e as suas conquistas a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Assim como sua cidadania, para a autora a identidade feminina também é um processo em desenvolvimento.

No artigo seguinte, Maíra Pedroso Soaresdebate sobre o a ação das organizações não-governamentais (ONGs) no auxílio de crianças e adolescentes de baixa renda, formando agentes de transformação de suas respectivas comunidades. Já Fernando (Dos Reis) Condesso ressalta no seu artigo o direito de acesso à informação enquanto meio privilegiado de concretização geral de um direito humano. No mesmo cenário apontado pela autora Maíra Pedroso Soares, Condesso visualiza o cidadão não como um beneficiário passivo, mas como o próprio agente seleccionador da informação a receber.

Paolo Targioni analisa um outro viés da migração contemporânea, que nada tem de diferente das precedentes ondas migratórias a não ser a direção, está caracterizada também por outros tipos de desejos que não são somente os desejos econômicos, mas o na possibilidade de transitar e inventar novos territórios existenciais.Neste sentido, torna-se fundamental colocar em análise os modos de subjetivação contemporâneos engendrados pela migração.

Fechando esta seção, Ana Cristina Souza Rocha elenca ações em espaços museais dedicados à arte que interferem na formação de cidadãos e no resgate dos direitos humanos. Nesse contexto, a autora pontua os projetos artístico-educacionais do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo que tenta estabelecer novas diretrizes direcionadas ao desenvolvimento humano e à cidadania, ao situar o homem como um ser inteligente, que se comunica e possui sensibilidade estética.

Ângulos diversos

Finalmente na terceira parte do livro “Multimedia” analisam-se questões como os avanços tecnológicos contemporâneos e os desafios desse processo no que diz respeito a uma participação ativa, pluralizada e inclusiva na apropriação crítica e criativa, por todos os cidadãos, dos media. Francisco Rui Càdima, discute o sistema de media em Portugal, e sua utilização pelas práticas discursivas do sistema político-partidário que submetem o sistema televisivo às suas próprias necessidades; no sentido inverso Cádima acentua a “pós-televisão” na era digital, a Internet e as redes sociais de “produsers” que estabelecem novos ambientes virtuais. Como consequência do desenvolvimento de novas tecnologias.

Maria Goretti Pedroso repensa a história dos mass media dialogando com Cádima no aspecto mediatico e destaca em seu artigo o limiar das novas formas de ação e interação e das novas relações de poder, principalmente no que tange a Sociedade de Controle e suas incursões sociais, abordando o cinema como máquina massiva de manipulação de comportamentos.

No artigo seguinte, Rosana Martins, ao citar o caso da network Music Television- MTV, repensa o novo significado do espaço público na contemporaneidade, permeado por novas formas de comunicação e de difusão de informações, mais digitalizado e interativas, e reafirma o espaço mediatico como terreno de embates e reafirmações de identidades e alteridades.

No artigo “O direito a voz no espaço público: uma reflexão em torno das formas de apropriação juvenil dos territórios urbanos”, Ricardo Marnoto de Oliveira Camposexplora o graffiti e as manifestações pictóricas e visuais realizadas por jovens no território metropolitano como novas expressões de uma cidadania que se manifesta à margem das normas e convenções dominantes fortemente conectados com estratégias de criatividade e inventividade cultural. Na sequência Pedro de Andrade, discute os direitos culturais como políticas de diversidade, como modo central de exercício dos direitos humanos.

No seu estudo sobre a Moda, a autora Queila Ferraz Monteiro acentua as articulações entre o corpo e a moda se estrutura como elemento de comunicação relacionados ao consumo e identidade, principalmente no quesito de criar necessidades e aparar-se em falsos créditos para a “plantação” deste consumo desmedido e manipulativo.

Tânia Maria Campos Zena, estebelece em seu artigo a construção do sujeito-leitor no discurso da crônica fotográfica jornalística, procurando observar as marcas da enunciação que conferem uma prática significante do espaço urbano que produz sentidos e que define o cidadão paulistano se projeta para a posição do sujeito-fotografado na busca de reconhecimento.

Maria João Relvas Amaro analisa Web 2.0 – o YouTube, Twitter, wikispaces ou blogs – como ferramenta potencializadora desta nova era, que permite que o (noutros tempos passivo) utilizador, tenha a possibilidade de editar, acrescentar e/ou encaminhar o decorrer de uma história. Finalmente, a colaboração deAna Isabel dos Santos Lopes na mesma sequência de Amaro explora o não consumidor passivo, e o uso da internet por ativistas que utilizam o meio este meio para comunicação diária, administração, acesso e divulgação de informação, estabelecimento e manutenção de suas redes sociais.

Atualmente, espaço público, entendido no seu sentido mais lato enquanto espaço de visibilidade pública, encontra-se sujeito a tensões fragmentárias. Logo, os media emergem mais fortes na sua ligação quase estruturante para a referência de valores e formação da opinião pública. A defesa da promoção dos direitos humanos passa ainda por mecanismos que garantam a veiculação da produção cultural de grupos regionais e locais, de forma que a diversidade cultural (e suas dimensões de etnia, gênero, opção sexual, política, religião etc.) da sociedade esteja devidamente contemplada no espaço público.

Vistos em conjunto, os textos dão acesso a um panorama atual sobre o recente processo de globalização, seja no reconhecimento da não-homogeneidade étnica e cultural, aliado a demanda por reorientação das políticas públicas no sentido de assegurar a diversidade/pluralidade de grupos e tradições; seja a emergência de demandas identitárias na cena contemporânea ora representam uma recusa dos grandes modelos mas também das tendências globalizantes.

Com essa coletânea esperamos apresentar ao leitor os diversos ângulos desse processo atual da sociedade para o exercício crítico de um debate, que se torna de interesse mundial. O conjunto de reflexões aqui publicadas consistirá, um excelente referencial para o aprofundamento teórico, prático e investigativo sobre o tema.

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Prefácio

Tabajara Novazzi Pinto

A obra que ora se apresenta, Espaço Público, Direitos Humanos & Multimedia : Novos Desafios, é produto da brilhante iniciativa de Rosana Martins, Maria Goretti Pedroso e Francisco Rui Cádima,pesquisadores estes de renome nacional e internacional, que engendraram importante trabalho em parceria sobre o novo espaço público que se desenha e o estudo de políticas públicas de cidadania e direitos humanos, visando a reflexão e, conseqüentemente, o estímulo à constante e sempre necessária pesquisa e construção – e perene reconstrução ! – dos direitos fundamentais inerentes ao ser humano.

Nossa amizade com Rosana Martins e Maria Goretti Pedroso remontahá quase década e meia, o que nos levou, pela convivência no ativismo dos direitos humanos, a tê-las na conta de verdadeiras guerreiras no campo dos direitos fundamentais, não apenas pela inteligência e tenacidade demonstradas na luta ativista em que apaixonadamente se empenham e sempre se dispõem a levar adiante, mas, também e, para nós outros, principalmente, pelo arrojo e coragem com que se houveram na efetiva contribuição para a implantação de uma cultura de direitos humanos no seio da Polícia Civil do Estado de São Paulo, porquanto participantes do trabalho dos professores da Academia de Polícia Civil do Estado de São Paulo-ACADEPOL, como valiosas parceiras, nas atividades do Centro de Direitos Humanos e Segurança Pública “Celso Vilhena Vieira” daquela casa de ensino. Por isto, o privilégio de elaborar o presente prefácio proporcionou-nos imensa alegria e satisfação.

Agora, ao lado do indispensável doutor Francisco Rui Cádima,eminente pesquisador e historiador português, por intermédio deste admirável empreendimento coletivo visando o bem da coletividade, os organizadores reuniram prestigiosos pensadores dos direitos humanos e da multimedia, cujas manifestações (fomento dos direitos humanos; transformações sociais contemporâneas; espaços públicos; multiculturalidade; educação formal e informal; justiça social; exercício da democracia etc ), nesta bem estruturada obra, levam, em última análise, também à reflexão sobre a crucial questão do binômio direitos humanos e segurança pública.

O livro, dividido em três partes: Diversidade Cultural; Cidadania e Direitos Humanos e Multimedia, tem conteúdo útil e atual, revelando-se instrumento eficaz para discussões referentes às políticas adotadas frente à contemporaneidade mundial. A partir da presente obra abre-se espaço para a reflexão de estudiosos e pesquisadores sociais e a louvável iniciativa cumpriu com brilhantismo este objetivo, conforme se poderá constatar ao lê-la.

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[Tabajara Novazzi Pinto é delegado de polícia de Classe Especial, mestre em Ciências Sociais e Aplicadas, fundador e Coordenador do Centro de Direitos Humanos e Segurança Pública “Celso Vilhena Vieira” da Academia da Polícia Civil do Estado de São Paulo]